Quem deve pagar a Cultura: O Estado ou os cidadãos ?
Dep.Carlos Coelho
Vamos iniciar os nossos trabalhos!
Como já tive ocasião de vos dizer, em 2003 não houve nenhum painel oponente. Foi a avaliação dos vossos colegas que nos levou desde 2004 a ter sempre um debate deste género na Universidade de Verão.
A lógica é a de discutir temas da actualidade mas, ao mesmo tempo, permitir-vos acompanhar o exercício do debate entre personalidades de primeiro plano. Tivemos já nesta sala temas escaldantes e personalidades diferentes, até de partidos diferentes. Recordo-me de pelo menos duas vezes termos tido aqui dirigentes nacionais do Partido Socialista: uma vez o Eng. João Proença, Secretário-Geral da UGT, sobre se devemos ou não despedir funcionários públicos e o deputado socialista Joel Hasse Ferreira a respeito da questão de ser ou não possível reduzir os impostos.
Temos hoje um debate sobre Cultura centrado na questão do seu financiamento. A Cultura será um bem comum a ser assegurado pelo Estado ou deve ser especialmente pago por aqueles que dela usufruem, os consumidores? Temos duas personalidades diferentes connosco: o Prof. António Pinto Ribeiro e o Dr. Francisco José Viegas.
Agradeço muito a ambos o facto de terem aceite participar na Universidade de Verão e neste painel em especial. Ambos têm créditos firmados na Cultura, ambos dispensam apresentações. Vamos iniciar as hostilidades depois de um curto retrato falado.
O Prof. Pinto Ribeiro diz que não tem hobbies porque é um homem do trabalho, tem muitas comidas preferidas e a diversidade é constante. No animal preferido, uma resposta subliminar: diz que ele e os animais não têm grandes relações. Sendo eu Coelho já temos aqui um problema ombro-a-ombro. (risos) O livro que sugere é Hotel Memória de João Tordo e o filme preferido é Vincere. A qualidade que mais aprecia é a honestidade intelectual.
Já o Dr. Francisco José Viegas tem um hobby que se compreende bem, a cozinha, e a sua comida preferida provém da “cultura mediterrânica”. Prefere os gatos, o seu livro favorito é A Grande Arte e o filme é Amarcord de Fellini. A qualidade que mais aprecia é que não se dê erros ortográficos quando se fala. Atenção a quem vai fazer perguntas, fica este registo.
Vamos então iniciar, muito obrigado a ambos. Tem a palavra em primeiro lugar o Prof. Pinto Ribeiro.
Dr.António Pinto Ribeiro
Muito boa tarde a todos. É de facto um prazer estar aqui pela enorme gentileza com que este convite foi feito pelo Dep. Carlos Coelho. Por aquilo que me apercebo, esta Universidade de Verão é um lugar de formação de massa crítica e não apenas um lugar de preparação de quadros para a conquista e manutenção de poder. O lado da massa crítica é o que mais me fascina neste processo.
Finalmente por ter o Francisco como interlocutor deste diálogo.
A pergunta que foi colocada, e peço desculpa pela clarificação que vou fazer da pergunta, é do meu ponto de vista, extremamente redundante porque é muito maniqueísta. Numa resposta muito simples e breve, eu diria que os cidadãos pagam uma parte e o Estado paga outra e ficaríamos por aqui, o que seria uma resposta comum a todas as outras actividades do país e outras actividades da condição humanas. Só que o universo da Cultura é extremamente complexo.
Existem três áreas muito curiosas que são a Religião, a Economia e a Cultura sobre os quais aparentemente toda a gente tem qualquer coisa a dizer e se sente profundamente encartado para se pronunciar sobre elas. Na verdade, acho que sendo estas três áreas as mais complexas e as mais difíceis do entendimento e da prática humana, o campo específico da Cultura exige hoje um trabalho, uma preparação, um estudo diário, uma investigação permanente do que está a acontecer em todos os domínios das práticas culturais que não se pode coadunar com uma resposta simples e banal de tomar uma ou outra posição.
Acresce ainda a problemática de que domínio da Cultura estamos a falar. Estamos a falar da cultura popular? Estamos a falar da cultura urbana? Estamos a falar de práticas culturais suburbanas? Estamos a falar da cultura internacional? Estamos a falar de diplomacia cultural? Estaremos apenas a falar de arte contemporânea? Estaremos a falar de arte antiga? Estaremos a falar de cultura museologia?
Estão a ver que a quantidade de perspectivas que é necessário ter na abordagem à questão da Cultura! É de tal forma complexa que uma resposta muito simples e imediata não é nem justa, nem nos cabe a nós responder.
Contudo, eu creio que existem algumas premissas que podem ajudar a equacionar esta questão e têm a ver com a grande mutação do mundo contemporâneo. Há 50 anos atrás, a visão da Cultura era basicamente aquela que defendia a chamada Alta Cultura, a cultura erudita - a ópera, o grande cinema, a grande música clássica, a literatura clássica - ou uma outra Cultura, para o caso chamada Baixa Cultura, que tinha a ver com a cultura popular, emanada da criação operária e de um conjunto de actividades consideradas menores. A própria banda desenhada era considerada secundária e era marginalizada.
Com a mudança do mundo, com os fenómenos de contágio das práticas artísticas e da cultura contemporânea a outras áreas do saber, como a Ciência, a Economia ou a diplomacia cultural, veio a obrigação de pensar de outra maneira esta dimensão humana.
Acresce ainda a existência de outros aspectos absolutamente fulcrais e fundamentais relacionados com os últimos 20 anos e que passam muitas vezes pelo grande sucesso que hoje as práticas Culturais têm, por exemplo, no domínio da Economia. As análises europeias, brasileiras, americanas e até as análises portuguesas (o último relatório do professor Augusto Mateus é disso exemplo) mostram que ao invés de outras dimensões empresariais e actividades humanas, a Cultura foi aquela que nos últimos 20 anos mais cresceu em termos de empreendedorismo e oferta de trabalho.
Por exemplo, no caso português que até para mim foi uma agradável surpresa, nos últimos 10 anos a economia da Cultura cresceu 4% no PIB, ultrapassando as bebidas, parte substantiva da alimentação e a produção de tecidos, o que é absolutamente surpreendente dada a visão que geralmente se tem, tão simplória e redutora, da actividade cultural.
Os outros aspectos que valiam a pena ser considerados têm a ver com esta dimensão de contágio que hoje a prática cultural dá a outros tipos de actividade. Eu tenho um colega, um grande cientista e porventura o maior especialista em imunologia em Portugal, que me disse já viárias vezes que gosta de ver espectáculos de dança por uma razão muito simples: ganha ideias muito estimulantes para a sua própria investigação científica. A verdade é que só quem tem uma visão da Cultura exclusivamente como prática de entretenimento, que é do meu ponto de vista mais pobre, é que pode defender que a Cultura tem apenas como objectivo preencher alguns tempos mortos da nossa vida com maior ou menor festividade.
Para além dessa dimensão tão pobre da nossa actividade cultural, existem outras substancialmente ricas e nesse sentido eu acho que é absolutamente incontornável que o Estado tenha uma intervenção importante na regularização das práticas culturais. Dentro da Cultura como modo de conhecimento, práticas culturais inventivas e de inovação podem contribuir para a economia de um país, criando comunidades e tornando mais ricos os imaginários. É evidente que aí a intervenção do Estado é fundamental. E não é por nenhuma razão de ordem metafísica que invoco esta intervenção: num país com a dimensão de Portugal, em que o mercado é tão reduzido, não há grande solução para a maioria das actividades artísticas e culturais que se podem fazer.
Isto não é específico das actividades artísticas e culturais. O mercado é pequeno para a maioria da produção que é feita em Portugal: nos lanifícios, nas bebidas, nos têxteis, numa série de outras actividades. Portanto, tem de haver uma intervenção do Estado a esse nível e também para regular a diversidade. A diversidade é um aspecto fundamental de qualquer comunidade ou actividade e se não houver uma intervenção do Estado em determinadas situações específicas para as regular, é difícil que não nos tornemos num país uniforme, balizado pelo nível mais medíocre que existe.
Alguns dirão que as pessoas podem escolher o que quiserem. Lamento, mas não é verdade porque alguns não sabem que podem escolher de outra maneira. Todos os que estão aqui nesta sala tiveram o privilégio de ter acesso à informação, à educação, às universidades e portanto tivemos o privilégio de poder conhecer e entender mecanismos que doutra forma, para a grande maioria das pessoas em Portugal, não é possível serem entendidos.
Vou dar-vos uma razão muito concreta relacionada com as nossas televisões generalistas que são, do meu ponto de vista, muito más. Muitas pessoas têm de as ver porque não dispõem de condições financeiras de acesso ao cabo ou porque simplesmente, desligando a televisão, correm o risco de ficar numa enorme solidão. Os directores desses programas generalistas dizem que as pessoa podem desligar a televisão, mas sabemos que não podem porque senão ficam vazias. Daí que a intervenção do Estado possa permitir a oferta de outras possibilidades de conhecimento e festividade. Ou seja, não acho de todo que as pessoa sejam obrigadas a escolher e a decidir por aquilo que é erudito e definido por um determinado grupo, mas a possibilidade de escolha é fundamental e fulcral.
O último aspecto e espero que o debate não vá por aí porque seria redutor, é a concentração de toda a discussão da Cultura no Ministério da Cultura, um dos instrumentos do Estado para intervir na actividade cultural a par das autarquias, organizações de cidadãos, fundações e os próprios cidadãos que têm capacidades, responsabilidade e o dever de intervir.
O formato actual do Ministério da Cultura devia ser revisto porque o modelo que existe vem desde o pós-guerra e com certeza que o Mundo mudou e os ministérios têm de mudar, mas por favor não fiquemos apenas pelo debate sobre o Ministério da Cultura quando falamos de actividade cultural porque seria um debate muito empobrecedor.
[PALMAS]
Dr.Francisco José Viegas
Boa tarde a todos. Queria também começar por agradecer ao Carlos Coelho o convite para vir aqui, especialmente com o António do outro lado. Nós encontramo-nos geralmente no Brasil e por aí fora, mas nunca em Castelo de Vide.
E já agora, por falar do António, recomendo o seu último livro publicado pela Cotovia, É Março e é Natal em Ouagadougou, que me parece um título fascinante. Pela sua leitura aprendi que nascemos quase na mesma altura do ano. Como sabem, Peixes é o melhor signo que existe, mesmo para falar de Cultura.
