Dou as boas vindas ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que dispensa apresentações.
No seu Curriculum Vitae curtíssimo define-se como um optimista incorrigível. Tem como hobbie ler e nadar, como comida preferida o cozido à portuguesa, o animal preferido é o elefante (presume-se por causa da memória), o livro que sugere é “Portugal” de Miguel Torga, o filme que nos sugere é “Citizen Kane” e a qualidade que mais aprecia é o carácter.
Caro Professor, é sempre com imenso prazer que o recebemos na Universidade de Verão e é meu privilégio passar-lhe a palavra.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Muito obrigado.
Começo pelos cumprimentos, aqui os cumprimentos são muito sentidos.
Queria em primeiro lugar saudar a JSD na pessoa do seu Presidente. É com muito prazer que o vejo aqui e queria aproveitar para o cumprimentar pelos mandatos e pelas funções que exerceu e que prestigiaram a JSD e o PSD.
Ao elogiar a JSD, eu naturalmente estou a elogiar uma instituição, que me é muito querida, a cujo nascimento eu assisti e de que foi primeiro presidente um irmão meu, que depois, infelizmente, teve a péssima ideia de passar para o PS, mas isso são escolhas e gostos! Como sabem, nem todas as pessoas têm bom gosto.
(Risos)
O que é facto é que a JSD tem esta iniciativa e é uma iniciativa única. Não foi só pioneira, mas é a única nos seus termos. Existem outras chamadas "universidades de verão" que não o são, nada que se compare com isto e merece essa homenagem o papel da JSD que é fundamental quando se está na oposição, porque é um fermento de preparação de elaboração de ideias para o exercício do poder. Mas que também é muito importante quando se chega ao poder.
Eu, aliás, recordo que o actual líder do partido foi um grande líder da JSD no poder e é difícil ser-se líder da JSD no poder e num poder forte. Era então Primeiro-Ministro o actual Presidente da República (forte e bom para o País como nós recordamos).
E, finalmente, temos um elogio muito especial ao nosso caríssimo Carlos Coelho. O nosso Carlos Coelho é de facto uma figura notável, todos sabem. E os que não sabem andam distraídos na vida e, portanto, é bom que abram os olhos e percebam o que se passa à volta.
Temos um líder que, aliás, estou convicto que vai chegar a Primeiro- Ministro e aplica-se a ele aquilo que disse o Dr. Durão Barroso a certa altura “sabia que chegava, não sabia quando”.
Realmente é isso mesmo. Pode ser em 2011, 2012, 2013 mas chega e, portanto, aí eu não tenho dúvidas nenhumas.
Mas isto para dizer agora que já o afirmei (e estou à vontade para dizer também) que, se eu tivesse voltado a uma encarnação de líderança partidária ou tentado pelo menos, dependia do voto dos militantes, aqui o nosso Carlos Coelho era certamente das poucas pessoas que podia escolher entre ser Secretário-Geral ou Vice-Presidente do Partido.
Mas enfim... isto para dizer que o tenho numa alta cotação e acho-o de facto excepcionalmente bom em tudo o que faz e excepcionalmente bom ao fazer esta Universidade de Verão.
Ao tema que sempre me atribuem, que é um tema pesadote e doutrinário ou ideológico, acrescentei-lhe um toque de actualidade. Trata-se da "Social-democracia em tempo de crises", no plural porque são várias em Portugal. A crise mundial, o que resta já pouco da crise europeia e muito de crise nacional.
Eu tentarei ser rápido e, portanto, peço desculpa por aquilo que tanto aflige os meus alunos que me acusam de ser muito rápido.
Não vou falar da social-democracia no Mundo nem na Europa, nem na evolução histórica. Todos saberão que a social-democracia começou por ser marxista, na generalidade dos países (há excepções e falarei dessas excepções) e que houve um revisionismo que, a certa altura, distinguiu os Partidos Comunistas dos Partidos Sociais-democratas e que esse revisionismo significou opção pela via revolucionária ou pela via reformista e os sociais-democratas optaram pela via reformista no século XIX. Mas não é disso que vou falar, vou falar da social-democracia em Portugal.
Alguns apontamentos prévios. Vocês são muito novos e obviamente o que vos interessa é o futuro. Mas não é pior conhecerem um pouco do passado, porque este país explica-se no presente e no futuro, largamente em função do seu passado, no que tem de bom e no que tem de mau.
Portugal tem como elementos estratégicos positivos fundamentais: a língua, uma só língua, tirando o mirandês bem entendido, mas é uma língua circunscrita – muito simpática mas circunscrita; uma cultura homogénea; uma história também homogénea (uma homogeneidade cultural que depois se projectou no Mundo); uma vocação ecuménica, universalista e uma vocação de inclusão.
O português inclui a sociedade portuguesa? Inclui. É evidente que também há problemas de exclusão, mas há menos problemas de exclusão tradicionalmente na sociedade portuguesa do que noutras sociedades europeias.
Depois, há os aspectos menos positivos: um Estado que domina a sociedade civil. Fomos das primeiras monarquias absolutas da Europa e fomos das últimas a deixar também de o ser. O Salazarismo é no fundo uma monarquia absoluta pré-liberal. Foi mais do que um Fascismo contemporâneo e, portanto, temos séculos e séculos de domínio da sociedade civil pelo Estado. Não é uma coisa de hoje, é uma coisa secular.
Temos também um atraso educativo, que se acentuou na viragem do século XVIII para o século XIX. Nisso, o século XIX foi um século terrível para a sociedade portuguesa. Porque tivemos o atraso educativo; tivemos a necessidade – que foi excepcional para o Brasil e menos boa para Portugal - de a capital do Império se transferir para fora da capital do Império (foi o único império europeu ocidental que teve a sua capital fora da capital do Império); tivemos as invasões francesas; tivemos as invasões inglesas, mais simpáticas do que as francesas mas não menos presentes; tivemos uma Guerra Civil, entre liberais e miguelistas…
Tivemos, portanto, meio século, chamemos-lhe assim, perdido. Quando se perde meio século, não se anda para a frente mas sim para trás.
E, depois, a partir nas duas últimas décadas do século XIX, tivemos outra vez a pulverização política, o desajustamento entre um modelo importado de Inglaterra, artificial, e a realidade da economia e da sociedade portuguesa.
Em termos globais, atraso educativo, atraso económico (não fizemos a revolução industrial) e atraso social.
Para isso muito contribuiu o nosso início de século XX.
Houve a instabilidade da I República (em boa hora se comemora o Centenário) que, em aspectos fundamentais, acabou por ter grandes promessas que não concretizou por via dessa instabilidade interna e externa.
E houve depois uma longa ditadura, que entrou em crise após a II Grande Guerra, que acentuou essa crise com a campanha de Humberto Delgado em 1958.
Mais, tivemos nos anos 60 os seguintes fenómenos simultâneos paradoxais:
- crescimento de uma classe média mas, ao mesmo tempo, uma emigração maciça para o estrangeiro;
- migrações internas que começaram a despovoar o interior e a criar aquilo que viria a ser primeira área metropolitana de Lisboa, depois o litoral urbano;
- e as guerras em África.
Isto significa uma série de fenómenos traumáticos, que marcaram a sociedade portuguesa na transição para o que viria ser o começo de um longo caminho da Democracia.
Às vezes, tenho dificuldade em explicar aos meus alunos, com rigor, como é que em 1974 começa este caminho mas, de facto, começa por uma Revolução.
Essa revolução só culmina no regresso dos militares aos quartéis em 1982, ou seja, 8 anos depois de 1974 e numa alteração do regime económico para nos aproximar da Europa. Isso já foi em 1989/1990, o que significam mais de 15 anos após o 1974.
Dir-me-ão, mas o que é isso historicamente? Não é nada, mas para quem viveu, é muito. E para o país teve as virtualidades próprias da mudança mas teve também os custos enormes destes longos períodos de transição.
A sociedade portuguesa enfrentou então simultaneamente quatro desafios:
- o primeiro, a descolonização em 2 anos, e não há descolonização que se possa fazer bem quando é tardia, e em 2 anos, a meio de uma Revolução.
- a democratização por etapas e só plena a partir de 82;
- a integração europeia,a partir de 1986 e aí fizemos em percurso acelerado o que outras economias tinham feito em 40 anos, até chegarmos ao mesmo tempo à moeda única. Portanto, fizemos entre 86 e 98, em 12 anos, o percurso que os outros fizeram em 40 e tal anos
- e o mais difícil, a transformação de uma economia e uma reforma dos sistemas sociais que foi contra a visão estatista da sociedade portuguesa.A tradição estatista da sociedade portuguesa, começou tarde, foi realizada com várias crises pelo meio e não correspondia de facto uma sociedade que, não esqueçamos, não fez a revolução liberal. As revoluções liberais foram revoluções de superestrutura, de minorias e portanto nós praticamente descobrimos a liberdade ao mesmo tempo que descobríamos a Democracia… já depois do 25 de Abril. Nós, o povo português em geral. Não digo minorias urbanas privilegiadas, que essas viveram a sua liberdade numa fatia da Monarquia constitucional e numa parte da primeira República.
Neste contexto, como é que aparece a Social-democracia em Portugal? Não há traços sociais-democratas na monarquia constitucional portuguesa. Ao contrário do que se passou, por exemplo, na Europa, não há partidos sociais-democratas, nem na versão revolucionária nem reformista da Monarquia Constitucional no século XIX. Como não há na Primeira República.
Aliás, é curioso, eu encontrei entre vários documentos giros que vos trouxe um texto do Dr. Mário Soares “Construir uma nova vida, destruir o sistema por um partido socialista, forte combativo e eficaz” escrito em Agosto de 73. O Partido Socialista como sabem foi constituído em 1973 (a Acção Socialista era de 65, mas só se transformou em partido em 73) e o próprio Mário Soares tem de dizer não só que não havia tradição social-democrata, como a tradição socialista não existia praticamente na política portuguesa.
Há pequenos movimentos e um Partido Socialista sem peso na I República. A orientação social-democrata não existe afirmada, autónoma, com peso na vida política portuguesa, nem no final da Monarquia, nem na I República e nem no começo da Ditadura.
No começo da Ditadura encontramos ainda uns restos dos Partidos Liberais da I República; encontramos anarco-sindicalistas que têm um grande peso no Movimento Operário; encontramos o Partido Comunista que vai subindo, com Álvaro Cunhal a transformar-se num líder da oposição democrática portuguesa. Finalmente, a Acção Socialista, ela própria só surge em meados dos anos 60.
Então quais são as raízes do nosso Partido e as raízes da sua orientação social-democrata?
A primeira raiz é o Directório de Acção Democrata Social. O Directório de Acção Democrata Social é um movimento político que recolhe alguns dos herdeiros da I República, que permanece como um grupo de elite, sobretudo presente em Lisboa e Porto, com várias figuras que viriam a aderir ao nosso Partido no Congresso de Outubro de 1974, como Nuno Rodrigues dos Santos, que viria a ser presidente da Mesa de Congresso do Partido, como Aresta Branco, como Artur Santos Silva pai, como Olívia França, e que vinham da luta contra a Ditadura nas longas décadas anteriores. Este directório é uma das componentes da orientação social-democrata do nosso Partido, desde praticamente o início, Outubro de 74.
Outra componente: aquilo que podemos chamar os Liberais ou a Ala Liberal. Chamava-se Liberais ou Ala Liberal, por oposição à linha dura do regime durante o governo de Marcelo Caetano, a um conjunto de deputados que foram eleitos em 1969, nas eleições de 69 e que depois – praticamente todos - um a um, se afastaram. Sá Carneiro primeiro, Miller Guerra depois e a seguir todos praticamente. Ficaram apenas dois.
Esse grupo de deputados queria a democracia, a descolonização e o reformismo social, o desenvolvimento e a integração europeia. Acabaram por corporizar uma orientação que em rigor não era liberal. O próprio Francisco Sá Carneiro disse-o 1969 numa entrevista a Jaime Gama, jovem redactor do jornal “A República”, que era social-democrata de tipo sueco ou nórdico. Esta é uma segunda linhagem da nossa orientação social-democrata.
A terceira é uma linhagem social-cristã. Vários movimento católicos, ditos progressistas, que se foram afastando da ditadura ou estiveram sempre contra ela, sobretudo nos anos 50 e 60 e aumentaram o seu peso ao longo dos anos 60 e no começo dos anos 70. Tinham uma inspiração cristã, mais concretamente católica, eram críticos da ditadura, queriam a Democracia, eram críticos do que consideravam o não desenvolvimento económico e social; e defendiam o caminho para a descolonização.