Há uma frase no livro do António que eu gostava de trazer para aqui, não para introduzir o debate nem para começar a minha intervenção. A determinada altura do livro há uma viagem a África e uma peregrinação maravilhosa a Alexandria, considerada maravilhosa à distância, mas quando chegaram ao aeroporto, no meio do deserto, nem tanto. Nós pressentimos que quando nos aproximamos de Alexandria provavelmente não gostamos e a primeira reacção à cidade e a paisagem não é agradável, mas toda a memória que Alexandria evoca, a Cultura, a passagem do tempo (que é a Cultura), é absolutamente deliciosa. Quem viu o filme Hipátia de Alexandria imagina o Mundo e o centro da nossa vida cultural.
Depois dessa viagem toda no livro do António, há uma passagem que eu tomei nota para outros debates porque a grande questão continua a ser “Para os pobres, a literatura serve para quê? Há um limite a partir do qual, nenhuma arte serve aos pobres”. Isto não é um começo, mas é uma frase que devemos ter em conta sobre as necessidades essenciais do ser humano. Até que ponto podemos transferir este conceito de pobreza para outro nível? É por isso que muitas vezes falamos de pobres de espírito e convém ter este conceito em conta.
Entrando directamente no assunto, manifesto a minha concordância com o António em relação a vários aspectos que aqui mencionou.
O financiamento da Cultura é um debate que tem sempre dividido a sociedade portuguesa e muito particularmente os sectores mais à Direita. Em primeiro lugar, porque temos uma tendência para reduzir o debate sobre o financiamento da Cultura a um dos sectores/actividades do Ministério da Cultura, que é a atribuição de subsídios e apoios. Há uma tradição cultural mais à Esquerda, isto é, quando se diz que a Cultura está à Esquerda, em parte é verdade e a culpa é da Direita. Isso não quer dizer que os artistas, os criadores, os cineastas, pintores, os escritores sejam de Esquerda, significa que há um público à Esquerda, que há uma tradição, que há um modo de ler à Esquerda que não foi substituído e que não tem contraponto à Direita.
Por outro lado, parte da Direita portuguesa herdou uma repulsa muitas vezes justificada pela palavra “intelectual”, uma palavra que, por sua vez, é herdeira de toda uma tradição política que vem do século XIX e que a Direita vê como algo que está do outro lado da barricada. Isto é errado e se quiserem fazer alguma coisa comecem por aí.
Falamos quase sempre de subsídio e não há que ter medo da palavra ou de discutir este assunto. A questão dos financiamentos exige que as pessoas que discutem este assunto conheçam o que acontece do lado do Estado. Ao contrário do António, eu verifico que grande parte da intervenção do Estado no âmbito da Cultura se faz através do Ministério da Cultura, o que não quer dizer que o melhor que se faz na Cultura seja através da intervenção do Estado. Como nós sabemos, são instituições privadas, ou semi-privadas, que fazem do melhor que temos hoje em Portugal. Pelo menos funcionam de uma maneira diferente dos institutos públicos. Basta pensar em Serralves, no CCB, na Culturgest, etc.
Eu gostava de vos explicar como funciona “o monstro”, ou seja, o Ministério da Cultura. Uma leitura simples do organigrama do Ministério da Cultura mostra-nos que há 6 ou 7 áreas fundamentais:
- uma primeira que trata das artes do espectáculo, aquela que está sempre envolta em polémica precisamente porque movimenta milhões, que tem a ver com o apoio às danças, à arte, ao teatro, à música, etc;
- uma segunda que está ligada ao apoio aos institutos e academias que compõem aquilo a que se chama a Alta Cultura, que estão no domínio directo e sob direcção directa do Ministério da Cultura;
- uma parte que está ligada à arte independente, como por exemplo, o cinema;
- outra área, os pilares da representação nacional (Teatro D. Maria II, Teatro S. João, Companhia Nacional de Bailado);
- outra área fundamental que trabalha a internacionalização, com protocolos internacionais;
- uma parte que é mínima e que tem a ver com o livro e os arquivos;
- e a parte do património, que inclui também a rede de museus e que consome 60% ou 70% do orçamento do Ministério da Cultura.
Quando se fala do orçamento do Ministério da Cultura, 60 ou 70% desse dinheiro desaparece imediatamente para tratar, conservar (mal, mas isso é outra questão) o património.
Isto tem mudado muito pouco desde que há governos constitucionais, desde os primeiros governos de maioria do Professor Cavaco. Mudou muito pouco desde a intervenção mais forte dos governos do Eng. Guterres, com o Ministro Carrilho. Existe necessidade de reorganizar tudo isto e é necessário repensar esta estrutura e a forma de actuação do Ministério e do Estado de uma forma ousada e moderna.
Vou dar alguns exemplos sobre o que é que mudou radicalmente na Cultura e o que é preciso ter em conta nesse universo da Cultura. Por exemplo, hoje é impossível falar de Cultura sem falar do que eu chamaria de “questões culturais”, ou seja, insiste-se muito na dimensão espectáculo da Cultura e chega-se a pensar que tudo o que é Cultura tem de ser espectáculo e tudo o que é espectáculo é Cultura necessariamente. Chega-se a um ponto gravíssimo – que em Portugal é especialmente mais grave porque o mercado é pequeno – em que se pensa que tudo é Cultura. Quando tudo é Cultura, nada é Cultura porque tudo está no mesmo saco e isso leva ao seu esvaziamento, reduzindo-a à sua dimensão de puro espectáculo.
Já que aqui estão pessoas de vários pontos do país, gostaria de chamar a atenção para o caso gravoso que é o financiamento ilegal da música comercial por parte das autarquias e institutos públicos, através dos espectáculos, festivais e concertos de Verão. Não tenho nada contra o Mickael Carreira, como é evidente, mas tenho contra o financiamento público destes espectáculos e reparem que não estou a falar de Alta Cultura ou de música erudita, estou a falar de espectáculos de música comercial pura e simples.
Portanto, quando se fala de questões culturais, o Estado deve reflectir sobre como vai ser o Mundo, como vai ser a Liberdade, a Arquitectura, o “movimento”, como será que nos vamos mover, como vai ser, por exemplo, a relação entre o Homem e a tecnologia, que é uma das questões na ordem do dia numa altura em que o Governo prossegue com aquele programa de analfabetização informática das nossas escolas, um programa já abandonado em todo o lado, em todo o lado que importa.
É impossível falar hoje de Cultura sem falar de Ambiente, sem falar da relação entre as ciências da vida e a capacidade de problematizar, sem falar da relação entre o investigador em imunologia que está a ver dança e que acha que aquilo é importante para ele.
É impossível falar de Cultura sem falar de públicos, é esse também um dos problemas graves. Quando nós falamos de públicos e novos públicos não significa financiar mais espectáculos ou espectadores, significa sim ter um programa de educação artística desde cedo nas escolas e aqui a situação é desagradável porque é uma das coisas com que este Governo acabou. Agora não há formação artística e humanística, não há educação em música, não se fala em fotografia, cinema, ópera, teatro lírico, literatura e essa ligação entre a Educação e a Cultura é fundamental para a criação de novos públicos. Daqui a 10 ou 15 anos, se não houver educação artística nas escolas, não haverá público para os artistas portugueses, para os artistas que nessa altura não vão ter nenhum Ministério da Cultura que os apoie.
É impossível falar de Cultura sem falar de espaço, de arquitectura, de turismo, de paisagem. Falo do turismo porque 60% do orçamento do Ministério da Cultura vai para as infra-estruturas de património arquitectónico. Têm uma relação muito estreita, quer com as obras públicas, quer com o turismo e é o Ministério da Cultura que arca com tudo.
Portanto, não podemos conceber a Cultura como uma série de guetos, como antigamente se concebia a RTP2. A RTP2 tinha o seu espaço de ópera, de teatro, de livros e o que eu disse na altura foi que eu não queria uma RTP2 com cultura, queria uma RTP2 culta, que implica um olhar completamente diferente. Eu não quero um Estado da Cultura, eu quero um Estado culto e essa é uma questão completamente diferente.
E para terminar, há uma questão que se pode continuar a debater: essa distinção entre investimento e despesa. A Direita tem a tendência de achar que a Cultura é despesa e se é despesa, vamos cortar. A Esquerda cai na tentação de dizer que a Cultura é despesa, mas é despesa justificada. O António mencionou aqui o Relatório Mateus que é um estudo sobre a componente económica da Cultura e é importante pensar de que forma este 4% de crescimento da Cultura foi ou não directamente subsidiado e apoiado pelo Estado com um chamado investimento “duro” de Estado.
Para dar um exemplo, na UE a Cultura represa 2.6% da produção de riqueza. O negócio imobiliário representa apenas 2.1%. São dados importantes!
Obrigado.
PALMAS
Duarte Marques
Muito obrigado a ambos. Vamos agora dar inicio ao período de perguntas dos nossos grupos. O Grupo Azul vai ter a primeira pergunta, Pedro Patoilo e de seguida é a Vânia Sousa do Grupo Laranja.
Pedro Patoilo
Quero em primeiro lugar agradecer a presença dos nossos ilustres convidados.
Há um mês que ficámos a conhecer os cortes que o Ministério da Educação quer aplicar aos apoios que concede a escolas de música do ensino privado. Dado que estas escolas de ensino particular e cooperativo estão a ter um papel importantíssimo no contributo à Cultura, pergunto que futuro vão ter os jovens que vêm a sua aprendizagem musical agora dificultada?
PALMAS
Vânia Raquel de Sousa
Boa tarde. Quero cumprimentar os convidados.
Todos reconhecemos a importância da Cultura, a Educação, a Saúde, a Segurança, os apoios sociais. Portanto, considero que precisamos de discutir com seriedade política e intelectual a distribuição do orçamento da Cultura. Num momento de especial escassez de recursos financeiros do Estado, estamos todos obrigados a repensar as despesas e investimentos públicos. Numa época em que se encerram maternidades e escolas primárias, em que se vai adoptar o sistema utilizador-pagador nas estradas do interior, num momento em que se vão cortar alguns apoios sociais, não seria importante que as despesas Culturais fossem assumidas por quem efectivamente consome produtos, bens e serviços? Obrigado.
PALMAS
Dr.Francisco José Viegas
Em relação à primeira pergunta, justamente tinha acabado de falar neste assunto. É impossível falar em criar novos públicos para a Cultura sem haver educação artística. Acho que isso é fundamental. Uma das coisas que deve preocupar as pessoas que se dedicam a reflectir sobre a Cultura é como estão escritos os programas do ensino básico e secundário, o que defendem e ver como se encaminham as novas gerações para o conhecimento cultural. É absolutamente desmobilizador ver, por exemplo, os programas de Português, os programas de História, o fim da Filosofia e assistir ao empobrecimento da escola.
O caso da educação artística é flagrante, não se trata apenas do fim da educação artística para o ensino particular e cooperativo porque se trata de uma ausência absoluta de educação artística no ensino público em geral, visto como um luxo, mas é na verdade uma necessidade premente de educação.
Em relação à segunda pergunta, sobre a relação que pode existir entre a escassez de dinheiros públicos e a necessidade de cortar em tudo e na Cultura. Parece-me que precisamos de falar um pouco sobre isso porque não me parece que os dinheiros investidos na Cultura possam ser assim contabilizados, a menos que queiramos medir o grau de rentabilidade de um espectáculo de teatro através da experiência intelectual ou lúdica pela qual cada pessoa passou e que lucros imateriais retirou daí, mas se não quisermos entrar nos domínios da econometria, temos pensar mais profundamente.
Já agora, agradecia que contabilizasse o financiamento do Estado em futebol, ou em empresas na falência porque são mal administradas (não só no Vale do Ave, mas em todo o país), em institutos de utilidade duvidosa, na construção de auto-estradas clientelares, etc. Quando conseguir fazer contas sobre as aplicações que o Estado tem feito nessa rede de empresas mal administradas, institutos públicos sem finalidade e sem consequência e utilidade, então aí podemos falar da forma que falou. Tem sido um dos pecados do pensamento à Direita em Portugal ancorar-se na dispensabilidade da Cultura e acho que isso é um dos assuntos a discutir numa Universidade de Verão dedicada inteiramente à Cultura.
Mas quando me conseguir responder a essa questão, quanto o Estado deu a empresas falidas, aguentado empresas falidas que despediam pessoas, aumentando o nível de desemprego, quando me conseguir contabilizar o investimento nessa rede de empresas clientelares cujo retorno e criação de riqueza é mínima, então nessa altura eu falo consigo sobre essa matéria dos cortes na Cultura. Uma coisa é dizer que há cortes em todos os sectores e por isso devem haver cortes homogéneos e com a mesma percentagem na Cultura. Essa é uma matéria da Administração Pública e concordo, mas isso é uma coisa completamente diferente. O que me deu a entender foi que neste período de grande escassez, não faz sentido haver apoios à Cultura e é isso que está errado.
Dr.António Pinto Ribeiro
Em relação à primeira pergunta, é de facto lamentável que essas escolas sejam fechadas e acho que nenhum de nós gostaria que o fossem. Contudo, eu creio que existem dois aspectos a considerar e um é a necessidade de avaliação de muitas dessas escolas. Acho que o ensino artístico, quer oficial quer privado, precisa de ser avaliado. Existem questões de natureza corporativa que não são nada benéficas para algum tipo de aprendizagem e no ponto de vista da avaliação devia com certeza haver algum tipo de economia a fazer.
O outro aspecto tem a ver com maior investimento no ensino integrado das artes, mas evidentemente ninguém pode estar satisfeito com a redução de apoios às escolas artísticas.
Em relação à questão do subsídio, três pontos muito breves: primeiro, toda a actividade em Portugal, como na Europa e em parte substantiva dos Estados Unidos, é subsidiada. Dos jovens agricultores aos jovens empresários, às fábricas em falência e como, dizia o Francisco, não vejo razão para que a actividade cultural não seja subsidiada. Eu tenho enorme orgulho em ser europeu, em fazer parte de uma região geográfica e cultural que inventou a História, a Geografia, que inventou a Cultura, que inventou os cânones da poética e isso só foi possível porque houve formas variáveis de organização do Estado que o permitiram. Portanto, acho que enquanto herdeiro desta tradição e deste investimento aparentemente inútil na criação artística e cultural eu tenho enorme orgulho em fazer parte desta Europa e eu espero que queira continuar a contribuir para isso. Desse ponto de vista, acho que os Estados têm responsabilidades em subsidiar.
Um aspecto importante e falemos então de dinheiro. Vou dar o exemplo dos 800 mil euros da Direcção Geral das Artes para os apoios pontuais às artes, ou seja, os criadores que fazem teatro, dança, música neste ano, todos os criadores receberam juntos 800 mil euros. Convínhamos que fica um bocadinho aquém dos salários dos gestores das nossas empresas bem conhecidos. E sempre foi assim!
Segundo aspecto, isto é uma Universidade de Verão e eu trouxe alguns documentos para não termos opiniões: se compararmos o financiamento do Ministério da Cultura dos vários países da União Europeia, já que fazemos parte do mesmo universo e da mesma Europa, actualmente o Ministério da Cultura é o que tem o orçamento mais baixo, só comparado talvez com a Eslováquia, mas não se sabe bem porque os números que eu tenho são de 2006/2007, antes ainda da crise. Todos ou outros países têm orçamentos substancialmente mais altos. A cidade de Berlim, por ela só, tem um financiamento para a Cultura de 300 milhões de euros, substantivamente maior que os 223/225 milhões de euros que o Ministério da Cultura tem. As três óperas de Berlim custam à cidade 120 milhões de euros por ano. Orçamento da Cultura do ministério francês é de 3 mil milhões de euros. O orçamento do Reino Unido é de 8 mil milhões de euros. O orçamento da Cultura do Brasil, nosso país adoptado, foi anunciado pelo Presidente Lula que atingiu 1% do orçamento do Estado, uma coisa única na história do Ocidente e que nenhum país da Europa conseguiu, talvez excepto a Eslovénia que deve andar à volta de 1,1% ou 1,2%.
Dr.Francisco José Viegas
Mas deixa-me dizer, António, que o orçamento de 1% para a Cultura no Brasil é prometido desde 1983.
Dr.António Pinto Ribeiro
É verdade e só ele é que o conseguiu.
Dr.Francisco José Viegas
É a meta desde 1983 e nunca foi tão baixo como agora em Portugal.
Dr.António Pinto Ribeiro
O mais alto foi o de 2002. Portanto, estamos a falar de números absolutamente irrisórios, muito aquém do que, no meu ponto de vista, devia ser desejado. Quer do ponto de vista simbólico, 1% seria fulcral atingirmos.
Um outro aspecto importante é que subsídio não significa que as pessoas o vão lá receber e vão para casa. Dirão que existem situações que não são tão correctas, que deviam ser avaliadas e naturalmente punidas como qualquer outra situação, mas há também um investimento muito importante no retorno financeiro simbólico e até através da representação da imagem do país no estrangeiro, o que é muito substantivo.
Duarte Marques
Muito obrigado a ambos. Agora as perguntas do Grupo Castanho, Aires Lopes e Encarnado, Ricardo Lima.
Aires Lopes
Boa tarde a todos, em particular aos nossos ilustres convidados.
Portugal, como sabem, tem uma longa história enquanto país e uma Cultura única e singular e enquanto país turístico promove essencialmente o mercado do sol e praia. Gostaríamos de saber qual é a vossa opinião sobre o mercado turístico cultural em Portugal enquanto factor de promoção do país pelo mundo fora e se caberá ou não ao Estado exercer esse papel.
Ricardo Lima
Antes de mais, gostaria de cumprimentar os dois oradores e não querendo parecer muito ambicioso, tinha duas perguntas.
Em primeiro lugar, como disse, existem vários públicos para a Cultura. Então pergunto, ao promover a Cultura, que Cultura devemos promover? É que, por exemplo, eu posso ler Saramago e a minha colega aqui ao lado pode gostar de banda desenhada. Eu posso gostar de arte moderna e a minha colega aqui ao lado pode gostar de graffiti. Eu posso gostar de ópera e a minha colega do lado pode gostar de Mickael Carreira. Portanto, com tantos públicos diferentes e com tanta escassez de fundos, como é que se decide aonde os fundos vão chegar?
E agora a segunda pergunta sobre a cidade de onde eu venho, o Porto, onde existe uma grande crítica à Câmara porque não existe promoção de Cultura – crítica que eu acho que vai continuar enquanto o Porto não promover um concerto do Pedro Abrunhosa, mas isso é outro caso.
Há poucas semanas, num debate com o presidente do meu núcleo, este dirigiu-se a mim e disse “Ricardo, enquanto nesta cidade as pessoas passarem fome, não tiverem água quente em casa, não tiverem a sua vida organizada, com que direito podemos gastar o dinheiro a promover um espectáculo, a promover a construção de uma nova biblioteca enquanto nós não ajeitarmos a vida das pessoas?”.
PALMAS
Dr.António Pinto Ribeiro
Se bem percebi, a sua primeira pergunta tem a ver com a questão da internacionalização da Cultura portuguesa. Sem o querer corrigir, eu gostaria contudo de dizer que existem outros países que também têm velhas e singulares culturas e não apenas nós. Era bom termos também nós próprios esta visão mais cosmopolita e mais internacional do Mundo.
O problema da internacionalização é fulcral e fundamental,. Eu acho que nós não temos tanta internacionalização como seria importante por várias razões. Primeiro, porque do ponto de vista daquilo que é considerado o património, comparativamente a outras cidades e países, o nosso património é rico, interessante, e valioso. Mas porventura se um americano quiser escolher entre o Louvre e um museu só de arte antiga, aparentemente escolherá o Louvre e isso não tem só a ver com a dimensão histórica e o valor do Louvre, tem a ver com a tradição internacional de visitação daqueles lugares, chamados roteiros turísticos. Essa é uma das nossas dificuldades. Parte da internacionalização cultural tem a ver com a marca do país. Nós neste momento, desde 2002 para cá, atravessamos um período internacional de fraqueza de marca, ou seja, Portugal não vende enquanto marca. Vendeu na última fase dos anos 90 e bastante bem. Tínhamos imensos visitantes que vinham a Lisboa e ao Porto, por razões muito concretas: Lisboa 98, Europália, Capital Cultural, tudo isso. Houve uma marca de cosmopolitismo que atraiu a dimensão internacional da Cultura e chegamos a hoje com uma crise por não termos meios/instrumentos de difusão cultural em termos internacionais.
Eu tive o privilégio durante ano e meio de fazer parte de um grupo de peritos da União Europeia para a mobilidade dos artistas e chegamos, entre várias conclusões, à seguinte: hoje o território da Cultura e da diplomacia cultural é um território de luta permanente e de conquista. O deputado Carlos Coelho sabe bem desta situação em que se disputam os lugares de influência territorial através, por exemplo, da Cultura e isso tem a ver com a necessidade de investir. É preciso investir também na promoção dos nossos artistas, das nossas actividades culturais, dos nossos objectos de culto de forma internacional. E, porventura, não temos os meios para isso.