Se quisermos encontrar uma génese desta orientação, encontramos proximamente a carta do Bispo do Porto e se falo isso é porque Francisco Sá Carneiro, por exemplo, é muito próximo da orientação do então Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes e é membro importante da Comissão Justiça e Paz. É uma visão social-cristã de pendor social-democrata.
E depois temos uma organização que foi tolerada por Marcelo Caetano e que era um bocadinho de várias inspirações, mas em que a grande maioria era social-democrata, que se chamou SEDES, Associação para o Desenvolvimento Económico e Social. Embora na SEDES estivessem futuros dirigentes socialistas, como Vítor Constâncio ou António Guterres, até à esquerda do Partido Socialista, do MDP/CDE como Mário Murteira, um ou outro do CDS, pontualmente como João Morais Leitão, a grande maioria situava-se na área que viria a ser do PPD/PSD.
Se eu falo isto, é por uma razão muito simples. É porque teria sido possível, eventualmente, ao Partido Socialista ocupar a área social-democrata, mas não quis.
Teve essa hipótese em 1969 quando houve as eleições no tempo de Marcelo Caetano e houve listas da CEUD diferentes das listas CDE (a CDE mais à esquerda, com peso maior no Partido Comunista e de alguns grupos de extrema esquerda ou de independentes de esquerda), mas Mário Soares intencionalmente não quis e aliás ele explica-o em vários documentos anteriores ao 25 de Abril e imediatamente posteriores ao 25 de Abril, entendendo nomeadamente que a Social-democracia não dava para Portugal. Era, no seu entender, um produto da Europa do Norte, menos na Europa do Centro, na Europa do Sul. Dizia Soares que a radicalização de classes e a radicalização económica, social e ideológica aconselhavam um socialismo mais radical, não uma social-democracia.
Ao contrário, Sá Carneiro defendeu desde os anos 60 que a via adequada era social-democracia e foi portanto o PPD/PSD a ocupar o espaço social-democrata. E ocupa desde o início, as primeiras linhas programáticas afirmam-se como partido reformista de orientação Social-democrata.
Trouxe aqui um papelinho já histórico de Setembro de 1974, ainda antes da da renúncia de Spínola “O que somos e que não somos - Partido Popular Democrático”, com a terminologia da época, que porventura chocará alguns presentes.
Está cá como o PPD acredita na democracia política e diz porquê, acredita na democracia social económica e diz porquê, depois diz “um partido de vocação socialista” (aí ficarão um pouco mais chocados), explicando que se trata de uma via social-democrata para a construção do socialismo em liberdade, mas o que interessa é a via social-democrata, um partido de centro-esquerda, e diz que não é um partido conservador, capitalista, marxista nem revolucionário.
Bom, isto para dizer que, hoje, vendo à distância o que era esta Social-democracia, que era reivindicada pelo PPD e depois pelo PSD a partir de Outubro de 1976 quando, num Hotel que já não existe “Hotel Estoril Sol”, eu e o Pedro Roseta, combinados com Francisco Sá Carneiro, propusemos a mudança de nome?
Por acaso não havia quórum, mas isso às vezes acontece. Mas ninguém notou e ninguém pediu a contagem do quórum, portanto o partido passou a chamar-se Partido Social Democrata, sem quórum…
[RISOS]
E assim se teria chamado desde o inicio mas na véspera do nosso aparecimento surgiu o Partido Cristão Social-Democrata, que morreu mal nasceu e, portanto, a confusão era tanta que tivemos de nos chamar Partido Popular Democrata.
A nossa Social-democracia é diferente na sua génese da Social-democracia de que vos falei no séc. XIX, de raiz marxista e que deu origem a vários partidos sociais-democratas sobretudo no norte da Europa.
A nossa social-democracia não tem origem operária, tem origem essencialmente nas PME’s e nos trabalhadores da agricultura e do comércio.
Mas nisso não estamos sozinhos: o partido social-democrata dinamarquês e o partido social-democrata norueguês não nasceram de sindicatos operários ou de raiz operária; o norueguês sobretudo de pescadores, o dinamarquês sobretudo de agricultores.
Somos um partido que, no início, aceita aspectos da análise marxista mas que se diz não-marxista e aqui há uma ruptura clara com o Partido Socialista. Encontrei também, ao pesquisar nos meus documentos, um debate entre o Sottomayor Cardia e eu próprio no “Jornal Novo” – que deixou de existir em Setembro de 75 – “Socialismo e Social-democracia, onde acaba um e começa a outra” e uma das diferenças viscerais é que para o Sottomayor Cardia, na altura, a inspiração marxista era determinante ainda no Partido Socialista e no socialismo que se reivindicava. Não era assim no PPD da altura e na sua orientação social-democrata.
Esse PPD era o de uma social-democracia centrista, moderada, de origem não operária, que tem 3 linhas convergentes de inspiração: uma linha social-cristã, uma linha social-liberal e uma linha social-democrata mais avançada.
Assim nasce o partido, virado para o centro-esquerda mas ocupando imediatamente o centro.
Evocámos desde do inicio, por exemplo, a influência de um Bernstein, que foi um autor reformista, crítico da via revolucionária na social-democracia, de um Meunier que foi um personalista cristão, mas também de um António Sérgio, de um Cortesão, isto é, também daqueles intelectuais que tinham defendido posições que eram de mudança económica e social, embora numa perspectiva não radical e não revolucionária
E olhando para esse partido que nascia, nós encontramos traços que vêm do social-cristianismo – a dignidade da pessoa humana, o personalismo, a visão dos direitos ou uma parte da visão dos direitos e da justiça social; que também vêm do social-liberalismo – os direitos políticos, as liberdades públicas e a visão de autoridade; que vem também da social-democracia mais avançada – como sejam o papel do Estado, as políticas sociais avançadas, quer as fiscais, quer as financeiras, quer outras políticas económicas e sociais avançadas, o que significa a construção de uma democracia económica e social e não apenas uma democracia política.
Quando olhamos para o nosso partido é evidente que esta inspiração e esta orientação estiveram sempre presentes. Não vale a pena estar aqui a discutir qual foi o líder mais social-democrata ou menos social-democrata, cada um terá a sua opinião, eu acho pessoalmente que de todos o mais social-democrata foi Cavaco Silva, pela sua maneira de ser, pelo seu percurso social e pessoal e pelo momento em que encontrou a sociedade portuguesa e em que projectou a sua reforma. Mas todos foram sociais-democratas no sentido que nenhum renunciou a essa orientação até hoje como o essencial no Partido.
Mas evidentemente que houve fases, a primeira fase foi a mais radical. Se eu vos tivesse lido o discurso de Sá Carneiro ao I Congresso do Partido, em Outubro de 74, haveria aqui algumas perturbações do coração. Mas também foi o discurso mais radical de Sá Carneiro em toda a sua carreira política.
Nessa fase, o PPD chegou a defender o Estado com um papel interveniente, apreciável, alargado na vida económica da sociedade portuguesa. É o que existia em algumas sociais-democracias. Por exemplo, nas sociais-democracias nórdicas houve cambiantes, mas naquele processo revolucionário em curso, de facto o PPD chegou a defender isso, embora com uma moderação diferente da posição mais radical do PS.
O PPD defendia em relação aos sectores-chave essa intervenção e o papel que podia ter para alterar o regime económico. O PS era mais radical quanto à intervenção do Estado como motor na economia.
Depois, a luta passou a ser outra, passou a ser a luta pela democracia política e Sá Carneiro lídera-a no contexto do regresso dos militares aos quartéis, no fim do Conselho da Revolução e do período revolucionário. Dir-se-á, “coisa fácil”, mas na altura foi coisa difícil, 8 anos de luta! Eu era Ministro dos Assuntos Parlamentares quando foi a primeira revisão da Constituição. Convencer o PS a votar a abolição do Conselho da Revolução, apesar de ser essa a posição do líder do PS foi muito, muito complicado. Negociações até às tantas da manhã, indo a matéria a votação no grupo parlamentar do PS que não aceitava facilmente essa mudança.
Terceira fase, afirmar um novo regime económico e social. E afirmação de um novo regime económico e social significa aproximá-lo dos regimes económicos da Europa, em que nos queríamos integrar, e culminou com a segunda revisão da Constituição. E também sabem que não foi fácil. Custou a cabeça de Vítor Constâncio, que fez o acordo com Cavaco Silva, mas já não assistiu à concretização do acordo e honra seja feita a Jorge Sampaio, que, sendo contra, respeitou o compromisso de Victor Constâncio e votou uma revisão, contra a qual se manifestara.
Devido às viragens que foram feitas, o mundo é diferente. Houve um novo passo económico e social na revisão 1997, mas hoje – séc. XXI - temos duas realidades interessantes na sociedade portuguesa.
Uma é que toda a gente quer ser social-democrata. No início éramos só nós. O PS quer ser social-democrata. Começou a querer ainda ironicamente com Mário Soares e ele pessoalmente nunca se disse social-democrata, mas durante o Governo do Bloco Central começa a haver uma confluência, decorrente da coligação, de uma parte do PS virando ao centro da vida política portuguesa e tentando entrar no espaço social-democrata. Claramente, com António Guterres, que aliás só tinha entrado no Partido Socialista depois do 25 de Abril e que foi da direita ou do centro para a esquerda e com José Sócrates assistimos à necessidade de fazer alguns ajustamentos à esquerda em virtude da conjuntura.
Isto é, o espaço social-democrata é apetecível, mas não é por ser apetecível e por o PS querer disputá-lo que seria um erro o PSD deitá-lo fora. É evidente que seria sempre um erro, do ponto de vista eleitoral, deitar fora o espaço social-democrata. Era a mesma coisa que deitar fora o centro-esquerda e o centro, seria sempre um erro político óbvio. Mas não, felizmente ninguém fez esse erro, até hoje, na líderança do PSD. Mas é também por uma questão de substância doutrinária. Trata-se do nosso espaço. A evolução do Mundo mostrou efectivamente quais as soluções que se situavam à esquerda, as que pareciam pregar os amanhãs que cantam. Essas falharam. Foi o que aconteceu com inúmeras soluções marxistas e nós vimos um desmoronar do império soviético e vimos o fracasso nos anos 80 e 90 e na viragem do século do que parecia ser a grande esperança nos anos 50, 60 e 70 para alguns sectores intelectuais.
Mas com a última crise mundial também assistimos ao fim da ilusão do liberalismo como uma panaceia, o Fim da História ao jeito de Fukuyama, como quem diz a História vai num sentido tal que culmina no liberalismo. E o liberalismo é solução e vimos como tinha razão o PSD quando dizia, desde os seus primórdios, que os excessos do capitalismo e do liberalismo têm um custo económico e social à escala nacional, à escala europeia, à escala Mundial.
E quanto ao conservadorismo, nem vale a pena olhar muito para ele, porque os vários conservadorismos, à direita e à esquerda, caracterizam-se pela não mudança doutrinária ideológica, pela não adaptação à realidade que muda. E a social-democracia tem esta virtualidade: é um processo reformista, não é uma obra feita, não é uma obra acabada, comporta as virtualidades de diferentes cambiantes, mas está em construção permanente.
E aí perguntarão, tudo isto é muito bonito, mas estamos a falar de quê quando falamos em social-democracia hoje? E eu tenho aqui alguns tópicos que, a meu ver, podemos discutir sobre isso, em Portugal, ajudam a definir o que é uma posição social-democrata:
1. A social-democracia defende uma democracia não apenas política, como económica e social e este é um ponto fundamental. E por isso defende a liberdade e simultaneamente a igualdade e a solidariedade. Defende a democracia política e trabalha pela democracia política e não acha que os direitos pessoais e políticos sejam direitos meramente formais, liberdades instrumentais. São direitos substanciais, são essenciais para que se possa falar em democracia. Decorrem da dignidade da pessoa, decorrem de uma visão personalista e, portanto, é preciso construí-los em cada momento que passa, porque não estão acabados. Surgem novos desafios, novas tecnologias da comunicação, novas tecnologias da vida, novas tecnologias da saúde, novos problemas éticos, políticos e jurídicos, novos problemas sociais, isto é, novos fenómenos de exclusão política e de exclusão cívica, mas não se esgota a social-democracia na democracia política. Ela é inseparável da democracia económica e social.