Enfim, isto daria uma conversa longuíssima e aliás, muito fascinante porque do ponto de vista da auto-sustentabilidade na nossa produção cultural, ela só pode ter eficácia se nós internacionalizarmos os nossos produtos culturais. Parte do nosso cinema é pago neste momento pelos estrangeiros, parte da nossa arquitectura é paga pelos estrangeiros, parte do nosso design é pago pelos estrangeiros, portanto, se nós internacionalizarmos isso é importante.
No que diz respeito às questões postas pelo Ricardo Lima, acho que eu disse exactamente que um dos aspectos fundamentais dos instrumentos de intervenção do Estado na Cultura é promover a diversidade cultural para que você que gosta de Saramago e a sua colega que gosta de banda desenhada, possam os dois ter possibilidade de ler e de ter acesso a isso como outras pessoas que gostam de outras coisas. Há que promover a diversidade para que não sejam todos obrigados só a ler Saramago, nem só a ler banda desenhada.
No que diz respeito ao Porto, toca num assunto que para mim é particularmente delicado. Neste momento, o Porto tem uma situação de enorme crise cultural. Acho que há um problema de relação muito grave entre a Câmara e a Cidadania e acho profundamente demagógica essa história de que enquanto houver pessoas a morrer de fome, não se pode fazer a biblioteca. Tenho dúvidas que pessoas que estejam a morrer de fome em alguns bairros vão a bibliotecas. Não é que não o merecessem, ou que não fosse importante. Acho que existem problemas, alguns preconceitos de natureza cultural e uma visão profundamente demagógica da Cultura que levam a que a Câmara tenha a atitude que tenha na Cultura.
Só fazer um apontamento importante em relação ao que diz o Francisco. Serralves, CCB e a Casa da Música são Ministério da Cultura, apesar de tudo.
PALMAS
Dr.Francisco José Viegas
O Aires Lopes falou desta relação entre a Cultura e o Turismo, esta ligação permanente que o António situou e muito bem, na disputa pelo poder nos organismos internacionais de promoção da Cultura, dos valores, das marcas (cada país tem uma marca). Isso parece evidente e por isso também parece triste ver o Primeiro-ministro promover Portugal na Líbia e na Venezuela.
Acho que tem de haver, não só na direcção da internacionalização, mas na actividade normal dos organismos ligados ao Ministério da Cultura, uma ligação permanente como ao Ministério do Turismo e até com organismos de obras públicas. Isto pode parecer um bocadinho absurdo e eu vou citar isto porque quando vi estes números fiquei assustadíssimo: 70% do orçamento do Ministério da Cultura vai para conservação do património. É preciso ver, por exemplo, quem é que está mais bem preparado para lançar empreitadas para custos de obras, é o Ministério da Cultura? Não, mas é o Ministério da Cultura que tem essa responsabilidade, no caso do património. É preciso repensar muito essas relações entre os vários sectores do Governo e da governação, racionalmente essa intervenção tem de ser também preparada.
O António disse uma coisa que me é particularmente cara, que tem a ver um com o nosso lugar no Mundo. Se há uma característica portuguesa quando encontramos alguma coisa em que somos bons, é que acabamos por pensar que somos os melhores. É fatal! E essa dimensão muito provinciana destrói completamente o nosso trabalho. Temos um barroco português absolutamente fantástico, mas nós passeamos em Florença, passeamos em Espanha, passeamos em Veneza e caímos para o lado. Temos de nos situar e redescobrir a nossa relação em múltiplas plataformas porque não somos objectos únicos, provavelmente a marca Portugal é frutos dessas mesmas plataformas.
Em relação à questão colocada pelo Ricardo, eu acho que limitar a nossa vida a Saramago e banda desenhada é um pesadelo. O Estado não tem de promover um gosto, uma linha editorial ou uma determinada facção ou gosto, mas sim permitir o acesso, faz parte da sua função arbitral.
Sobre o Porto, eu tenho uma relação ambivalente com essa matéria. Eu compreendo um pouco essa afirmação de que enquanto houver gente pobre e a passar fome nós não podemos desenvolver a bibliotecas, mas acho mal porque é preciso fazer as coisas em simultâneo.
Aquilo que eu acho em relação ao Porto é que houve um período em que a formação de uma rede clientelar no domínio da Cultura foi francamente assustadora e em resultado disso há um défice de atenção aos criadores culturais e aos profissionais que têm, em bom brasileiro, de se virar de alguma maneira e têm de encontrar soluções. Talvez seja necessário procurar um ponto de equilíbrio, mas Ricardo, não acredito nesse argumento de que enquanto houver gente com fome, nós não vamos apoiar a música. Não, isso não…
Dr.António Pinto Ribeiro
Eu tenho uma solução: é reduzir o número de corridas de automóveis.
Dr.Francisco José Viegas
Também é verdade! Ou diminuir o apoio da Câmara do Porto à Rádio Festival.
Duarte Marques
Muito obrigado, vamos agora para o terceiro bloco de perguntas. Em nome do Grupo Cinza vai falar o Nuno Firmo e em nome do Grupo Roxo, a Joana Felícia.
Nuno Miguel Mendes Firmo
Boa tarde. Em primeiro lugar, o Grupo Cinzento pretende agradecer a presença do actual painel de oradores e em nome do grupo, venho fazer a pergunta relacionada com a Cultura.
Nos dias de hoje o modelo de educação presente nas nossas escolas não dá grande preponderância às Humanidades, Artes e Cultura visto que o investimento nestas áreas faz com que não seja rentável ao Estado educar os jovens, fazendo com que o pensamento crítico destes possa estar em risco. Assim pergunto-vos se não será melhor passar a investir nestas áreas através do Ministério da Cultura no contexto educacional, no sentido de suprimir quebras financeiras ou a falta de retorno financeiro que estas actividades podem acarretar enquanto se encontram sob a alçada do Ministério da Educação?
Obrigado.
Joana Felícia Baptista
Falo-vos em nome do Grupo Roxo e da nossa vontade de mudar, toda a gente fala em querer mudar, toda a gente fala que temos de mudar para moldar mentalidades e é para isso que nós e o Governo actual defendemos que se deve começar nas escolas. Da mesma forma que falamos da relação entre Economia e Finanças ou entre Segurança e Justiça, vimos com este debate que também devemos falar da relação entre Educação e Cultura.
Como jovens que devem passar uma mensagem, pergunto se nós podemos passar a mensagem às pessoas que Cultura é Educação, que uma depende da outra. Penso que se não apostarmos nesta ideia, não estamos a contribuir para uma mudança, não estamos a contribuir para o desenvolvimento.
Obrigada.
PALMAS
Dr.Francisco José Viegas
Vocês trocaram: o Nuno estava vestido de roxo a representar o Grupo Cinza e a Joana estava de branco a representar o Grupo Roxo.
RISOS
Nuno, eu não compreendi.
RISOS
Nuno Miguel Mendes Firmo
Posso?
A pergunta é a seguinte: visto que o Ministério da Educação corta no apoio às Humanidades, Arte, Cultura e no sentido de incentivar o pensamento crítico e o desenvolvimento do sentido argumentativo dos jovens, não seria melhor investirmos através do Ministério da Cultura nestes pontos ao invés de estarmos a gastar elevadas quantias em grandes obras públicas de arte?
Dr.Francisco José Viegas
Ah! As duas questões estão ligadas e a questão que a Joana colocou está por sua vez ligada à concepção do papel do Ministério da Educação e aos tipos de relações entre a Educação e a Cultura.
Desde há uns tempos que não existe Ministério da Educação em Portugal, existe uma coisa chamada Ministério das Escolas e que trata fundamentalmente de questões sindicais, de negociações para a progressão na carreira, sobre o estatuto da carreira docente ou o estatuto do aluno. Não existe uma reflexão, que deve ser dirigida pelo Ministério da Educação, sobre o que é e para onde vai o Ensino e com que deve a Escola preocupar-se daqui a 10 anos.
Não se deve preocupar com questões meramente profissionais porque sabemos que a relação directa entre Ensino e saídas profissionais acabou. O tempo mostrou-nos isso porque é o mesmo que dizer que um escritor só é escritor se frequentar um curso de Teorias da Literatura. Acho que se faz a pior coisa imaginável a um escritor quando este é obrigado a frequentar um curso de Teoria da Literatura e, enquanto homem da Teoria da Literatura, é obrigado a escrever um soneto. São coisas completamente diferentes e temos de ter cuidado com a tentativa de estabelecer uma relação especular de causa/consequência.
Sabe quantos livros de autores portugueses se retiraram do ensino da Língua Portuguesa nos últimos 20 anos? Foram 41 livros que se deixaram de se estudar e de se ler! É evidente que a situação não é absolutamente escandalosa porque em 1992, na altura era director da revista Ler, fizemos um estudo sobre os hábitos de leitura dos alunos de 12º ano. Chegamos à conclusão que 82% dos alunos de 12º ano não tinha lido Os Maias que era de leitura obrigatória. A questão está em mudar o Ensino, mas está também em recuperar essa vocação humanística do Ensino, deixar de considerar a componente humanística como um desperdício absoluto e recuperar o ensino artístico que pode não ser administrado na escola, mas que pode ser administrado em colaboração com a escola.
Conheço duas crianças que vivem em Inglaterra, que têm 6 ou 7 anos e ao fim do dia é a própria Câmara do local que em colaboração com a escola, ministra aulas de violoncelo. É preciso abrir essas perspectivas em Portugal.
A Joana falou muito de mudar, parece-me que é uma palavra que felizmente desde há uns tempos está escrita no gene do PSD. Eu, em vez de grandes conversas sobre mudança, mudança de mentalidades, a necessidade de mudar mentalidades, preferia falar de coisas concretas a fazer na escola e no ensino.
Por exemplo, o António falou de um aspecto que me parece importante que é o valor global de apoio às artes concedido no ano passado. Uma das coisas que é urgente fazer nesse domínio é aplicar um princípio de transparência nas contas do Ministério da Cultura. Devem ser publicadas na internet todas as contas e todos os apoios atribuídos. Por exemplo, o governo inglês anunciou há um mês que todos os projectos de valor superior a 25 mil libras passam imediatamente para a internet, mas não só o valor atribuído como também a execução orçamental. A execução orçamental do Ministério da Cultura neste ano está a 80%, ainda há dinheiro por aplicar. Não está a ser executado! Nós temos de acompanhar estas coisas, tem de haver mais transparência e preferia começar com coisas simples e práticas do que com grandes conversas sobre mentalidades.