De nada serve, ou serve muito pouco, defender a liberdade política no contexto de gravíssimas injustiças económicas e sociais, de assimetrias, de desigualdades, de dualismos intoleráveis em sociedades onde, como é o caso da portuguesa, pelo menos 20% está aquém do limiar da pobreza e estão perto do limiar da pobreza entre mais 10 a 15 % fruto destas crises acumuladas.
E essa é a realidade, numa sociedade assim, em que é fácil dizer “não, não é 20, é 19 vírgula tal, é à volta de 20”, como se fosse uma coisa irrelevante 1/5 da sociedade. É o problema da utilização dos números, quando tantas vezes se disse que não importavam os números, mas sim as pessoas.
Não há democracia com essa situação efectiva ou, pelo menos, não há aquela democracia a que nós aspiramos e quando digo isso é económica e social.
Mas depois há um ponto para que chamo a vossa atenção, que acho ser o nosso grande desafio neste momento da sociedade portuguesa, que é o controlo do poder económico ao poder político democrático.
Se virem os programas do Partido desde o inicio, é um dos aspectos essenciais de uma visão democrática (vem, aliás, na Constituição), mas é sobretudo uma visão social-democrata.
Não pode o poder económico querer mandar no poder político! Não pode! Quando falamos em poder económico não são obviamente os 80% ou 90% de PME’s. É um número restrito de grupos económicos.
Como não pode haver um conúbio estranho e não transparente entre poder económico e poder político, com transições de um lado para o outro, com decisões pouco claras, porque isso é o que dá origem ou acentua o fenómeno da corrupção que sentimos na sociedade portuguesa, que os relatórios internacionais dizem que está elevado.
É evidente que nós sabemos que muito do que se vive tem a ver com a História recente. O que é que aconteceu? Com as nacionalizações o Estado passou a ocupar sectores-chave da economia e depois as privatizações,muitas delas feitas com o apoio do próprio Estado, via Caixa Geral de Depósitos. Teve que ser, tal era a descapitalização dos grupos económicos privados portugueses. Isso deu origem a uma interligação entre o capital público e capital privado, entre o sector público e sector privado, que permanece na sociedade portuguesa, que nalguns casos se acentuou no governo socialista, há que dizer fruto, em muitos casos, de erros dos privados. Assim aconteceu num banco, iniciativa dos privados, que por erros e divisões dos privados, acabou por ter o seu destino decidido largamente por um banco público. O maior banco privado teve o seu destino decidido por um banco público.
Este é um grande desafio, é um desafio difícil, porque há dois grandes partidos de Governo em Portugal, o PS e o PSD e esses governos têm de tomar decisões que importam à vida económica, social e financeira e são decisões difíceis e sensíveis e daí resultar aquilo que os cientistas chamam “partidos de cartel”. São partidos que, mesmo quando um está na oposição e o outro está no Governo, acabam por criar um acomodamento (isto não é só português, é uma classificação universal), um acomodamento ao poder político e a algum poder económico. É uma sedução permanente!
Quando se fala no bloco central de interesses, o que é isso? É a sedução permanente de ter de enfrentar a dificuldade de construir um poder político forte, claro e independente para controlar o poder económico e para que haja uma transparência na vida económica e social, que eu acho que piorou com os governos socialistas.
Considero mesmo que o ponto em que o PS mais trai as suas origens e o seu ideário doutrinário é este, em que pela ocupação de lugares no sector público por apparatchiks ou por pessoas de confiança. O sector público tem a haver com o sector privado. São zonas de transição entre o privado e público, em que se perpetuou ou acentuou uma falta de transparência que acaba por limitar o controlo do poder económico pelo político. Este é um grande combate nosso.
Não é por acaso que sucessivos líderes do partido têm pegado no tema da corrupção. Não é por acaso, se virem, não é mania do A, do B, do C, do D, do E…
Depois pergunta-se pelo papel do Estado? Nós no início da nossa caminhada social-democrata defendíamos que o Estado tivesse um papel de grande intervenção na economia portuguesa, nomeadamente no período revolucionário. Nada que se comparasse com o que foi feito nas nacionalizações ou expropriações pelo PCP e seus aliados; nada que se comparasse com o que defendia o Partido Socialista; mas defendemos um papel de intervenção.
Hoje a orientação social-democrata significa que o Estado deva estar em sectores infra-estruturais, o que quer dizer que são precisos critérios de justiça e de eficiência no apuramento das infra-estruturas em que se aposta e deva intervir para corrigir as desigualdades, as assimetrias e deva intervir em período de crise, como é evidente, para combater de forma ainda mais clara as novas injustiças que surgem por via da crise. Uma orientação social-democrata defende isto. Ao mesmo tempo que defende que o Estado deva ver regulador.
Temos dois planos de intervenção, o Estado regulador que define as regras e controla-as, mas controla mesmo! Não é fingir que controla, para não controlar, porque não convém controlo. E quando digo controla, são entidades independentes que controlam. Não é o Governo. Porque se é o Governo a controlar, pode haver aí uma afectação de orientação político-partidária.
Mas ao lado disso, como disse, admito que o Estado tenha uma intervenção no domínio de infra-estruturas, no domínio da correcção de desigualdades e da construção da igualdade e da solidariedade e tenha uma intervenção acrescida em período de crises.
Perguntar-se-á, e quanto aos sistemas sociais? Eles que acabaram por ser os grandes esquecidos na evolução política da sociedade portuguesa. Como nós chegámos só em 82 à democracia política, chegámos em 89 ao novo regime económico, estamos ainda a fazer o percurso da reforma dos sistemas sociais, da administração pública, da justiça, da educação, da saúde e da segurança social. É evidente que aí os sociais-democratas têm de defender uma reforma da justiça, que acabou por só ser notícia por causa da justiça penal, a partir de metade dos anos 90 e na viragem do século e há aspectos fundamentais da justiça que não só a justiça penal que merecem uma reforma tão ou mais importante que esta e só se fala dela.
Segundo, reforma da administração pública, mas reforma começando no princípio e não no fim. Não é reforma para saber o que se fecha, para correr com pessoas. É reforma que diga o que deve ser a intervenção do Estado ou sector público, regiões autónomas e autarquias locais. Depois sim, se vai ver quais os instrumentos e meios. Não se começa pelos meios antes de saber quais são os fins.
Encontrei também outro documento muito curioso, coordenado pelo Carlos Pimenta em 1984, “Aposta no Homem”, que aliás é raríssimo encontrar hoje. Com uma equipa muito curiosa porque ainda não estávamos no Governo com Cavaco Silva e colaboraram nesta obra nomes como Almeida Serra, António Capucho, Carlos Coelho, Arlindo Cunha, Arantes e Oliveira, Fernando Nogueira, Helena Roseta, Manuel Sebastião, Nuno Vitorino, Valente de Oliveira, Mira Amaral, Couto dos Santos, Macário Correia, Ribeiro da Silva. Curioso…
Curioso porque este documento é anterior a várias destas pessoas terem exercido funções. Quando foram exercer funções várias destas pessoas tinham atrás de si um trabalho de elaboração, de doutrina, de preparação, que depois aplicaram. Melhor ou pior, mas aplicaram.
E, aqui está, por exemplo, no domínio da segurança social, claramente, ainda o PS não tinha votado o Rendimento Mínimo, já este documento defendia pela mão da equipa coordenada pelo Carlos Pimenta, para sectores deprimidos, verdadeiramente carenciados, justificava-seuma prestação social, sem contrapartida da parte dos próprios que não podiam ter contrapartida, e depois, havia uma segurança social com contrapartida, e depois havia um terceiro domínio em que se dava aos próprios a possibilidade de escolher, se queriam ou não a vinculação aos esquemas públicos (se quisessem, muito bem) ou se podiam avançar para esquemas complementares da sociedade civil. Eram patamares diversos. Isto, em rigor, corresponde à visão da social-democracia nestes domínios, isto é, aquelas áreas que não podem mesmo e precisam, por uma questão de homogeneização social, de uma intervenção do Estado, o Estado deve intervir através dessas prestações. Isso aplica-se naturalmente à saúde, à educação e à segurança social.
Depois há zonas em que o Estado entende que é fundamental em termos de interesse colectivo e de justiça social, que a intervenção se dê independentemente de maior ou menor contributo dos próprios pela via do imposto. E são aí os esquemas gratuitos da escolaridade obrigatória, por exemplo, ou do sistema de saúde que é pago mesmo por alguns que pagam poucos impostos, mas em que se entende que não faz sentido quando se diz gratuitidade, significa complementarmente exigir outro tipo de remuneração
E há áreas em que, por justiça social, aqueles que podem pagar, devem de facto dar o seu contributo ou escolher vias alternativas.
Isto é uma orientação social-democrata, mas não podemos parar por aqui. Há novos desafios, há novas exclusões para uma orientação social-democrata ou velhas exclusões. Ainda há exclusões ligadas à mulher, no mundo do trabalho, no mundo social e económico. Há muitas exclusões, ainda que persistem na prática ligadas aos portadores de deficiência. Surgem novas exclusões ligadas aos idosos, que são uma fatia cada vez maior da sociedade portuguesa, que está a envelhecer. Os jovens são também muitas vezes vítimas, alguns deles mais do que outro, dessas novas exclusões
E temos sectores que neste tempo de migrações e de imigrações são sectores de novos excluídos e em que, eu compreendo, seja muitas vezes nas sociedades a braços com as crises e com apelos de autodefesa, de resistência mais ou menos nacionalistas e xenófobos, seja tentador fechar e acentuar a exclusão ou transformá-la mesmo em expulsão. Uma orientação social-democrata é contra isso.
Não quer dizer, que não haja regras em termos de legalização dos emigrantes, o que quer dizer é que não é tolerável a xenofobia, não é tolerável o racismo, não é tolerável a intolerância, nesses domínios e que sociedades que reagem assim, são sociedades que vão perder o desafio da história. A História caminha no sentido da libertação, com altos e baixos, com avanços e recuos. Não caminha no sentido do fechamento. É comparar o que era a sociedade portuguesa há 10 anos, há 20 anos, há 30, há 40, há 50…, a Europa e o Mundo. As sociedades que se fecharam, não conseguiram fechar. Proíbem Internet, criam limitações, mas o Mundo irrompe... É querer caminhar para o futuro às arrecuas. Não faz sentido!
Finalmente para abreviar, uma sociedade com orientação social-democrata coloca um acento tónico no plano interno, no chamado sector social. Este sector social, de que se falou muito nos primórdios da Constituição, não quer dizer sector público, mas também não quer dizer o sector económico,capitalista, clássico.
Envolve o sector cooperativo, envolve o voluntariado, envolve as IPSS’s, envolve a iniciativa das igrejas, nomeadamente a Igreja Católica, envolve as iniciativas dos cidadãos, não lucrativas, envolve as Misericórdias, envolve um conjunto de entidades que económica e socialmente têm um papel essencial, mas que não encontrou ainda um quadro legal para se mover entre o público clássico e o privado.
E esta é uma aposta fundamental. Não pode ser uma aposta conjuntural, quando as Misericórdias estão mal porque o Estado acabou por não fazer o que tinha de cumprir em algumas delas no Norte ou porque estão à espera, em matéria de cuidados continuados ou cuidados paliativos, de meios para concretizar protocolos assinados.
E depois, naturalmente, ser social-democrata em Portugal significa ser-se europeísta, ser-se lusófono. Não é preciso ser-se social-democrata. Basta ser-se democrata e, a meu ver, português para se ser europeísta e para se ser lusófono e para se ter uma visão mundial e uma abertura e uma cosmovisão própria dos nossos dias.
E chegado aqui, para terminar, porque naturalmente que a palavra vossa é muito mais interessante, temos alguns desafios imediatos, que eu vou só elencar e se quiserem depois podem pegar neles.
O primeiro desafio que nós temos como sociais-democratas em Portugal, neste ano 2010 e na viragem para 2011, é reeleger como Presidente da República um Social-Democrata. Se acreditamos na Social-democracia faz sentido que façamos tudo para que continue em Belém um Social-Democrata, gostemos muito ou pouco daquilo que faz, independente das suas características parece-me evidente;
Segundo desafio, se realmente achamos que devemos apostar em mudar a Constituição, para aproximar das orientações sociais-democratas tal como as vemos, então devemos naturalmente saber o que queremos do fim desse processo de revisão constitucional.