Dr.António Pinto Ribeiro
Eu acho que as duas perguntas do Nuno e da Joana vão no mesmo sentido e por isso vou tentar responder fazendo uma síntese.
Eu acho que transferir as responsabilidades do Ministério da Educação para o Ministério da Cultura é transferir os problemas, não vejo que seja por aí que a situação se possa resolver. Eu acho que é um problema de reorganização dos ministérios e é um problema que não vem de agora. Os ministérios foram configurados segundo uma estrutura do pós-guerra e ainda hoje existem e não são de todo exequíveis. Hoje é tudo muito mais interministerial, as fronteiras são mínimas e portanto implicava uma reforma profunda na administração pública. O Francisco alertou para um facto importante porque tanto quanto eu sei, a taxa de execução do Ministério, como noutros ministérios, nunca correspondeu ao orçamento, ou seja, ficou sempre aquém, razão pela qual os governos foram cortando porque se não se gasta porque é preciso dar mais?
Isto não tem a ver só com organização, mas também com qualificação. Muitas pessoas que estão em ministérios e no Ministério da Cultura também, não têm a formação adequada. Há pessoas que têm o 4º de escolaridade que estão lá em cargos, vai se pôr essas pessoas na rua? Despedi-las? Não é um assunto fácil de resolver, mas o que é necessário é uma reorganização de ministérios e reorganizar o Ministério da Cultura em particular de forma a ter pessoas competentes, poliglotas e toda uma outra formação que seja capaz de responder. Isto é uma economia de dinheiro, de energia…
Dr.Francisco José Viegas
Um Ministério da Cultura culto!
Dr.António Pinto Ribeiro
Um Ministério da Cultura culto, exactamente!
Outro aspecto, que acho que tem a ver com isto e que me parece importante reflectir é a transferência de missão do Ministério da Cultura para uma maior acessibilidade dos cidadãos.
De há uns anos a esta parte, defendi num artigo uma coisa que era a subvenção dos públicos e não era uma figura de retórica, era uma coisa a sério. Se nós tomarmos a Cultura como uma forma de conhecimento ela é exactamente igual à Educação e seria uma hipótese a pensar e a estudar, subsidiar determinadas actividades que o cidadão executa ou porque compra um livro, vai ver um filme, vai a uma ópera. Acho que podia ser interessante reflectir de forma a tornar isto viável para além que tem uma compensação interessante, a compensação pelo IVA. Eu não tenho a visão metafísica da Cultura, tenho uma visão pragmática e este IVA que é pago reverte para o Estado e é uma fonte de receita. Isto é preferível a uma atitude muito demagógica e simplória das entradas gratuitas absolutamente condenáveis porque é não reconhecer que a actividade cultural e o trabalho intelectual precisa de esforços, despende energias e por isso deve ser pago e se não paga o público, pagam os contribuintes.
O Museu Berardo é de entrada gratuitas, mas somos nós todos que pagamos. Pode ser só 1 euro, 2 euros ou 3 euros, consoante a possibilidade que tenhamos de cobrar essas entradas, mas eu acho que devem ser pagas.
Esperamos que ainda se fale hoje da responsabilidade das autarquias, que eu acho que é um aspecto interessante.
Duarte Marques
Muito obrigado! De seguida, fará a pergunta em nome do Grupo Bege a Ana Filipa Ferreira e depois a Andreia Bernardo do Grupo Amarelo.
Ana Ferreira
Boa tarde a todos eem especial aos nossos convidados.
A questão que o Grupo Bege lhe coloca está relacionada com a afirmação que hoje aqui foi feita de que o mercado português é pequeno para a produção artística. Neste sentido, não acham que a Cultura pode ser utilizada como instrumento de integração social, apostando em zonas desfavorecidas. Lembrámo-nos do exemplo do Chapitô, em Lisboa que actua numa zona desfavorecida através do teatro circense. Acha que têm sido feitos esforços por parte dos agentes culturais?
Dr.António Pinto Ribeiro
Podia repetir a segunda parte, por favor?
Ana Ferreira
A segunda parte é se acha que a Cultura pode ser usada como instrumento de integração social e se acha que em Portugal têm havido esse esforço por parte dos agentes culturais. Obrigada.
PALMAS
Andreia Bernardo
Queria agradecer desde já à mesa e aos convidados.
Uma coisa muito importante que o Grupo Amarelo acha é que a Cultura é um estímulo que contribui para a inteligência e desenvolvimento do conhecimento global. É uma coisa que deve começar desde criança, ir a museus, a teatros, pois é um hábito que tem de se ganhar. Por isso, devemos promover a Cultura e não ser só para as elites pois é essencial para a sociedade e para as nossas vidas.
É óptimo que, já que muitas vezes a população está tão virada para a televisão e passa dias e horas a ver televisão, haver um programa, como já existe, virado para a cultura. Esses programas são óptimos, mas são todos a partir da meia-noite, uma da manhã, duas da manhã e a maioria da população está a dormir. O que é isto? É promover a Cultura, é promover os programas para as pessoas que dormem? Não será bom existir talvez uma quota ou um tempo dedicado à Cultura em horário nobre para que toda a população que anda tão viciada em televisão tenha a oportunidade naquele momento de olhar para a televisão e sim, ganhar um incentivo para a Cultura?
Obrigado.
PALMAS
Dr.António Pinto Ribeiro
Filipa, acho que há uma pequena nuance na sua pergunta que era importante rever. O problema de Portugal não é em termos de mercado ou de produção, mas de difusão. Digamos que não é a escala em que os portugueses produzem porque ela é adequada e pode ser ainda mais interessante, a forma de distribuir a criação é que fica aquém por ser muito pequena.
Em relação à mediação cultural, há uma componente na actividade cultural que pode ser mediadora. É um debate muito fascinante sobre os efeitos e as maravilhas que a mediação cultural pode ou não executar. O caso que você focou do Chapitô parece-me um bom exemplo e existem outros. Aliás, em Portugal, sem estar a defender nenhuma esfera privada, mas parece-me que algumas fundações têm feito um trabalho meritório. Agora, a actividade cultural não se pode esgotar toda ela na mediação cultural.
Um outro aspecto tem a ver com não poder confiar exageradamente na Cultura como salvação da Humanidade. Sou eu que o estou a dizer, alguém que trabalha nesta área desde sempre. É importante, mas é sobretudo importante que as pessoas tenham acesso e que depois decidam.
Isto serve para fazer a ponta para a segunda parte, a pergunta da Andreia Bernardo. É importante que todos os meninos e meninas e as criancinhas e os bebés, todos eles vão aos museus e tenham educação artística, para a qual eu digo que em Portugal, neste momento, estamos suficientemente avançados. Creio que a educação pedagógica, naquilo que são as instituições alternativas, os museus e centros culturais, é boa de uma forma geral e com exemplos até bastante interessantes. No entanto, deve ser visto numa lógica de usufruto das crianças e não numa lógica de fazer uma visita guiada a esta criancinha para que daqui a 20 anos possam ser potenciais clientes.
Os ingleses, que são os mais eficazes a tratar e estudar este assunto, não confirmam que o facto de uma criança ir a um museu a vai tornar em potencial cliente de museus o resto da vida. Que não sirva de pretexto para acabar com a educação pedagógica e a alternativa informal que os museus têm, ou seja, interessante é que as crianças e os adolescentes possam usufruir nessa altura da sua vida, dos museus e dos concertos.
É um caso particular e peculiar, mas é interessante perceber como é tão difícil encontrar actividades educativas para adolescentes. É mais fácil você encontrar actividades para crianças ou bebés do que para adolescentes, porque é muito mais difícil criá-las pela sua complexidade, exigem um outro tipo de trabalhos e um maior investimento. É um target onde temos de fazer um trabalho de educação artística nestas instituições, quer para os adolescentes, quer para a 3ª idade ou seniores, onde também rareia a oferta. Constitui também uma oportunidade de ocupação de tempos livres e aprendizagem ao longo da vida.
Dr.Francisco José Viegas
A Ana Filipa Ferreira falou da integração social através da Cultura. Existem evidentemente experiências muito interessantes nessa área, nos bairros problemáticos, nas escolas e um pouco em todo o lado, mas eu não gostaria que saísse daqui hoje uma imagem muito totalitária da vida, muito comandada pelos destinos da Cultura, pelas inquietações em redor da Cultura. É como se pensássemos que saio daqui e vou a uma exposição, depois vou acabar de ler um romance, preenchendo a minha vida com cinquenta coisas que têm a ver com a minha integração na Cultura, nada disso!
O António disse que a Cultura não salva a Humanidade, naturalmente que não e não só não salva a Humanidade como não traz a felicidade.
Dr.António Pinto Ribeiro
Entrámos num terreno muito perigoso.
Dr.Francisco José Viegas
Muito perigoso!
Todos nós conhecemos pessoas muito más que leram obras fantásticas e que gostavam de música absolutamente celestial. Vamos ter um bocadinho de compaixão pela própria Cultura.
Em segundo lugar, a Andreia tocou numa outra questão que tem a ver com as grelhas de televisão. Eu tinha um programa de livros da RTP2 chamado Ler para Crer e eu comecei a fazê-lo por volta da meia-noite. O programa tinha uma audiência limitada, como é evidente, tínhamos 15 a 17 mil espectadores e não era nada mau para um programa de livros. Ao fim de uns meses de emissão eu perguntei se podíamos pôr o programa um bocadinho mais cedo porque se fosse mais cedo, haveria mais gente a ver e numa atitude de grande generosidade, o director de programas passou a emissão para as 22 horas. Pensei que agora é que ia ser uma estrela da televisão, mas o programa passou para as 22 horas e baixou de audiência.
RISOS
Foi exactamente assim, baixou! Nós acabamos por voltar de novo para as 23:30, encontrando ali um compromisso e estabilizou na mesma audiência. Às vezes, em questões de medições de audiências, o horário nobre é horário nobre e não há nada a fazer. Podemos falar um bocadinho sobre isso, mas aí não há muito a fazer. O horário dessas emissões em todo o lado é a essa hora. Em França, o “Apostrophe” era um programa do Bernard Pivot, uma inspiração para toda a gente que fez programas de livros em todo o Mundo e houve um período em que passava muito cedo, depois acabou por ser posto às 23:00 ou 23:30 e acabou por ser mais tarde. Também um programa da Sky era às 10 horas da manhã de Sábado, portanto, depende muito dos públicos e provavelmente o público da Cultura é mais noctívago.