Temos que estabilizar e formalizar as nossas propostas e temos de as esclarecer, fazer pedagogia permanentemente, porque os nossos adversários dirão sobre as nossas propostas o oposto ao que queiramos dizer delas. Se pecarmos por omissão, a única explicação que surge nas nossas propostas é a dos adversários das propostas.
Terceiro desafio, temos uma crise financeira, por isso é que eu disse que é “Social-democracia em tempo de crises”, era mais fácil se não houvesse esse tempo de crises. Essa crise financeira exige saneamento financeiro, exige soluções que não agravam o défice externo, mas exige também bom senso e sobretudo criação de confiança, aquilo que podermos fazer dentro de uma orientação social-democrática para isto, fazemo-lo nem é pela social-democracia, fazemo-lo por Portugal, ao mesmo tempo temos uma crise económica e social muito grave, com a expressão suprema naquilo que o Governo não gosta de falar que é o desemprego. Para um Social-Democrata é penoso, eu nas perguntas que recebo televisivamente ontem de repente quando estava abri-las, havia uma que não era uma pergunta, mas um depoimento muito impressionante de alguém que está desempregado já a algum tempo e que dizia “pois é, há os incêndios florestais, há isto, há aquilo, mas o que significa incêndio na vida dos desempregados e nas famílias dos desempregados, a situação do desemprego, não têm a visão porque é um número”. São 10.6%, há perto de 600 mil, e as pessoas já se habituaram a isso, já acham um número ligeiro, só não se habituaram mais porque praticamente todas as famílias ou conhecem isso no seu seio, ou conhecem em realidades muito próximas em termos de vizinhança, é fácil de perceber que havendo cerca de 600 mil ou mais de 500 mil desempregados isto significa que em termos de agregados familiares, que há 2 milhões ou 3 milhões de pessoas convivem directamente com essa realidade ou quase directamente e das maiorias jovens (diz bem o Carlos Coelho).
Esta é uma realidade que não se pode iludir, não devemos ficar assustados, manietados ou inertes. Temos de agir e agir significa encontrar soluções imediatas do ponto de vista social, que permitam minimizar os custos estruturais a prazo para ultrapassar o problema, soluções flexíveis, mas soluções sem rupturas insensatas.
Finalmente é-nos exigido em termos de responsabilidade de exercício do Governo, mais dia menos dia, mais mês menos mês, mais ano menos ano, mas agora menos ano que mais ano, comparando as últimas UV, estamos mais perto...
Primeiro, já disse a denuncia do conúbio entre o poder político e o económico, a exigência da transparência de combate à corrupção, a exigência da clarificação nos investimentos públicos infraestruturais da sua justiça e da sua eficiência, terceiro um debate sério sobre a reforma dos sistemas sociais, muitos falados, muito evocados em termos de defesa pelo PS, mas não efectivamente reformados, nem adaptados à realidade, imaginação na reforma da administração publica, como da justiça como dos sistemas sociais em geral, e para isto naturalmente uma orientação social-democrata queira ter sucesso, precisa de duas coisas, uma unidade na diversidade, o nosso Partido é diverso, cada um pensa pela sua cabeça, não há imposições estalinistas, mas há convergências que são naturalmente importantes e crescente importantes em momentos críticos da sociedade portuguesa, e não basta essa unidade é preciso alargar não é fechar, é alargar, alargar dentro e fora, quanto maior for a amplitude do alargamento mais longe se vai em termos de acolhimento pela sociedade portuguesa;
Segundo, aproveitar este tempo na Universidade de Verão, para nos preparámos doutrinária, ideológica e em termos de soluções políticas económicas e sociais. Temos condições agora para ser o culminar de um processo e a diferença é só esta: quando não houve um processo preparatório, o exercício foi curto e ficou aquém das nossas expectativas e das expectativas dos portugueses apesar do esforço desenvolvido com muito mérito. Quando o processo de amadurecido foi mais longo e bem preparado, podemos corresponder melhor às nossas expectativas e às dos portugueses.
Neste momento de “crises” as expectativas dos portugueses não podem ser uma mera rotação para ver o que dá. Tem de ser mais do que isso, eu acho que pode ser mais do que isso, há condições para ser mais do que isso, e o que a Universidade de Verão, a JSD, o que toda a gente pode fazer, os gabinetes de estudo, aqueles que pensam, aqueles que reflectem, e preparar as soluções para esse momento quando ele surgir e vai surgir. É essencial e não é essencial só por nós. É essencial pela Democracia, é essencial para Portugal.
Agora passo a responder às vossas questões
[PALMAS]
Dr.Pedro Rodrigues
Obrigado Prof. Marcelo.
A primeira questão será colocada pelo Grupo Verde. Fausto Matos.
Fausto Pinto de Matos
Senhor Professor, boa tarde, permita-me agradecer a sua presença que muito me honra, e as suas palavras com que sempre muito nos enriquece. O nosso orador desta manhã referiu que a sociedade portuguesa é intelectualmente de Esquerda. Pensamos de alguma forma mais à Esquerda. Ele referia que por vezes há reformas feitas por governos socialistas talvez de natureza mais à Direita, mas que mais facilmente a sociedade as consegue perceber. O Prof. agora mesmo referia que há uma nova Social-democracia, a minha pergunta é: esta nova Democracia aliada a uma mudança de mentalidades necessita de uma Revisão Constitucional?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Uma coisa é uma Revisão Constitucional, outra coisa é um Governo do país. A Revisão Constitucional significa atingir um texto que seja o mais comungado possível por todas as forças políticas. Não é necessariamente o nosso texto! Esse foi um dos erros iniciais da Constituição; eu estava na Constituinte e votei umas vezes a favor outras vezes contra e muitas vezes votámos a pensar no menos mau que era possível. Num momento em que havia a hipótese de a Revolução matar a Constituição era preferível ter uma Constituição a não ter nenhuma; era preferível ter aquela a ter tido outra, que existiu antes do 25 de Novembro, e portanto foi sempre uma negociação muito complicada, e uma ponderação muito complicada do princípio ao fim.
Mas é evidente que ela foi fortemente marcada pela Revolução, e pelo peso que tinham naquela ocasião o Partido Comunista, o MPD/CDE, e um sector dentro do Partido Socialista que era predominantemente mais à Esquerda do que viria a ser no futuro.
O que se pretende hoje com uma Constituição é que seja mais flexível, mais aberta, mais compreensiva, mas seja um traço de união entre os vários portugueses e as várias forças políticas. Na prática significa uma coisa, é uma Constituição que tem de ser aceite pelo PSD e pelo PS. Com o CDS tem sido possível várias vezes, com o PC impossível, com o Bloco de Esquerda impossível. O que quer dizer que acaba por ser uma negociação entre o PS e o PSD.
Eu apanhei uma Revisão Constitucional em curso, vinha do tempo de Fernando Nogueira, limitei-me a orientá-la na parte do PSD, aliás com um papel fundamental de Marques Mendes. Mas quando se avança para uma revisão, primeira coisa a ter em conta: queremos chegar ao fim com que resultados? Devemos sabê-los, o que não quer dizer que o digamos na praça pública, mas com que resultados? Quer-se um acordo com o PS ou não?
Houve processo de revisão que abortaram. Cavaco Silva, teve um que chegou a iniciar e que não foi por diante, outros que até eram bastante ambiciosos e ficaram circunscritos. Quer aproveitar-se para realmente chegar a um acordo ou não? Vamos admitir que sim; segunda opção, quanto tempo vai demorar? O processo de revisão é lento e longo, o que significa não menos seis meses e pode ir até um ano. Isso tem consequências. Uma delas, como a revisão é feita pela legislatura que se inicia, senão morre, significa que não há eleições enquanto houver Revisão Constitucional. É uma evidência. Portanto se o processo arrancar em Setembro ou Outubro e durar até ao Verão do ano que vem, quer dizer que provavelmente até ao final do ano ou começo de 2012 não há eleições mesmo que haja um cenário gravíssimo.
Terceira opção fundamental é saber no que vamos mexer, e vamos mexer sabendo que aquilo tem acordo do PS ou não tem acordo do PS, se tem acordo do PS até aonde é que vamos na negociação, se não tem acordo do PS, nós propomos para utilizar em campanha eleitoral dizendo “o PS não aceitou isto em termos da Revisão Constitucional”, é essa a ideia? Tem de se pensar no momento em que se parte, não se pode pensar a meio do caminho, já basta depois as vicissitudes que surgem a meio do caminho. Isto pensa-se desde o início do caminho. Portanto, este é um processo que normalmente em Portugal, embora sendo importante para fazer política. Eu lembro que foi muito importante em relação à Regionalização, ao modelo de Regionalização de António Guterres o processo de Revisão Constitucional em Portugal para introduzir o referendo, misturou-se a política.
A Revisão Constitucional tem geralmente um objectivo; a preparação para o Governo tem um outro objectivo completamente diferente. No Governo vai se executar aquilo que é o nosso programa, candidatamo-nos para executar o nosso programa e aí não interessa se o PS concorda, se discordar é a coisa mais natural do Mundo. A grande questão está em distinguir os dois planos, a ideia é distinguir os dois planos, para o primeiro plano já sabemos que o “timing” é longo, é um processo de convergência obrigatória a menos que seja de ruptura; para o segundo, é um processo que se quisermos pode ser mais curto, é um processo mais incisivo, mais claro, de marcação de fronteiras. A confusão dos dois a menos que se queira que essa confusão se faça, e eu quis no meu discurso de posse como líder do PSD, meti a Revisão Constitucional que vinha do passado para travar aquele modelo de Regionalização…
Dr.Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Grupo Azul, Ana Marcos
Ana Marcos
Antes de mais boa tarde a todos, excelentíssimo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, em nome do grupo azul, seja bem-vindo à UV. A sua presença vem reforçar a qualidade, o rigor e excelência desta magnifica iniciativa. Queremos saber se realmente esta proposta de Revisão Constitucional vai de encontro à génese da social-democracia? Obrigada
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Agradeço os cumprimentos excessivos, só explicáveis pela generosidade do grupo ou pelo menos da porta-voz do grupo.
Acho que sim! Aliás, nem podemos deixar um segundo de dúvida sobre quem é social-democrata em Portugal nos dias de hoje. Primeiro somos nós, segundo nós somos.
Não são os outros, que lhes convém dizer de vez em quando que são eles, sem nunca o dizer muito para não desagradar a ala esquerda, mas ir ocupando aos poucos, empurrar para o lado, para ocupar o lugar. Tivemos muito trabalho, e ouvimos muitos anos a fio dizer que a social-democracia era impossível em Portugal e que não dava num país como Portugal e que era uma proposta utópica. Não estamos agora para ver os outros ocupar o espaço que nós construímos ao longo de muito tempo. E por outro lado, no nosso partido nem toda a gente é social-democrata, como à no PS gente que vota PS e não é Socialista, é fácil de entender. São frentistas. E o eleitorado é muito mais frentista, mas há de facto um centro de gravidade social-democrata que é fundamental na nossa mensagem. Já o era antes da crise mundial que mostrou como os excessos do Liberalismo selvagem eram errados. Nós já defendíamos a orientação social-democrata. Agora, por maioria da razão, quando se chega à conclusão que os de um lado e de outro querem fluir para a social-democracia, por ser a área que concilia justiça social com equilíbrio.
A nossa génese foi diferente da de outros. Essa génese, conduziu a que o primeiro partido que se afirmou social-democrata em Portugal fosse o PPD. Não vemos razão para rejeitar essa definição, essa génese, vemos razão para reafirmar. Com esta plasticidade que vos indiquei, que a social-democracia é chamada a ter um papel diferente em período de crises, do que tem em período que não é de crises. Tem um papel em qualquer caso muito ambicioso, económicos e sociais numa sociedade com pobreza, com as injustiças, com as assimetrias, com as desigualdades, com as injustiças da sociedade portuguesa e nós não pactuamos com isso. Podemos ficar felizes só com a democracia política, podíamos ficar felizes como serem minorias, realmente fruírem dessa democracia política, não era uma democracia política plena, nem corresponde às nossas exigências, as nossas expirações. Terceiro grupo.
Dr.Pedro Rodrigues
Pedro Teixeira do Grupo Laranja.