Por exemplo, qual é o melhor dia para pôr um programa no ar? Eu disse com aquela ingenuidade que talvez pudesse ser à quinta-feira, a meio da semana e alguém me disse que nesse dia não porque é o dia em que toda a gente sai à noite. E eu que pensava que era à sexta-feira porque sábado não se trabalha, afinal percebi que eu era a única pessoa que chegava sexta-feira a horas ao trabalho. Por isso, esses critérios às vezes são muito falíveis e esta é uma experiência absolutamente pessoal: o programa era à meia-noite, tinha 17 mil e passou para as 22:00 e andava nos 8 ou 9 mil.
Dr.António Pinto Ribeiro
Eu esqueci-me de responder à pergunta sobre a televisão e vou ser breve.
De facto, acho que em relação às televisões que são da responsabilidade do Estado, elas deviam ter outro tipo de programação que não se tem de se coadunar com as outras televisões generalistas, por isso é que elas são do Estado. Devia haver uma intervenção, não para tornar uma televisão que só tenha programas do Francisco todos os dias entre as 8 horas e as 9 horas…
Dr.Francisco José Viegas
Isso é assustador! A essa hora eu quero é ver futebol.
RISOS
Dr.António Pinto Ribeiro
Para tornar a televisão mais culta, o processo demora tempo. O tempo cultural é mais lento e não se coaduna com estas “audimetrias” que são feitas ao segundo. Ou há uma disponibilidade do Estado e dos governos para dar tempo para que isso aconteça…
Seria interessante que a televisão fosse do Ministério da Cultura. Já foi, já deixou de ser…
Dr.Francisco José Viegas
Olha que um Ministro da Cultura já caiu por causa disso…
Dr.António Pinto Ribeiro
Eu sei, mas eu acho que podia ser como é noutros países.
Um último apontamento, a Direita em Portugal tem tendência a defender a ideia do utilizador-pagador e ao mesmo tempo, a Direita mais culta pergunta porque é que a televisão pública não tem programas de Cultura às 20:00, que não são necessariamente de grandes audiências. É um paradoxo interessante que vale a pena…
Dr.Francisco José Viegas
Mas isso tem a ver com a existência da RTP. A RTP é um factor perverso nos meios de comunicação porque se analisarmos a grelha da RTP1, nada a distingue da grelha da TVI ou da SIC. Quando são televisões generalista, são-no e pronto. É uma pena e de facto podemos desligar, como foi falado há pouco, mas ela está ali a transmitir exactamente a mesma coisa.
Eu penso que o futuro da RTP tem de ser pensado como está a ser feito em Inglaterra. Em Inglaterra há uma discussão muito grande sobre a BBC e sobre os mitos da BBC, sobre o mito da televisão pública em geral. Acompanhar esse debate sobre a BBC seria muito útil, quer para os políticos, quer para as pessoas da televisão em geral.
Por outro lado, a RTP2 que deveria ser a televisão pública por excelência e não a televisão dos guetos, a televisão da Cultura. Tem de ser uma televisão culta, tem de olhar o Mundo de outra maneira.
Duarte Marques
Filipa Teixeira do Grupo Rosa e de seguida, Ana Rita Vasconcelos do Grupo Verde.
Filipa Alexandra Teixeira
Boa tarde a toda a gente, em especial aos oradores. Da parte do Grupo Rosa, gostaria de perguntar a seguinte questão.
Muitas vezes se afirma que a Cultura é um luxo, no entanto, vários estudos indicam que o acesso à Cultura ajuda a prevenir a criminalidade e fomenta a consciência cívica e social. Neste contexto, consideram que o Estado devia intervir nas camadas mais jovens da população no sentido de fomentar o interesse pela Cultura?
Ana Rita Vasconcelos
Boa tarde a todos os presentes e essencialmente aos dois oradores convidados. A questão do Grupo Verde é a seguinte:
Face à crise económica e social, será correcto esperar que empresas privadas invistam mais em Cultura que o próprio Estado? Não será, no entanto, esta medida uma forma de apropriação da Cultura pelo Mercado, integrando-a numa lógica meramente comercial, perdendo-se assim os valores, História e identidade dos portugueses? Obrigada.
Dr.Francisco José Viegas
Obrigado.
Filipa, eu acho que o Estado já tem instrumentos suficientes para fazer isso, através da Escola, da Rede Museus e há em Portugal programação cultural especificamente dirigida aos mais jovens, embora eu tenha muitas dúvidas sobre isso.
Eu acho que o Estado também devia intervir junto dos mais jovens para que eles aprendessem Matemática, Biologia, para que se portassem bem, para que dormissem mais, comessem mais vegetais, isso é função do Estado! Quando pensamos que o Estado vai ensinar idealismo alemão às crianças, por exemplo, tenho muitas dúvidas sobre esse dirigismo. O Estado deve disponibilizar instrumentos, meios e mecanismos, mas tenho muitas dúvidas se a Cultura de Estado fará bem às pessoas. Basta as coisas estarem disponíveis, basta haver acesso, basta haver um autocarro directo para as pessoas irem ao Museu da Etnologia. Basta haver um autocarro para as pessoas cheguem à Torre de Belém, mesmo lá ao pé. Isso é bom que o estado o faça, mas mais do que isto é aborrecido.
Em relação à Ana Rita, queria saudá-la porque é de Vila Pouca de Aguiar, somos quase vizinhos porque eu vivi em Chaves muitos anos e ainda por cima, o meu grande professor de latim e grego era de Vila Pouca de Aguiar, o Padre Gil que foi Presidente da Câmara de Vila Pouca de Aguiar.
A sua questão sobre o mercado e sobre a disputa do mercado cultural pelo Mercado e pelo Estado, tem muito a ver com tudo isto que temos vindo a falar. Qual a área de intervenção do Ministério da Cultura, qual a relação que os vários departamentos, ministérios e sensibilidades têm com a Cultura e qual o papel dos cidadãos. Aí podem haver situações de conflito, por exemplo, temos uma pegada de dinossauro em Carenque, o Estado pagou na altura 2 milhões de contos para construir o viaduto e alterar a passagem da A8 por aquela zona. As pessoas perguntam porque é que o Estado ia gastar esse dinheiro ali. Por um lado, era possível tirar a pegada do dinossauro, leva-la para 200 metros ao lado e construir um centro de observação de dinossauros. A outra seria perguntar aos cidadãos se estavam disponíveis para contribuir, se acham que vale a pena, se estão de acordo com este gasto, se estão dispostos a gastar do seu bolso para isto, mas esta é uma questão muito complexa.
Por exemplo, as gravuras de Foz Côa, eu sou de lá, mas não fui eu que fiz.
[RISOS]
Era importante saber se os cidadãos estão na disposição de suportar esse custo ou não, sendo que os cidadãos também devem estar na disposição de exigir que o Estado cumpra essa obrigação se acharem que a obrigação do Estado é preservar as gravuras. Estas discussões têm de ser mais abertas, menos moralistas e devemos acompanhar mais estes debates.
Dr.António Pinto Ribeiro
Filipa, também acho que o Estado já tem esses mecanismos para estimular os adolescentes a irem aos espectáculos e a lerem livros e não vejo que haja maior necessidade. Acho que, como diz o Francisco, o Estado deve facilitar o acesso sem estar sempre a dizer que devo ler isto ou aquilo, sendo que há instâncias onde pode haver uma direcção mais programática, mas do ponto de vista de mecanismos, já há mais do que suficientes.
Em relação à pergunta da Ana, eu gostava de saber que empresas privadas investem mais do que o Estado…
Ana Rita Vasconcelos
Eu não disse que investiam mais do que o Estado, eu disse que se será correcto pensar que empresas privadas devem investir mais do que o Estado, uma vez que estamos em tempo de crise e se calhar é mais notado no Estado que no sector privado.
Dr.António Pinto Ribeiro
Uma das críticas que se faz à nossa Lei do Mecenato é que ela fica aquém das possibilidades que facilitam um maior investimento das empresas privadas em actividades culturais e porque também coloca o Estado a competir em situação favorável em relação a grupos que não são do Estado. Acho que aí, o que há a fazer é rever a Lei do Mecenato para a tornar mais estimulante, mas duvido que haja empresas a investir no Estado se este tem défice, duvido mesmo que hajam muitas empresas em Portugal a investir na Cultura.
Nós temos um caso interessante de estudo, a Fundação de Serralves, um caso de sucesso, mas algo mistificado porque 60% do orçamento da Fundação Serralves é do Estado. Portanto, não foram só as empresas e mecenas locais que fizeram um trabalho notável, não vamos mistificar isso apesar de ser interessante. Não é a sociedade civil a pagar Serralves, é o Estado maioritariamente. E bem, do meu ponto de vista.
Não se falou, mas acho que se deve falar na cautela necessária para não se transformarem políticas culturais em “políticas de gosto”. Isso acontece muito em algumas autarquias. Já outras autarquias têm feito um trabalho notável no desenvolvimento cultural. Na maioria das autarquias com sucesso em actividades culturais elas suplantam largamente o Orçamento de Estado, a percentagem para a Cultura anda à volta dos 5% dos seus orçamentos autárquicos, mas há situações de “políticas de gosto” absolutamente criticáveis. Quer na Cultura ou em qualquer outra área.
De algum modo isto tem a ver com a falta de debate na sociedade portuguesa, há falta de discussão, limitamo-nos a dizer se gostamos ou não gostamos quando o gostar ou não gostar é apenas uma espécie de bilhete de identidade de cada um de nós porque os nossos gostos são a nossa identidade.
As pessoas não conversam com os amigos quando acabam de ver um filme. Quem o faz pertence a uma nata. Isso é fruto de uma educação que não estimula muito. Isto para dizer que tenho alguma reserva sobre alguns referendos acerca da passagem dos dinossauros em Portugal.
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado. Terminamos as perguntas obrigatórias. Antes de entrarmos nas perguntas livres, peço desculpa ao Prof. Pinto Ribeiro e ao Dr. Francisco José Viegas, devia ter-vos dito no inicio que o nosso debate está a ser transmitido na Internet, não em canal aberto mas em canal fechado, e apenas para os ex-participantes nas Universidades de Verão. Todos aqueles que passaram aqui noutros anos tiveram acesso a um código que lhes permite assistir em direito a este debate e participar.
Não podemos dar a palavra a todos sem manifestamente prejudicar os que cá estão, mas seleccionamos duas perguntas de dois antigos alunos da Universidade de Verão que vão abrir assim a parte das perguntas livres. As duas perguntas são as seguintes:
Dep.Carlos Coelho
José Pedro Salgado – Acham que existe um dever de intervenção pública do Estado para manter vivas referências culturais importantes, mas pouco populares? Ou seja, se um dia Os Lusíadas se tornarem pouco populares, o Estado deve investir fundos públicos numa obra que a maioria considera irrelevante? Se sim, quem diz o que é relevante ou o que é irrelevante?