Pedro Teixeira Pereira
Muito boa tarde aos presentes, gostaria de começar esta intervenção agradecendo ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa pelo prazer e pela honra que é estar presente nesta iniciativa de formação política.
Neste contexto de Revisão Constitucional em Portugal, qual dos modelos lhe parece mais assertivo para a gestão da política actual? Um sistema parlamentar com ou sem reformas ou um sistema presidencialista? Qual dos modelos é mais coerente com a orientação social-democrata? Obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
A social-democracia não impõe um modelo específico, em termos de sistema do Governo. Nós encontramos partidos com orientação social-democrata que têm tido uma postura favorável a sistemas parlamentares. São os que existem na Europa, mas nada na social-democracia impede que coabite um sistema semi-presencial ou semi-parlamentar, ou misto ou híbrido como é o nosso. Portanto não se pode dizer que quem é social-democrata tem que ser parlamentarista ou tem que ser semi-presidencialista e até em tese admito presidencialista, em tese. A resposta tem de ser dada à luz da realidade portuguesa neste momento, e à luz da realidade portuguesa neste momento, eu acho que não vale a pena inventar problemas onde não existem.
Não há um problema de sistema de governo, o nosso sistema de governo é suficientemente plástico para já ter funcionado como um sistema quase parlamentar, com o Primeiro-ministro a liderar efectivamente como qualquer Primeiro-ministro europeu, quando dispõem de uma maioria partidária ou de uma coligação em que lídere claramente, já funcionou como um sistema de equilíbrio, com o peso do Primeiro-ministro e do Governo no caso de governos minoritários, muito minoritários, já funcionou até em circunstâncias mais excepcionais, com o acentuar do pendor presidencial. Em caso de crise de partidos, em sistemas de partidos, decisões de partidos, períodos de turbulência no sistema partidário, o que é normal é que funcione de uma maneira parecida com a generalidade da democracia europeia, sendo o Presidente da República uma espécie de fusível de segurança, que intervêm em momentos críticos, particularmente relevantes.
Perguntarão: por que não retocar aqui nos poderes do Presidente da República, ou por que não limitar os seus poderes através de moção de censura construtiva, que leve a que seja o próprio Parlamento a dizer qual é o sucessor no caso de provocar a queda de um determinado Primeiro-ministro e de um determinado Governo? O problema deste sistema como existe, mal ou bem deu para enfrentar várias crises, é um sistema muito plástico, e todas as peças formam um puzzle.
Começar a mexer no sistema em termos experimentais, para ter aqui um poder, acrescentar aí outro poder, pode levar o experimentalismo até pontos que não sejam positivos, independentemente de quem é o presidente num determinado momento.
Eu estou sempre disponível, ou não fosse professor de Ciência Política e professor de Direito Constitucional, a todas as discussões sobre o sistema de Governo, é fascinante esse debate, e os cientistas e os teóricos adoram, eu não sou muito favorável a que se entre no experimentalismo da moda do corta e cola, em matéria do sistema de Governo. Isso não é bom, e é menos bom ainda em período de eleições presidenciais e em período em que há um Governo minoritário e em que as relações entre os vários órgãos de soberania são mais complicadas, entre o Governo, o Parlamento, a Oposição e o presidente.
Já ouviram repetir várias vezes coisas como “mas que diabo nunca mais se corre com o Governo”, “nunca mais se provoca a dissolução do Parlamento”, “por menos do que isto foi corrido um Governo”, mas isso são considerações que não justificam uma Revisão Constitucional, justificam más disposições mas não uma Revisão Constitucional. Sobretudo as pessoas têm de pensar o seguinte, é só isso que eu digo: o Presidente ao dissolver fica responsável de ter posto fim a uma solução governativa e pela solução que lhe seguir. Tem de ponderar no momento em que exerce o poder de dissolução e supondo que está no prazo para o exercer, todas as consequências derivadas a partir desse momento, o Governo que nascer bom, mau, maioritário, não maioritário, confuso menos confuso, é da sua responsabilidade, passa a ser da sua responsabilidade e por muito que diga continua arbitro, é um arbitro que decidiu o destino do jogo nos anos imediatamente seguintes e alguns países, por exemplo a França, mostraram erros calamitosos em dissoluções, o Presidente Chirac fez uma dissolução que não saiu exactamente como ele pensaria que devesse sair, independentemente saber o que é que se passa pela cabeça de um presidente quando dissolve.
Dr.Pedro Rodrigues
Grupo Castanho, Alexandre Poço.
Alexandre Poço
Muito boa tarde a todos, quero cumprimentar o Senhor Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa pela sua presença e pelo seu discurso, que tivemos o prazer de ouvir. Tendo em conta o baloiçar de políticas mais à Esquerda, como a do PS no caso das presidências ou outras mais à Direita como as privatizações de que forma o PSD pode aproveitar este tacticismo do PS para se afirmar como o único defensor social-democrata para Portugal? Obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Devemos afirmar-nos por nós próprios, pelas nossas ideias e convicções. Achei bem quando o líder do partido travou o que podia ser a tentação da moda do Liberalismo em algumas especulações jornalistas há cerca do PSD no futuro, reafirmando a nossa essência social-democrata, como quem diz “nós não estamos a virar à Direita, não há uma viragem à Direita com essa renovação geracional, há sim uma leitura de uma social-democracia em condições diferentes”.
O ziguezague do PS dá-nos razão e força. Embora eu pense que no caso das presidenciais o apoio de José Sócrates a Manuel Alegre é o que se chama o apoio com reserva mental. Em direito sabe-se o que é a reserva mental, é quando se tem de fazer uma coisa que não convém nada, não corresponde à nossa convicção. É um apoio na expectativa de que Alegre não só perca, como perca até com muitos votos de diferença, porque se perder com pouca diferença passa a ser um potencial líder ou muito influente na líderança do PS. Por isso é que foi um apoio mastigado, lento, não entusiástico, por isso é que depois desse apoio têm sido meses de silêncio. Se fosse um apoio frenético, seria semana sim semana não.
E, portanto, eu tenho para mim, que o apoio será o mínimo possível. Nasceu torto e não se endireita. Nós registamos o seu optimismo que é bom, é bom agora e para depois das eleições. Mas formalmente, para o português comum, isto é uma confluência entre o PS e o Bloco de Esquerda a apoiar aquele candidato.
Dr.Pedro Rodrigues
Bruno Duarte do Grupo Encarnado.
Bruno Duarte
Boa tarde a todos e ao Professor. O Grupo Encarnado também agradece a sua presença aqui. O Professor afirmou que a Social-democracia é um processo reformista. Que novos modelos deve a Social-democracia defender de modo a respondermos a um novo modelo de sociedade com o qual nos vamos deparar no futuro próximo? Obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Eu quis abrir algumas pistas nesse domínio, e são as seguintes: a Social-democracia tem de compatibilizar permanentemente as liberdades fundamentais políticas, económicas e sociais com a criação da justiça e igualdade e do espírito de solidariedade. Isso implica, já disse, primeiro a valorização de um sector social, a reforma do sector público, o controlo do sector privado, fórmulas diversificadas nos sistemas sociais.
Eu dei o exemplo que o Carlos Pimenta propunha para a Segurança Social e que o PSD já propôs várias vezes, sem o PS aceitar. Eu não comungo das críticas ao rendimento social de inserção, desde que não haja fraudes nem seja utilizado como cacique político…
Em áreas de pobreza é justo que haja um apoio social, naturalmente limitado, circunscrito no tempo, mas com objectivos de enfrentar uma situação crítica que de outra maneira não é possível à sociedade enfrentar. O Estado deve intervir nessas formas de prestações.
O Estado deve definir certos ideais na Segurança Social, na saúde ou na educação. Mesmo para aqueles que pagam poucos impostos, casos em que a gratuitidade tem a sua razão de ser em matéria de sistemas públicos da Segurança Social, de saúde, de educação.
Portanto o grande debate centra-se na terceira fatia, que é saber se haverá ou não um outro patamar. O grande debate entre nós e o PS, que o PS está a desfocar, é este: o PS diz nós queremos destruir o sistema nacional de saúde (SNS). Ora uma orientação social-democrata nunca pode destruir o SNS, pelo contrário quer alargá-lo a um SNS que compreenda uma componente pública e uma privada.
Ou dizem que querermos destruir a escolaridade básica gratuita. Não faz sentido que a escolaridade básica obrigatória não seja gratuita! Em todo o caso vejamos que a gratuitidade é relativa porque é paga pelos impostos. Não há gratuitidade total.
Ou seja, o debate é saber se para além daquilo que é escolaridade obrigatória, se deve haver gratuitidade ou não, e se para além daqueles que justificam a gratuitidade integral num serviço de saúde, deve haver ou não taxas moderadoras, ou formas de remuneração, e não deve haver até formas de remuneração e de pagamento por quem pode pagar.
Isto pode compreender a opção por sistemas alternativos sociais de saúde ou de educação. No quadro da liberdade de saúde e no quadro de liberdade de ensino ou de educação. E aí sejamos claros, o PSD assume aquilo que o PS não quer assumir, embora pratique no dia-a-dia na sua governação. O PS aboliu as taxas moderadoras? Não foi o PS que aumentou a remuneração de uma série de intervenções no domínio da saúde? O PS aboliu as propinas? Não foi o PS que manteve e agravou alguns custos em termos de ensino na fatia que não é obrigatória?
Parece que o PS sempre defendeu e que pratica a gratuitidade até ao fim da Universidade e a gratuitidade na saúde para todos, mas não é verdade!
Mas o que o PSD diz é: sejamos claros e façamos o debate.
Certa vez encontro-me com uma velhinha num hospital e eu paguei a mesma a taxa moderadora daquela velhinha. Eu que ganho n vezes mais que a velhinha… Acho isto uma injustiça monumental. E o PS não acha isto uma injustiça? É disso que se trata quando se discute não o fim do SNS, não o fim da gratuitidade do ensino obrigatório, mas sim como é que se organiza para o futuro aquela fatia no sistema de ensino e no sistema de saúde em que há quem possa pagar, e até pague bem quando vai ao privado, e não queira pagar praticamente o mesmo que pagam outros que não podem pagar tanto, quando vão ao sistema de saúde.
A isto o PS responde assim: ah não porque esses aí estão cobertos por isenção! Não estão! Estão muitos mas não todos. Há uma fatia daqueles que ganham muito menos do que outros mas que pagam a mesma taxa moderadora. Não é justo!
Esse é o debate. É evidente que se o debate for mal feito, passa a ser um debate simples entre os malandros que são liberais, que querem destruir o sistema de saúde e o sistema público de educação, e nós bons – e aí aparece José Sócrates com aquela cara de anjinho, como se não estivesse no Governo há 6 anos: “nós, os bons, que temos feito este magnífico sistema de saúde e de educação”.
Ou se canaliza o debate para o domínio correcto ou vamos nós passar o resto da vida a explicar “que aquilo que dissemos não foi o que dissemos” e as pessoas nunca perceberão, de facto, o que dissemos nós. Só percebem o que o PS disse que nós dissemos. Aliás é uma das tácticas de argumentação em qualquer debate.
Dr.Pedro Rodrigues
Muito bem, Tiago Alves do Grupo Cinzento
Tiago Alves
Boa tarde a todos e em especial ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.
Nós gostávamos de colocar uma questão relacionada com a Justiça, dado que nesta época de crise, tendo em conta aquilo que vemos na televisão, será um dos temas que mais nos preocupará. O professor disse que a social-democracia não impõe nenhum sistema, mas advoga a famosa separação de poderes. Ora, com a justiça e os tribunais debaixo de fogo, não só pela lentidão mas também por alguma suposta complacência para com acções menos próprias do poder político, pensa que temos de facto em Portugal uma efectiva separação de poderes? Será de facto o poder judicial independente do poder executivo em Portugal? Será um problema da Lei, da Constituição ou da social-democracia?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
A resposta é muito simples: não é um problema da social–democracia mas sim de Democracia. A Democracia supõe o respeito da independência do Estado e dos Tribunais, criando-se condições para os tribunais funcionarem. Se os tribunais não tiverem meios para funcionar a justiça é lenta, e justiça lenta não é justa. Depois as pessoas dizem que funciona tarde e a más horas e atribuem a culpa ao Juiz. E nós bem sabemos que não são os juízes definem os seus meios financeiros, não são eles que dizem quantos juízes é que existem, etc. São escolhas dos políticos, do Governo e das maiorias parlamentares.