Rita Cipriano – Foi criada uma secção para a tauromaquia no Ministério da Cultura, gostaria de saber a opinião dos oradores sobre este assunto.
Dr.António Pinto Ribeiro
Em relação à primeira pergunta do José Pedro, acho que o Estado pode e deve intervir na salvaguarda daquilo que é a memória colectiva. Para além d’Os Lusíadas, do Gil Vicente ou do Garrett, há também um conjunto de filmes do princípio do século, um conjunto de panfletos, literatura de cordel que deve ser preservada, graffitis que devem ser preservados e, naturalmente, o Estado deve intervir.
Quem o fará? Neste momento, apesar de tudo, estamos numa sociedade madura e há um conjunto de técnicos que sabem olhar para isto. Independentemente daquilo que é momentaneamente reconhecido como património sem grande debate, há técnicos de literatura, de cinema, etc, um conjunto de pessoas capazes de se pronunciar sobre isso. O argumento e o debate são a questão central das decisões e temos fóruns adequados onde podem acontecer.
Em relação à criação da secção de tauromaquia, não foi bem uma criação, foi um upgrade. As touradas já faziam parte do Ministério da Cultura, eram controladas pela Direcção Geral de Espectáculos, em que uns senhores vêem se determinada arena tem condições de higiene para que a tourada se execute. Eu acho que deveria estar no Turismo, mas está no Ministério da Cultura.
Tive oportunidade de dizer ao Sr. Ministro que acho péssima a ideia de ter feito este upgrade, que erro desastroso para a classificar como uma arte. Acho incorrecto, acho que não se faz e que não há nenhum argumento que faz passar uma prática completamente bárbara à condição de actividade nobre.
Dr.Francisco José Viegas
Em relação a’Os Lusíadas, e casos similares, sigo ponto por ponto a exposição do António Pinto Ribeiro. É fundamental conservar a memória, não tenho dúvidas sobre isso, tal como à tourada ou corridas, para não ferir a susceptibilidade dos aficionados porque os respeito bastante. Fui a algumas, mas não percebi e por isso tenho muita curiosidade.
Conheci um editor, o filho do Gabriel Garcia Marques, que tem uma editora no México e era uma editora que tinha prejuízos enorme até que ele descobriu que a maneira de salvar a editora era publicar livros sobre tauromaquia. A editora enriqueceu e ele fugiu imediatamente do México depois de salvar a editora. Por isso tenho uma relação muito estranha com a tauromaquia porque eu comprava o ABC ao sábado por causa do suplemento cultural, mas sobretudo pelas crónicas tauromáquicas do jornal.
Resolvidos esses assuntos, deixem-me só mencionar um aspecto que há pouco foi focado a propósito do mecenato. Era bom alterar a Lei do Mecenato, torn-la muito mais flexível, muito mais agradável, muito mais apelativa para os empresários. Gostava de chamar a atenção que não se pode confundir a Lei do Mecenato com a sponsorização, os patrocínios atribuídos aos eventos. Não tem nada a ver. Uma coisa são estratégias de marketing das empresas, outra coisa é a Lei do Mecenato.
Em relação à “política de gosto”, é muito preocupante e foi referido pelo António, e eu também já tinha referido antes a propósito deste financiamento superlativamente ilegal a determinadas artes por parte das autarquias.
Gostava de chamar a atenção para uma coisa que vem da nossa memória, da memória dos anos 50 e anos 60. Se nós hoje quisermos estudar Camilo Castelo Branco temos de ir necessariamente à biblioteca de Vila Nova de Famalicão onde existe um fundo camiliano fundamental que foi oferta do Sr. Cupertino de Miranda, um industrial daquela zona que emigrou para o Brasil pobre, tendo depois voltado e construiu escolas, estradas, chafarizes e bibliotecas. Como ele, existiram muitas pessoas deste género e estamos a falar de algo que se ouve falar noutros países, que é a responsabilidade social da riqueza. Os ricos em Portugal andam tolos e vemos agora os famosos - esta expressão está completamente desajustada – em todo o género de eventos, mas não os vemos em nada que tenha a ver com a literatura, com a Cultura, com o teatro, com a ópera.
É uma coisa muito triste, ver que o Sr. Cupertino de Miranda oferecia bibliotecas e escolas e hoje isso não acontece com os nossos ricos.
O exemplo de Paraty, no Brasil, é fundamental. Vocês já ouviram falar no FLIP – Festiva Literatura Internacional de Paraty? Sabem porque é que funciona? Não funciona porque tenha muito dinheiro do Estado, funciona porque os ricos e famosos estão lá na primeira fila. Se vocês forem a Paraty, encontram na primeira fila os actores de novela, aqueles que em Portugal vão aos lançamentos de telemóveis ou de carros mas não vão a nada que tenha a ver com livros, com cinema ou teatro. Isto não é um lamento, é uma constatação. Vocês vêem o presidente do Banco Itaú e o presidente do Banco Safra na primeira fila, os accionistas privados da Petrobras, estou-me a lembrar de alguns que conheci lá, que não sabia quem eram e que estavam a discutir teatro, a discutir literatura portuguesa, literatura brasileira, literatura africana. Estavam lá! Porquê? Construiu-se um star system à volta da Cultura, das questões culturais, mas sobretudo à volta do usufruto, do uso e gozo da Cultura.
Duarte Marques
Muito Obrigado. Vamos agora às perguntas livres organizadas em grupos de dois e eu chamava a vossa atenção para fazerem só mesmo uma pergunta para dar mais tempo aos colegas de fazerem perguntas também. Ninguém vai levar a mal na mesa se não forem cumprimentados devidamente e com todas as honras.
A Sofia Manso e logo de seguida, o Diogo Rodrigues.
Sofia Manso
Boa tarde a todos. Tenho duas questões que se completam. Em primeiro lugar, por que razão quando se tem um Programa de Governo se fala em Cultura de Direita e em Cultura de Esquerda? Por exemplo, vi uma entrevista feita à Ministra da Cultura e perguntavam-lhe precisamente sobre essa distinção. A outra questão que se prende com a actualidade, com a ausência de fundos para a Cultura e com os cortes orçamentais que sido visto, porque é que vemos fatias tão grandes entregues a casinos? Perdemos um investimento numa Cultura para instituições que se auto-financiam por si só. Obrigada.
Diogo Rodrigues
Boa tarde a todos. Passando já à pergunta, praticamente semanalmente a indústria do Cinema e da Música se queixa dos downloads ilegais. Apesar disso, não acham que graças à pirataria muito mais gente de acesso à Cultura, Cultura essa que provavelmente não era assimilada graças aos elevados custos que tem. Não seria, por exemplo, mais interessante baixar os custos dos CD’s, DVD’s?
E em jeito de provocação, mais para brincadeira, não acham que devia haver mais variedade no cinema português? Porque é que todos os filmes têm de ter a Soraia Chaves e acabar sempre da mesma forma? Obrigado.
PALMAS
Dr.Francisco José Viegas
Não compreendo a noção de Cultura de Direita e Cultura de Esquerda, a não ser nessa associação em que eu usei, ou seja, há uma tradição de Esquerda na ligação à Cultura e há uma certa timidez da Direita a lidar com a Cultura, isso parece-me que existe. Irrita-me sempre que aparece alguém a dizer que a Cultura é de Esquerda. É bem feito para a Direita! Falem mais, debatam mais, tenha coragem, sejam mais atrevidos e, porque não, estudem mais e preocupem-se mais. De qualquer modo, é uma questão sem muito sentido, apesar de fazer muito bem em levantar esse problema.
Sobre os downloads ilegais, acho que é uma questão central hoje na vida cultural e social. Sou autor e como autor estou muito preocupado com isso porque, por um lado, cada download que se faz é ilegal, é uma violação do Código de Direito de Autor e um desrespeito pelos próprios autores. Esse é um problema que deveria preocupar muito mais as autoridades. Eu não sou especialista na matéria tecnológica propriamente dita, mas é um assunto que nos deveria preocupar muito mais.
Disse que a pirataria até ajudou, de alguma maneira, na divulgação…
Diogo Rodrigues
Sim, era isso, a pirataria contribuiu para a divulgação de filmes e músicas a que de uma outra forma não teríamos acesso ou não podíamos comprar.
Dr.Francisco José Viegas
Sabe que a grande questão que hoje se debate é o mal que isso pode causar nas chamadas indústrias culturais, nas redes de distribuição.
Há um debate em que eu participo com o maior gosto sobre os livros electrónicos porque é um assunto ao qual estou ligado por motivos profissionais. Quando nós falamos dos livros electrónicos ficamos eufóricos, vem aí uma nova revolução, o livro continua a ser aquele, o suporte é que é diferente. A questão é que no caso da edição já assistimos à morte das redes de distribuição de música, já assistimos à morte das lojas de discos, assistimos a essas más notícias e não aprendemos muito com isso. Acho que isso é um empobrecimento! Por exemplo, o desaparecimento da Tower Records, que era a maior loja de distribuição de discos dos Estados Unidos. Foi uma perda irreparável. Nós chegávamos a uma loja da Tower e pedíamos aquela canção de 1968 ou 1969, trauteávamos um bocado e o funcionário reconhecia imediatamente. Essa mediação que o próprio Mercado estabelece nas lojas desapareceu.
Em relação aos valores, acho que têm de ser discutidos ao nível da União Europeia, para haver uma legislação comum sobre pirataria, sobre os downloads ilegais. São um flagelo e importa discuti-los. Não sei o que se têm feito em Portugal nesse domínio, penso que pouco.
Dr.António Pinto Ribeiro
Sabe que a grande questão que hoje se debate é o mal que isso pode causar nas chamadas indústrias culturais, nas redes de distribuição.
Há um debate em que eu participo com o maior gosto sobre os livros electrónicos porque é um assunto ao qual estou ligado por motivos profissionais. Quando nós falamos dos livros electrónicos ficamos eufóricos, vem aí uma nova revolução, o livro continua a ser aquele, o suporte é que é diferente. A questão é que no caso da edição já assistimos à morte das redes de distribuição de música, já assistimos à morte das lojas de discos, assistimos a essas más notícias e não aprendemos muito com isso. Acho que isso é um empobrecimento! Por exemplo, o desaparecimento da Tower Records, que era a maior loja de distribuição de discos dos Estados Unidos. Foi uma perda irreparável. Nós chegávamos a uma loja da Tower e pedíamos aquela canção de 1968 ou 1969, trauteávamos um bocado e o funcionário reconhecia imediatamente. Essa mediação que o próprio Mercado estabelece nas lojas desapareceu.