Portanto, definidas essas condições, o Governo deve respeitar a independência dos juízes. O que se passou foi que este Primeiro-ministro entrou logo à cabeça com uma orientação que eu acho populista. A diferença entre popular e populista é que popular tem a aceitação e o apoio do povo. Populista é aquilo que é criado à força, para independentemente de estar certo granjear o apoio popular.
Então o Governo não se lembra do que prometeu?
Prometeu farmácias completamente diferentes e que depois o que acabou por acontecer?
Prometeu que as férias judiciais iam ser reduzidas porque os juízes tinham férias a mais. O mesmo Governo volvidos anos teve de recuar, porque não funcionava. Mas depois para não admitir que recuava, inventou um sistema nunca visto, que foi o de propor que os processos se suspendessem para além do período que ia dar de férias. “É o gato escondido com o rabo de fora!”
Mais grave, a meu ver é, a forma como os políticos em forma geral, e este Governo abusou, reagem em relação a decisões da justiça. Faz parte do respeito pela independência da justiça, o respeito pela independência dos juízes, e dos tribunais e da investigação, nomeadamente da investigação criminal.
Vimos muitas vezes responsáveis do PS ou do Governo, dizendo sempre que respeitavam imenso a separação de poderes, mas na prática faziam remoques, críticas, davam indirectas, reagiam mal ao funcionamento normal da justiça… isso foi um péssimo exemplo.
O desgaste aumentou em relação à justiça portuguesa, e não é bom num Estado Democrático quando de repente as instituições começam a ser objecto de juízos críticos de descrédito.
Os juízes têm de ser uma referência, os tribunais têm de ser uma referência, e portanto aquilo que se pede aos governos, e em particular a este Governo, é que dêem condições para que os juízes funcionem e a justiça não seja uma justiça atrasada, e portanto injusta. E que não estejam permanentemente a pensar como politizar a justiça, e uma das tácticas para o fazer é dizer que a justiça está ela própria a politizar-se. Não quer dizer que não tenha havido exemplos infelizes de intervenção pública de magistrados que deveriam estar calados. Agora não há comparação com o que o Governo politizou a justiça. O Governo politizou a justiça muito mais do que a justiça se politizou. O Governo, como dizia o nosso amigo Marques Mendes, politiza a justiça e depois faz-se de vítima.
Dr.Pedro Rodrigues
Nuno Santos, Grupo Roxo
Nuno Santos
Boa tarde a todos. Caro Prof., o Grupo Roxo também agradece e muito a sua presença nesta UV de 2010. Sobre a Social-democracia nós precisamos sempre do contexto e das visões dos mais experientes como é o caso. Poderíamos fazer política sem as visões das figuras emblemáticas do nosso partido? Podíamos mas não seria a mesma coisa!
A nossa pergunta é: qual é a melhor forma de abordar e comunicar com os jovens sobre os valores da social-democracia? A Universidade de Verão é um exemplo por excelência disso. A formação sub-18 da JSD também está no terreno, com esse objectivo, mas na rua falta mais qualquer coisa, qual seria a melhor forma de comunicar?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Eu acho que a questão dos jovens, a questão dos media e a questão dos debates culturais são 3 questões que devem preocupar do ponto de vista doutrinário o PSD e os sociais-democratas. São áreas muitas vezes são descuradas. A ideia não é controlar os media. Isso é uma estupidez, não faz sentido e é antidemocrático. A ideia não é controlar a intelectualidade, nem os jovens, mas é intervir nessas áreas. Não podemos pecar por omissão.
Como é que se intervêm nos jovens? Eu acho que os jovens preferem um bom exemplo a mil palavras, de palavras estão um bocadinho cheios. E portanto a melhor maneira é fazer movimentos de voluntariado, é fazer IPSS’s, jovens que intervêm em questões económicas, culturais e sociais, que lutam por causas, causas locais, causas nacionais. E se houver aí um social-democrata, ou vários, dá para perceber o que é a social-democracia. Se eles estiverem lá, como no domínio dos sindicatos, das cooperativas, se estiverem lá, estão a fazer social-democracia.
Portanto embora o debate teórico seja muito interessante, e em termos académicos seja fascinante, aquilo que convence as pessoas, sobretudo os mais novos, é a prática. Portanto, estejam presentes em tudo onde poderem estar: na vossa escola, no vosso local de trabalho, na vossa rua, no vosso bairro, na vossa vila, em todas as obras. E estejam de forma gregária, não isolados! Não estejam para tomar conta de, para partidarizar, para se transformarem em correias de transmissão. Pelo contrário, estejam para mostrar o que é um testemunho social-democrata.
Esta era a via que escolhia. Quando era mais novo foi a via que tentei seguir, e que tentámos seguir. Nuns casos dá mais resultados, noutros dá menos. Tem de haver espírito ecuménico, com outras pessoas e orientações. Ou sem orientação nem ponto de vista doutrinário e ideológico, mas façam mais do que teorizar.
Dr.Pedro Rodrigues
Grupo Bege, Tiago Cartaxo.
Tiago Cartaxo
Muito boa tarde a todos.
A nossa pergunta baseia-se fundamentalmente na actual situação de crise de que tanto se fala no País e no Mundo. E esta pode ser uma oportunidade para o PSD. O PSD tem sido avisado por grande parte da opinião pública, para não criar uma crise política, seja pela revisão constitucional ou pela própria votação em relação ao Orçamento de Estado. A nossa pergunta era: qual considera ser o momento ideal para criar uma crise política? No fundo, qual o momento certo para o PSD mostrar que se deve ir a eleições ou convencer o Governo a ir a eleições, ou convencer até o Presidente da República? Obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
É uma pergunta difícil, de resposta difícil. Mas, eu diria que neste momento perduram os efeitos da crise financeira. E portanto, tenho defendido e continuo a defender que seria uma irresponsabilidade suscitar uma crise política. Podia provocar dissolução e eleições nesta fase de crise financeira.
Até ao próximo Orçamento de Estado não faz sentido estar a provocar essa crise!
Mas, já com o Orçamento de Estado? Faz sentido? Uma crise provocada pelo Orçamento de Estado é uma crise muito difícil de entender pelos portugueses.
E, como sabem, não é possível dissolver nesta fase. Seria uma crise de gestão lenta. Estamos a falar de eleições no fim da Primavera, na melhor das hipóteses, com consequências complicadas, como seja o Orçamento deste ano ser de duodécimos para o ano que vem.
Ou só haver um orçamento no Verão do ano que vem. Não é apetecível para nenhum Governo.
Se a crise é mal provocada permite a vitimização do Governo, portanto complica ainda o resultado eleitoral. Eu percebo a dificuldade de compatibilizar as expectativas de mudança de muitos sociais-democratas e de muitos portugueses.
É difícil e ter uma mensagem que permita cobrir tudo isto. Queria acrescentar mais uma coisa, que não disse, que é a seguinte, temos de estar sempre atentos porque o Primeiro-ministro Engenheiro José Sócrates, da mesma maneira que faz tudo para nos colar aos aumentos dos impostos, que foram aprovados, fará tudo para nos colar aos cortes de despesa que venham resultar do Orçamento do ano que vem. E portanto, a repetição de uma posição de princípio que é lógica – devia-se cortar despesas e não apenas aumentar impostos – se não for bem explicada tem um grande risco.
Devemos sempre calcular que os adversários são sempre mais malignos, menos ingénuos do que nós gostamos de acreditar.
Dito isto já perceberam que não é fácil a gestão. Eu não sou um entusiasta para se avançar às cegas para uma crise a propósito deste Orçamento. É o que se chama um tiro no desconhecido.
Dir-me-ão: mas isso é uma grande maçada porque nunca mais corremos com o homem! Será que isso quer dizer que na próxima UV ele ainda aí estará? Será que é nessa UV que aparecerão as futuras estrelas firmamento governamental do PSD para o período seguinte? Será que esta UV é um aquecimento para isso? Eu não queria desiludi-los tanto quanto isso.
Creio que muito mais facilmente interessaria ao PSD fazer um percurso calmo e tranquilo até ao final de 2011 e começo de 2012, do que arriscar tiros no escuro antes desse momento. Dito de outra maneira, eu não sei se é mais fácil ou mais difícil viabilizar o Orçamento de 2011 ou 2012, não sei, e por onde passará a imaginação do próprio José Sócrates, mas é evidente que seja mais fácil de fazer entender aos portugueses que a questão se coloca a propósito do Orçamento para 2012, mais do que a propósito do Orçamento para 2011.
Isto é a minha intuição política mas, como digo, há como tudo na vida prós e contras e a decisão terá de ser tomada lá para Novembro.
Como eu defendi que o País espera que nós tenhamos a oportunidade de estar mais do que dois anos e meio ou três para podermos ir mais longe, creio que a preparação naturalmente tem de ser um bocadinho maior.
Dr.Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Sofia Manso do Grupo Amarelo.
Sofia Manso
Boa tarde a todos. Antes de mais um cumprimento à mesa e em especial à presença do Prof. Marcelo. Na parte que nos toca, queria agradecer as palavras direccionadas à JSD, sabemos bem como é bom ouvir um incentivo à nossa posição. Relativamente à pergunta do Grupo Amarelo, vem muito da referida compreensão do passado para entender o presente e de certa maneira prever ou antever aquilo que se vai passar no futuro.
Assim, olhando para o cenário geral e para aquilo que se passou na Europa, encontrámos uma Inglaterra com Churchill que sucedeu aNeville Chamberlain, Margaret Thatcher que sucedeu a James Callaghan e Cameron a Gordon Brown. Em Espanha, apercebemo-nos que Aznar sucedeu a González e depois surgiu Zapatero que neste momento também se encontra em fim de ciclo. Todos eles sucederam a crises, a nível económico e social.
No caso português, encontramos Cavaco que sucede a Soares, Durão Barroso a Guterres e para além disto o futuro o dirá. No fundo aquilo com que nos deparamos enquanto grupo é que a Social-democracia é sempre chamada a responder às crises, é chamada a dizer aquilo que nem toda a gente gosta de ouvir. Mas depois quando se atinge uma certa estabilidade porque é que é a social-democracia não consegue resistir e permanecer num Governo?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Eu não sei se sou tão pessimista assim, Cavaco Silva esteve lá 10 anos. Não lhe ia pedir que estivesse 30, não é? Além do mais perdíamos a oportunidade de o termos como Presidente mais 10. Não é preciso dizer que os ciclos são cada vez mais curtos. Noutros tempos era possível falar em 15 anos, 20 anos de governação. Hoje o tempo é mais acelerado. O segundo mandato é uma eternidade, e nesse sentido acho muito difícil hoje haver governantes que durem mais de dois mandatos. É muito difícil.
Assim como acho também que é indesejável ter governos de um mandato só.
O que aconteceu foi o seguinte: nós, PSD, subimos com Francisco Sá Carneiro ao Governo, sabemos a tragédia que ocorreu em Camarate, vimos como Balsemão com muito mérito aguentou a sucessão e fez uma Revisão Constitucional histórica. Este período somado dá praticamente uma legislatura. Essa legislatura não se renovou porque a coligação implodiu, não se manteve a mesma com Pinto Balsemão como foi com Sá Carneiro.
Depois com Cavaco temos um longo período de governação social-democrata. Com Durão Barroso temos um período mais curto, seguido de Pedro Santana Lopes mas com uma dissolução que veio pôr fim a essa experiência governativa.
Eu concordo consigo e com o que está implícito na pergunta. Era bom que o Governo liderado por Pedro Passos Coelho pudesse durar esses dois mandatos, e ser portanto um Governo duradouro, de 8 anos. Acho que o país precisa de governos reformistas, sociais-democratas e duradouros. Temos de criar condições para isso.
Depende de nós, temos de criar o que depende de nós. No que não depende de nós há naturalmente uma componente de sorte e de conjugação de factores externos e internos da política. Basta uma crise internacional ou uma mudança inesperada no contexto externo.
Uma coisa é certa, é hoje mais difícil governar do que era há 10 anos, e há 10 anos era mais difícil do que há 20. E portanto, temos de ter essa noção, há imponderáveis hoje na política que tornam muito mais difícil não só fazer a política como governar. Naquilo que dependa de nós, há que trabalhar para que o PSD chegue lá com maioria absoluta e para poder ter um Governo duradouro. É o que está implícito na sua pergunta. E agora vamos para o fatídico Grupo Rosa.