Em relação aos valores, acho que têm de ser discutidos ao nível da União Europeia, para haver uma legislação comum sobre pirataria, sobre os downloads ilegais. São um flagelo e importa discuti-los. Não sei o que se têm feito em Portugal nesse domínio, penso que pouco.
Dr.Francisco José Viegas
O problema é que geralmente de outra forma nunca conseguiria.
Dr.António Pinto Ribeiro
Mas pode haver algumas surpresas também. A questão é diferente se for Cinema, Música, etc.
Acautele-se de uma coisa, ver um filme em DVD num ecrã de televisão não é ver um filme, é a mesma coisa que ver a Gioconda num calendário e pensar que estou a ver a Gioconda no Louvre. Tenhamos atenção a este aspecto, são coisas diferentes.
Há outro fenómeno que vem arrastado com isso que é a recuperação do valor do vinil, o vinil vale fortunas e as editoras estão já a promover o vinil.
Quanto a Cinema, o cinema português é muito diverso, ao contrário da sua opinião, acho que há uma enorme diversidade e provavelmente é fã da Soraia Chave e vê a Soraia Chaves em tudo quanto é sítio.
[RISOS]
Acho que uma das maiores riquezas do cinema português – e é um dos maiores cinemas europeus – é a sua diversidade.
Dr.Francisco José Viegas
Já agora, para entrarmos em debate, o António disse e muito bem que algumas das prestações à Direita do Ministério da Cultura foram desastrosas, eu reconheço que foram.
Tivemos o pior Secretário de Estado da Cultura, absolutamente de acordo. Tivemos a melhor, também estou de acordo. Mas a grande questão é que também à Esquerda não tivemos representações brilhantes e porquê? Justamente porque um dos pecados veniais da Esquerda é o dirigismo e a noção de que o Ministro da Cultura tem de ser um déspota iluminado e que tem de dirigir o gosto. Lembro que algumas das intervenções mais risíveis nos últimos tempos por parte de ministros da Cultura foram o trazer para cá tudo o que viam, por exemplo, a exposição do Hermitage, o Museu da Língua, o Museu da Viagem, uma série de coisa que a fazerem-se como estavam a ser preparadas, seria absolutamente desastroso.
O Museu da Língua é em São Paulo e foi um processo lentíssimo, demorou anos, foi dirigido por uma fundação privada com pouca participação do Estado. Aí o dirigismo da Esquerda foi muito preocupante…
Dr.António Pinto Ribeiro
É mais inócuo, apesar de tudo, do que os desastres.
Dr.Francisco José Viegas
Mas em relação aos desastres, uma coisa em que eu acho que o António tem inteira razão, nessa caricatura da Esquerda que beneficia mais a criação e os criadores porque isso traz benefícios clientelares e é uma clientela do Estado, do Ministério da Cultura, da Esquerda. Aliás, um dos fenómenos mais vibrantes da vida cultural da Esquerda portuguesa foi, vocês não se recordam, o célebre beija-mão do Ministério da Cultura ao Dr. Jorge Sampaio no Paço da Ajuda. A chover e estavam 1000 pessoas para apertar a mão ao Dr. Jorge Sampaio e eu achei que a pessoas não estavam lá a fazer nada, estavam só a apertar a mão! Era gente da Cultura que foi lá apertar a mão, uma coisa lamentável para a Cultura, não para o Dr. Jorge Sampaio.
Em segundo lugar, é verdade que a Direita tem insistido muito mais na questão do património. Ainda agora o Vasco Graça Moura diz que o fundamental para qualquer política cultural à Direita é a defensa do património cultural material e imaterial. Já é um avanço o Vasco ter falado no património imaterial.
A grande questão aqui é que a obsessão da Direita pelo património nunca teve realização. A Direita já esteve no Governo, já teve oportunidade de por em prática todas as suas ideias sobre património e não o fez porque não teve coragem. É preciso coragem para dizer que o Ministério da Cultura tem de tratar do património e nunca isso foi feito.
Dr.António Pinto Ribeiro
Só quero dizer uma coisa. Isto é uma caricatura mas as coisas depois alteraram-se. Alteraram com Tony Blair, com Sarkozy que insuspeitamente é um homem de Direita e que criou recentemente um conselho para as artes contemporâneas porque é algo que o preocupa, não só por razões clientelares, mas por outras razões mais complexas: se há museus, tem de haver peças para museus e se há colecções e tem de haver curadores.
Dr.Francisco José Viegas
Em França está a criar-se uma rede que antes não tinham, depois da geração Mitterrand.
Duarte Marques
Obrigado. A seguir é a Vilma e depois o Bento Aires.
Vilma Cunha Rocha
Boa tarde. O Estado português e o sector privado estão presos a uma visão limitada e fechada que os impede de ver a mina cultural que é o nosso país. O que poderá ser feito para que os próximos governos e a população em geral encarem a Cultura como um bem necessário, bem organizado e lucrativo?
Bento Aires
Boa tarde. Falaram há bocado de turismo do património e grande parte do património classificado é das câmaras municipais e dos privados, mas acaba por estar naquela jurisdição sagrada que é o IGESPAR que não permite aos privados e autarquias locais intervirem. Saindo agora da esfera economicista da questão, por onde é que devíamos ir? Dar liberdade aos privados e responsabilizá-los ou desburocratizar o sistema?
Dr.António Pinto Ribeiro
Em relação à primeira questão que põem, eu acho que teria sido bom para essas pessoas terem acompanhado esta Universidade de Verão e terem assistido a este debate. Pouco mais há a fazer do que continuar o debate, com a discussão e apresentação de propostas porque de outra forma não há receitas sem essas pessoas.
Em relação ao património, parte desse património privado é da Igreja e aí tem havido alguma evolução desde 1991. Acho que se deve simplificar, para que as coisas não demorem 10 anos ou 20 anos a serem aprovadas, os papéis andarem para cima e para baixo…
Bento Aires
E o IGESPAR já foi um avanço! Quando tínhamos a Direcção Geral e o IPAR ainda se complicava mais porque eles não se entendiam.
Dr.António Pinto Ribeiro
Acho que hoje está melhor, deve-se simplificar muito mais, mas há questões de natureza simbólica e de cuidados técnicos que é preciso acautelar. Uma das coisas porventura das mais interessantes feitas pelo anterior Ministro da Cultura foi o “Cheque Obra”, ou algo assim. Não funcionou muito bem, mas o conceito era muito bom, ou seja, que 1% do orçamento das obras públicas seja investido em Cultura. Houve logo um conjunto de empresas que se ofereceram para restaurar, mas não é possível porque não são técnicos de restauro. Tem de haver alguma cautela na defesa e conservação, da qual não tenho uma visão absolutamente unificada porque alguns lugares que são património devem ser utilizados com cultura contemporânea ou festas. Não tenho uma visão absolutamente arteriosclerótica deste património, mas deve haver cautelas no restauro e há pessoas que têm património e não sabem cuidar dele. Mas acho que tem toda a razão na simplificação de tudo isto para toda a gente, sobretudo para que os privados possam usufruir e valorizar o seu património.
Dr.Francisco José Viegas
O que é que os futuros governos podem fazer? Podem antes de mais, preparar-se, fazer os diagnósticos mais indicados à situação. Queria antes de mais levantar três questões que são fundamentais para qualquer futuro programa de acção governamental na área da Cultura.
Em primeiro lugar, tem de haver estabilidade institucional porque é impossível continuar com uma média de dois organogramas diferentes por Governo na área da Cultura. Agora temos o OPART, Companhia Nacional de São Carlos, Companhia Nacional de Bailado, etc e para haver relacionamento entre todos eles tem de haver estabilidade institucional, um desenho e dar tempo porque na Cultura as coisas demoram todas muito mais tempo.
A segunda exigência é estabilidade orçamental, o sistema de apoios estatal deve ser muito claro. E que a contratualização seja também muito clara, que as contrapartidas sejam muito claras e que haja transparência nesses apoios. Deve ser tudo publicado na internet para estar acessível. Nós devemos saber quanto é que determinada companhia de bailado recebeu, qual é o caderno de encargos.
E mais, deve ser definido um caderno de encargos muito preciso. Por exemplo, é absolutamente lamentável que algumas instituições, nomeadamente companhias de teatro, não se exponham ou não aceitem fazer itinerâncias. Por exemplo, em lembro-me quando era miúdo e vivia em Chaves, tínhamos todos os anos a Orquestra Sinfónica, duas vezes por ano. Não era muito, mas para nós que vivíamos em Chaves era fundamental. É fundamental essa descentralização.
Em terceiro lugar, é preciso haver estabilidade legal, da legislação e regulamentação aplicada aos quadros de financiamento, aos quadros de funcionamento e aos apoios a esse funcionamento.
Estas são as 3 condições fundamentais para qualquer programa de Cultura de um futuro governo.
Em relação à questão do IGESPAR, é preciso ter muito cuidado porque todos nós queremos que as coisas sejam desburocratizadas, mas a recuperação do património não é propriamente a recuperação de um imóvel no centro de Guimarães. Não é a mesma coisa e é preciso ter algum cuidado porque a desburocratização não pode implicar uma completa liberalização.
Dr.António Pinto Ribeiro
Voltando à questão da preparação dos próximos governo, recomendo vivamente que releiam o programa do PSD para as últimas eleições e que o revejam à luz do século XXI porque ao ler este programa é notório que as pessoas responsáveis pelo mesmo vivem no quadro mental anterior aos anos 70. Eu acho que a dificuldade de adequação do programa à realidade é enorme. A reflexão profunda sobre este programa e sobre aquilo que é suposto fazer, conservando a marca ideológica do vosso partido seria um contributo inestimável. E seria notável para todo o País se houvesse outra alternativa.
Dr.Francisco José Viegas
Podia ser um apêndice ao nosso debate sobre Cultura de Direita e Cultura de Esquerda, se nós quiséssemos seriamente pensar à Direita as questões da Cultura.
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado, chegamos ao final deste debate.
Eu queria agradecer ao Prof. Pinto Ribeiro e ao Dr. Francisco José Viegas o facto de terem ajudado a introduzir o tema da Cultura nesta Universidade de Verão. Vou acompanhar os nossos convidados à saída como de costumo e peço aos avaliadores para prosseguirem com os nossos trabalhos.
[PALMAS]
10.00 - Avaliação da UNIV 2010
12.00 - Sessão de Encerramento da UNIV
13.00 - Almoço com participantes de anteriores UNIVs