Dr.Pedro Rodrigues
Carla Nazareth, Grupo Rosa.
Carla Nazareth
Muito boa tarde Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.
O PSD tem como um dos seus valores a equidade social, no entanto hoje em Portugal estamos com envelhecimento demográfico. Temos cada vez mais idosos e menos jovens, o que faz também com que a população activa diminua. Será possível manter o Estado-Providência, daqui a 30 anos?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Duas respostas rápidas. Primeira tem toda a razão eu não falei nisso, tinha aqui para falar mas não falei. A aposta na natalidade, temos de rejuvenescer Portugal. Está envelhecer de forma preocupante.
Isso implica políticas de natalidade e de família. Este Governo fala muito nisso, mas ainda agora cortou nas prestações que diziam respeito ao domínio do apoio à família.
Segunda questão, é possível manter o Estado-Providência no futuro?
É possível e desejável manter o Estado Social, mas isso é diferente do Estado-Providência. O Estado-Providência foi uma construção extrema do Estado Social dos anos 60 e 70, em que se acreditava que o Estado iria ter capacidade económica e financeira ilimitada para pagar tudo. Porque as classes médias e as classes mais ricas, devidamente tributadas, cobriam as despesas sociais. Verificou-se que as classes médias mesmo quando não se degradaram ou deterioraram com as crises, não aceitam ir para além de um certo patamar fiscal naquilo que pagam ao Estado. Portanto, os vários Governos estão confinados entre dois limites. O limite mínimo que é o patamar social abaixo do qual é intolerável não haver prestações sociais à colectividade, e um limite máximo que é o máximo que as classes medias estão disponíveis para pagar em termos de impostos.
É possível salvar o Estado Social? É! Mas esse Estado Social é um Estado-Providência? Não é! É um Estado Social que descrimina de forma positiva as várias situações económicas e sociais, apoiando os que estão em situação de pobreza para saírem da pobreza, evitando que aqueles que estão perto da pobreza caíam nela, fazendo pagar acima disso, aquilo que são prestações sociais não essenciais, em função da capacidade de cada qual.
Determiná-lo é o ponto de debate político. Agora, é possível salvar o Estado Social? Este Estado Social é diferente do que foi o Estado Social dos anos 60 e 70? Certamente!
Dr.Pedro Rodrigues
Muito obrigado Senhor Professor, terminamos as questões dos grupos e começa o “catch the eye”.
Dep.Carlos Coelho
Deixem-me roubar só um minuto para vos dizer demos aos vossos ex-colega a oportunidade de fazerem perguntas. Eles estão a seguir em canal fechado à distância, por questão de principio estas sessões não são divulgadas em canal aberto.
Os ex-participantes da UV têm um código que lhes permite assistir e, agora, lançar algumas perguntas.
Avanço já com esta do João Matos, que diz que deixa uma pergunta algo subversiva: “Considerando aquilo que durante algum tempo se disse sobre o actual Presidente do PSD, relativamente ao seu pensamento ideológico mais liberal e também considerando o esboço programático que vai ser conhecido desde que assumiu a liderança do Partido, considera que a Social-Democracia corre o risco de perder o seu espaço dentro do PSD?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Resposta é não. O próprio líder do partido já teve ocasião de clarificar que aquilo a que atribuíam como uma viragem à Direita e uma viragem Liberal, não existia no sentido de desvirtuar a essência do programa social-democrata.
Dr.Pedro Rodrigues
Voltando à sala, proponho uma bateria de 3 questões, começando pela Raquel Pinto.
Raquel Ferreira Pinto
Boa tarde a todos. Gostaria também de agradecer a sua presença. Em nome do Grupo Laranja, coloco a seguinte questão: a participação cívica sempre foi um valor defendido pela Social-democracia. Ela é um dever e um direito potenciados pela nossa cultura. Logo a educação tem um papel fulcral. Olhando para a orientação que tem sido dada à educação nestes últimos 5 anos, que caminho tem sido este? A educação tem dotado realmente os cidadãos de mais competências, ou tem sido um caminho camuflado para uma massificação sem preocupações de rigor, como por exemplo o programa das novas oportunidades? Obrigado.
Dr.Pedro Rodrigues
Muito obrigado Raquel. Madalena Santos, Grupo Cinzento.
Madalena Nogueira dos Santos
Boa tarde. A social-democracia para o comum dos portugueses menos informado sobre a política, está relacionada com o capitalismo. Essa, como hoje já se comentou nesta sala de manhã, é uma associação pejorativa no nosso país. Qual é a maneira de mostrar que afinal social-democracia não é sinónimo de capitalismo, tout court, mas até um espaço apetecível para o Governo actual, sem que claro, não se caía na confusão e alimentar os medos do Bloco Central? E já agora, creio que o Senhor Professor vai de viagem nos próximos dias, por isso desejo uma boa viagem até Maputo.
Dr.Pedro Rodrigues
Vejo que estás bem informada sobre a agenda do Senhor Professor. Lília Martins.
Lília Bispo Martins
Muito boa tarde a todos os presentes. Pegando na questão da cartelização dos partidos, de que forma podemos fazer uso dessa situação para caminhar em direcção a acordos de regime em matérias de interesse para o País. E já agora, relativamente a que matérias podem ou devem os mesmo ser viabilizados? Obrigada.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Rapidamente, educação. Eu penso que este Governo ficou aquém daquilo que era desejável no pré-escolar, tal como no Básico (embora tenha tido inovações pontuais positivas), ficou muito aquém no secundário, fez uma reforma no superior em parte experimentalista, privilegiando alguns pólos em detrimento da generalidade do ensino superior.
Tem pontos de inovação positivos mas não com uma visão de conjunto. Por outro lado tratou pessimamente a questão dos professores, utilizou os pais como aliados preferenciais mas não lhes deu peso efectivo, como não o deu aos alunos nas políticas que definiu.
Finalmente, tendo aspectos positivos na preocupação como as tecnologias da comunicação, utilizou-as como campanha eleitoral, e nos programas de valorização intensiva, como as novas oportunidades, que assim são bons, se prestaram várias vezes a utilizações meramente de campanha, o que é pena porque desvirtuaram ou enfraqueceram uma ideia que era positiva para a sociedade portuguesa.
Portanto o balanço global, muito ligado à Ministra da Educação, é um balanço que fica longe das promessas, longe das necessidades do País. E é isto Raquel.
Madalena se quiser vir para Maputo, talvez se arranje um lugarzinho numa mala, como é pequenina, simpática e tal. O Capitalismo é um regime económico em que há o primado da iniciativa privada e há persecução de interesses particularistas na produção e na distribuição dos bens económicos. O regime económico alternativo ou nunca chegou a existir – muitos consideram que o que houve foi capitalismo de estado - ou se chegou a existir falhou, porque nunca foi capaz de coexistir com a Democracia
O que se chamou uma alternativa ao Capitalismo acabou. Era um sistema de direcção central, acabou por sempre viver associado a uma Ditadura, e uma ditadura particularmente feroz em vários momentos da sua existência. Portanto na prática nós tivemos - com raras excepções de regimes de transição - Capitalismo com Democracia em quase todos os países do Mundo.
Vejam que dentro do regime económico capitalista há várias formas, de lidar com a realidade económica e social. Há aqueles que acham que o mercado em si mesmo garante o óptimo económico e social, e que o Estado deve reduzir ao mínimo a sua forma de intervenção, quer no plano interno quer no plano internacional. Nós, sociais-democratas não temos essa posição, entendemos que o mercado tem virtualidades mas tem limites. Que a iniciativa privada tem virtualidades mas não esgota a realidade colectiva. Que há lugar acrescente no sector social, que há um papel em que o Estado não se pode meter. E que portanto, tem de haver regras de jogo, como tem de haver formas de intervenção do Estado.
O ponto é saber qual é a forma de intervenção. E não nos satisfazemos com a ideia fácil, como fazem os liberais, de baixar os impostos aos ricos e cortar as prestações sociais aos pobres. Isso, para nós não faz sentido, porque o nosso objectivo é democracia política como democracia económica e social. Não é só a democracia política à custa da económica e social.
Dir-me-á: mas é em capitalismo? Supera o capitalismo? Esse era o grande debate dos anos 60 e 70, nomeadamente nos países nórdicos. A pratica tem mostrado que é corrigindo, limitando e condicionando os excessos do capitalismo. Não se tendo ainda agora encontrado uma fórmula que supere o capitalismo para outro sistema, a via será certamente não aceitando a visão maximalista do capitalismo e maximalista do liberalismo.
Não porque em Portugal haja uma renitência a isso, embora ela exista, mas porque da óptica social-democrata não é esse o nosso objectivo.
Finalmente a Lília. É difícil falar de acordos de regime nesta fase porque já só pensamos numa alternativa ao Governo que existe. E perdeu-se a oportunidade de um acordo regime. Por natureza a Revisão Constitucional é um acordo regime. O que lá está deve ser objecto de acordo de regime. Mas eu acho que obviamente a política de defesa devia ser objecto de acordo de regime, a política externa e nela a política da lusofonia, a política atlântica e a europeia devem ser objecto de acordo de regime. Eu sou defensor de que a política da justiça devia ser objecto de acordo de regime, e lamento que o pacto da justiça tenha falhado o seu objectivo, por culpa do PS.
Quando fui líder fui mais longe e tentei fazer um acordo de regime sobre a educação, achei que seria bom que perdurasse além dos vários governos, das várias orientações dos vários governos…
Já acho mais difícil, haver um acordo regime em matéria de saúde ou segurança social, mas em matéria de educação era bom que houvesse. É sobretudo nos domínios básicos da intervenção do Estado, no plano externo e no plano interno, que os acordos de têm a sua lógica. Mas é preciso haver disponibilidade para isso. Infelizmente a conjuntura política portuguesa não está muito nessa linha.
Dr.Pedro Rodrigues
Luís Bacalhau, Diogo Rodrigues e Fernando Gomes.
Luís Bacalhau
Boa tarde a todos. Esta perguntar é mais para descomprimir: com quem gostaria de jantar hoje? Falo numa figura histórica que não tenha conhecido e porquê essa pessoa?
Diogo Rodrigues
Boa tarde. Eu gostaria de lhe perguntar se faz sentido haver um outro candidato para as presidenciais à direita. Eu vi nos seus comentários na TVI que tinha falado no nome de Santana Lopes. Será que é a pessoa mais indicada? Não será que a sua imagem pública ainda está um pouco manchada quando foi destituído do cargo de Primeiro-ministro? Não acha que podem existir outros nomes mais indicados para além dele? Obrigado.
Fernando Gomes
Boa tarde. O Professor disse-nos hoje algo que concordo: o Professor Cavaco Silva foi o líder mais representativo da social-democracia do PSD. Disse-nos também que Dr. Passos Coelho, nosso líder, vai ser Primeiro-ministro um dia. Estou perfeitamente de acordo consigo.
Será que esta nova social-democracia do século XXI, representada neste momento pelo Dr. Pedro Passos Coelho, em que todos nós sentimos incluídos, vai conseguir cumprir o desígnio nosso fundador: uma maioria, um Governo e um Presidente? Obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Com quem é que eu jantava? Com imensa gente! Mas talvez escolhesse o Churchill. Ele tem um percurso muito curioso. É um lutador, um homem peculiar, às vezes parece um pouco diletante. É um lutador nos momentos cruciais, apesar de ser muito acusado de anticomunista no período final, mas também viveu Yalta e a divisão do Mundo com um presidente americano fraco que cedeu muito a Estaline.
Teve ainda a sorte, que é muito rara em política, de ser reconhecido pelos contemporâneos ainda vivo. Ainda lhe deram a chance de, já velhinho, ser Primeiro-ministro Inglês, e de sair em grande, afastar-se em grande. Já um bocadinho diminuído na parte final. Não é muito vulgar: normalmente é depois de mortos que os políticos são reconhecidos como notáveis.
Depois temos uma pergunta muito actual: deve haver ou não um candidato à direita. Eu acho que não. Se já temos tantos problemas, não vale a pena inventar problemas que não existam.
Estamos a falar de uma eleição que praticamente está ganha, em que a esquerda se encarregou de criar os maiores sarilhos possíveis e imaginários, por que motivo hão-de o centro-direita e a direita, de repente, fazer esse favor!
Não se gosta do candidato? Há ajustes de contas? Houve coisas do passado que não correram bem? É verdade, mas não é o momento para isso! Há tantos momentos para fazer esse ajuste de contas.
Portanto, eu diria que não vale a pena criar um problema onde ele não existe, e nem vale a pena discutir nomes porque minimizam os próprios, que têm um percurso com que concordámos ou discordámos em alguns momentos, mas têm um papel.
O caso de Pedro Santana Lopes: foi antigo Primeiro-ministro e gostem ou não gostem, ele é antigo Primeiro-ministro! Tem esse pecúlio e deve ser respeitado por isso! E ele é uma realidade existente num partido político e com o que se deve contar.
Mas eu diria que não vale a pena sobre nomes
A terceira pergunta é complicada. Será que o país hoje já aceita um Presidente e uma maioria de governo de centro direita? Sendo que não houve em rigor de esquerda...
Temos o caso do General Eanes, que era um militar e portanto não se pode dizer que fosse um político da esquerda partidária. Mesmo quando Jorge Sampaio foi eleito, António Guterres não tinha maioria, tinha uma minoria muito forte, mas não tinha maioria, nem teve a seguir, ficou à beira da maioria, por um deputado, mas não teve. Será que é possível à direita, ninguém sabe…, e essa é uma questão estratégica muito curiosa. Temos de trabalhar para isso.
O PSD tem de trabalhar para uma maioria absoluta. Era clarificador, não quer dizer que não se pode só fazer coligação, mas é diferente do ponto de vista da homogeneidade programática ter uma maioria absoluta ou não ter. Os portugueses sabem isso pelo que não vale a pena dar tiros no escuro. Podermos esperar mais algum tempo, para termos algum resultado.
Agora explicar isto a muito laranjinha… não é fácil, os laranjas andam frenéticos como é natural, porque não é fácil aguentar muito mais tempo José Sócrates, que auto-alimenta o seu ego e a si próprio.
Ainda não era secretário-geral do partido e já olhava para o espelho e dizia “eu sou bonito ou não sou bonito?”, quando era uma bruxa má.
[RISOS]
Isabel Pinho
Boa tarde a todos. Em nome do Grupo Encarnado gostaria de agradecer mais uma vez a sua presença e colocar a seguinte questão: há pouco referiu que relativamente às taxas moderadoras, quer seja no âmbito da saúde, quer seja nas propinas do ensino, ou em qualquer outro serviço que o Estado preste aos cidadãos, considerava que a justiça social se completava quando as pessoas que ganhavam mais pagavam uma taxa superior às pessoas que ganhavam menos. Nesse âmbito, e ainda bem que o PSD permite uma diversidade de opiniões, eu penso um bocadinho diferente.
Penso que a distribuição dos rendimentos se faz logo à partida através da progressividade das taxas de IRS. E a partir daí penso que se tornará justo que as taxas moderadoras sejam iguais para todos uma vez que as contribuições são diferentes à partida.
Tendo em conta que as fronteiras da social-democracia não são estanques, será que a minha posição é social-democrata? Por outro lado, tendo em conta os cortes orçamentais que são inevitáveis neste momento ao nível da despesa pública, será que na prática existe viabilidade para seguir esta perspectiva? Muito obrigada.
Ricardo Carvalho
Boa tarde a todos, boa tarde Sr. Professor, a minha pergunta é em jeito de desafio: no âmbito do PSD e da social–democracia portuguesa, gostaria que definisse o que é sersocial-democrata numa só frase.
Ricardo Lima
Antes de mais boa tarde ao professor Marcelo. Eu sou do grupo encarnado mas acrescento que rejeitamos o marxismo! O professor disse que para si o mais social-democrata dos nossos líderes foi o Professor Cavaco Silva...
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Provavelmente!
Ricardo Lima
… então, se as experiências socialistas e comunistas provaram que igualdade sem liberdade, é efémera e de social não tem nada, e como já dizia o nosso anterior orador, sem criação de riqueza é impossível um bem-estar social, será que podemos dizer que o nosso actual líder – porque se empenha tanto na defesa das liberdades individuais, da liberdade de escolha na saúde, educação, no apoio ao sector social, na iniciativa privada, e rejeita o populismo – é o mais social democrata dos nossos líderes desde Cavaco Silva?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Isabel, é claro que é uma posição da social-democracia, é evidente! E se não fosse a situação económica e financeira do país provavelmente até seria uma solução simpática nomeadamente para as classes médias. O problema é que o país está na situação económica e financeira em que está, sendo preciso aumentar o financiamento do sistema de saúde.
Eu penso que a forma justa é sobrecarregar um pouco aqueles que já pagam taxas elevadas de IRS, que é o meu caso. O IVA é mais imediato mas é menos justo, mais cego.
É, então, uma solução social-democrata, porventura sacrificável em função daquela que eu propus para este período que vivemos na sociedade portuguesa.
Depois temos o Ricardo que pediu uma frase.
“Defender as liberdades pessoais e políticas, construindo a igualdade por uma via reformista, com empenhamento social constante, e num espírito de solidariedade, em relação a todos, mas privilegiando os mais explorados e oprimidos”.
Agora passemos para Passos Coelho.
Ricardo, o problema é o seguinte, eu quando disse que, e hesitei ao fazer aquela qualificação, mas já sei que corro o risco de ofender imenso e vou ofender imensos amigos meus que acharão ser mais social-democratas que Cavaco.
Eu acho que Cavaco Silva teve um percurso. A generalidade dos líderes do PSD, vieram da intelectualidade, da média alta burguesia. Cavaco Silva, vem da pequena burguesia não intelectual e eu acho que essa biografia marcou-o muito no seu percurso político. E o momento em que exerceu o poder proporcionou um papel na intervenção do estado em termos económicos e sociais que já não é o mesmo de hoje, e não era o mesmo no tempo de Sá Carneiro.
Por esse conjunto de razões – e os mais 50% que obteve de votos dos Portugueses não são alheios a isso – a imagem que eles têm de Cavaco Silva não é a de um homem da direita, é a de um homem que qualificariam de centro-esquerda, embora tenha liderado um partido, com o centro de gravidade no centro-direita.
Quanto a Pedro Passos Coelho ser o mais social-democrata após Cavaco, já viu bem a cara de Manuel Ferreira Leite, Marques Mendes, Luís Filipe Menezes, Pedro Santana Lopes e Durão Barroso se eu disser que Passos Coelho é mais social-democrata que eles?
Cada qual viveu a social-democracia de acordo com o seu percurso.
Durão Barroso era um homem de formação essencialmente jurídico-política de visão externa; Pedro Santana Lopes essencialmente jurídico-política de visão interna; Marques Mendes é muito sensível às questões políticas e jurídicas, mas também abriu muito por exemplo ao combate à corrupção; Luís Filipe Menezes deu uma componente mais exterior à visão dos líderes; Manuel Ferreira Leite tinha uma visão mais economicista e financista, própria da sua formação.
De Pedro Passos Coelho acho que os seus grandes trunfos são: primeiro é muito intuitivo, é muito intuitivo politicamente. Mostrou isso quando era presidente da JSD, não era fácil gerir com independência uma JSD com Cavaco a líder do partido e como Primeiro-Ministro. Era preciso um talento monumental, não isento de atritos periódicos, de parte a parte, mas que dão um encanto peculiar à política; em segundo lugar é uma pessoa disponível para aprender, como mostrou na sua vida e já numa fase avançada da sua vida, e tem humildade para ouvir as pessoas e fazer um percurso de valorização pessoal.
Depois, é muito solidário, é um pai excepcional e foi-o no momento que é mais difícil sê-lo: quando se é jovem e quando se é presidente da JSD. E quando outros jovens o convidariam para aquilo que é próprio naquela idade, que são as borgas, os convívios, ele de facto foi de uma dedicação, de um atomismo, de uma disponibilidade, que mostram um fundo moral muito bom.
Dir-me-ão que isso não têm a haver com a social-democracia, mas tem uma magnífica imagem, o que ajuda a social democracia
[RISOS]
É evidente que a social-democracia com boa imagem é mais fácil.
Enfim, tem um conjunto de características. Na parte doutrinária e ideológica, eu acho que ele está num período difícil em encontrar um caminho e a definir um caminho. Precisa de tempo, precisa de tempo, no meio de solicitações muito diversas, cá no partido, gente que diz, é preciso ir mais longe nos domínios das liberdades, e é, na liberdade de ensino, como na liberdade dos temas sociais, é preciso ir mais longe; depois há gente que diz que não.
Mas a parte social é muito importante, de mim não é demais pensar que nós temos uma componente sindicalista muito forte no partido.
Os jovens querem é novos temas, ligados às novas tecnologias, à qualidade de vida, aos novos programas ambientais e outros, fundamentais, mas o partido é muito velho, embora não se note, porque os mais velhos participam menos na vida política, mas os votantes são mais velhos. Portanto à temas como a autoridade ou como a estabilidade política que são muito sensíveis, fazer o equilíbrio disto sem roturas geracionais, com mudanças geracional, mas sem roturas, porque ele é muito jovem apesar da idade que tem.
Quando chegar ao poder, chegará mais velho que Cavaco Silva chegou, e ninguém dizia que Cavaco Silva era jovem, mas tem um espírito jovem.
Certamente é social-democrata. Se é mais social-democrata que todos os líderes anteriores, eu aí não vou comprar essa guerra, alguns deles já gostam muito de mim, não vou aumentar a paixão que têm por mim.
Miguel Gaspar
Sr. Professor Marcelo mais uma vez muito obrigada, pela sua presença na Universidade de Verão.
Actualmente temos um estado grande e pesado, eu arrisco mesmo a dizer que é um monstro, tem mais de 700.000 funcionários.
Se pudesse extinguir três ministérios, quais escolheria?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Mas eu não extinguiria nenhum ministério, eu resolvia de uma outra maneira, eu acho que o problema não é extinguir os ministérios, o problema é dentro dos ministérios! Extinguir serviços, institutos, fundações, extinguir as mais diversas instituições que se imaginaram.
Agora há fundações privadas de utilidade pública, que se somam às fundações de utilidade pública. Todos os dias aparece mais uma.
Acho que tem de ser uma coisa transversal, cortes nos vários ministérios, independentemente eu dar uma volta nos nomes dos ministérios e nalguma orgânica dos ministérios, mas não ia para esse desporto de dizer que extingo esse, aquele e o outro.
E levava essa mudança mais longe: o poder local também está muito pesado, e isso ai é mais complicado para nós, porque o PSD se tornou no grande partido do poder local.
Multiplicaram-se as empresas municipais, qualquer dia o que sobra para a autarquia local não é nada, porque há uma empresa para os espectáculos de fado, outras para os concertos rock, outras para gestão do lixo. Eu ia, portanto eu ia mais por outro caminho, como fizeram agora os ingleses: eles têm a grande vantagem de não estar a olhar aos amiguinhos, companheirismos, e tal.
Eu arrumaria o governo de forma diferente: o problema não são os ministros e os secretários de estado, são os gabinetes, que nunca mais acabam, cada vez que eu me lembro que na ditadura, o meu pai era Sub-secretário de Estado da Educação e tinha um secretário, não tinha sequer Chefe de Gabinete. Depois quando pôs um adjunto foi um escândalo…
Em democracia é uma verdadeira panóplia de assessores e adjuntos disto e daquilo.
Vocês não defendam esta teoria! Quando chegarem ao governo não se candidatem para assessores e adjuntos de membros de governo, porque depois isso é que é um partido de cartel.
Nós passamos a vida a teorizar uma coisa na oposição, e depois quando chegamos lá, não há lugares que cheguem para a clientela que aparecem na tomada de posse do PM.
Bom, vou dar a palavra ao Vosso reitor, que já é praticamente honorário. É simultaneamente efectivo e honorário!
Gostei muito, foi talvez das vezes mais participadas no ponto de vista de perguntas selvagens. As perguntas foram bem pensadas e contidas quer as primeiras quer as últimas, e foi possível rentabilizar o tempo mais do que é costume.
Muito obrigado!
[PALMAS]
JSD! JSD! JSD!
PSD! PSD! PSD!
PORTUGAL! PORTUGAL! PORTUGAL
É a hierarquia das coisas.
[PALMAS]
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, em nome de toda a UV.
10.00 - Avaliação da UNIV 2010
12.00 - Sessão de Encerramento da UNIV
13.00 - Almoço com participantes de anteriores UNIVs