ACTAS  
 
9/1/2010
Jantar-Conferência com o Prof. Doutor Miguel Maduro
 
Dep.Carlos Coelho

Sr. Professor, Doutor Miguel Maduro, Sr. Dr. Carlos Carreiras, nós temos uma tradição na Universidade de Verão que é iniciar cada jantar conferência com um momento cultural. Trata-se da escolha e da leitura de poemas pelos alunos da Universidade de Verão. Hoje vamos ouvir dois poemas escolhidos pelos grupos amarelo e roxo, o grupo amarelo escolheu “A cor da liberdade” de Jorge de Sena, escolheu este poema porque cada um pinta a liberdade da cor que quiser, nós escolhemos pintá-la de amarelo por ser a cor que nos identifica, que nos une e que dá voz às nossas ideias aqui na Universidade de Verão, no entanto não esquecemos que ainda existem pessoas, nos mais variados cantos do mundo, que não têm nem as tintas nem a tela para a pintar, na verdade nem sempre Portugal a teve, actualmente damo-la como adquirida mas lembremo-nos que para isso muitos tiveram que lutar por ela, não queiramos nós, hoje parar essa luta. O grupo amarelo vai apresentar “A cor da liberdade” de Jorge de Sena, que será lida pela Lilia Bispo Martins.

O grupo roxo, no seu conjunto vai apresentar-nos dois poemas, o poema "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" de Luís Vaz de Camões e o segundo poema, "Pelo sonho é que vamos" de Sebastião Gama. Qual é a justificação do grupo roxo? O grupo roxo diz-nos que nós queremos fazer, nós queremos ajudar a mudar, queremos mais e melhor e por isso olhamos para os melhores tal como Luís de Camões. Não podemos esperar algum de D. Sebastião, em tempos difíceis temos que ser nós, todos e nós queremos pelo nosso sonho, pelo nosso fado, deixo-vos pois com o grupo amarelo e com o grupo roxo.

 
Lília Bispo Martins

- Então o poema "A cor da liberdade" de Jorge Sena.

“Não hei-de morrer sem saber

Qual a cor de liberdade

Eu não posso se não ser

Desta terra em que nasci...

Embora ao mundo pertença,

E sempre a verdade vença,

Qual será ser livre aqui,

Não hei-de morrer sem saber.

Trocaram tudo em maldade,

É quase um crime viver,

Mas embora escondam tudo e me queiram cego e mudo,

Não hei-de morrer sem saber, qual a cor da liberdade”.

Muito Obrigada.

(palmas)

 

(música)

 

 Grupo roxo – “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança,

Todo o mundo é composto por mudança,

Tomando sempre novas de qualidades,…”

Grupo roxo – “…Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança,

Do mal que fique mágoas na lembrança,

 E do bem só não houve as saudades.

O tempo cobre os céus verde manto,

Que já foi coberto de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto”.

 

 (imperceptível)

(palmas)

 
Tânia Silva

Muito boa noite a todos, quero antes de mais dirigir um cumprimento aos membros da mesa, ao Reitor da Universidade de Verão Carlos Coelho, Presidente da Comissão Política Nacional da Juventude Social-Democrata, Pedro Rodrigues, aos quais desde já queremos agradecer por nos estarem a proporcionar uma semana muito rica em termos de aprendizagem e marcada pela boa organização; ao Presidente do Instituto Francisco Sá Carneiro, Carlos Carreiras e especialmente queremos saudar o nosso convidado para este jantar, o Prof. Dr. Miguel Maduro, é com muita honra que o recebemos aqui esta noite.

O mundo do séc. XXI depara-se com inúmeros desafios e muitos deles estiveram na base, directa ou indirectamente, da elaboração de tratados, convenções, acordos ou protocolos internacionais. Os desafios relacionados com o ambiente ou com os crimes contra a humanidade são um exemplo disso mesmo, muitos destes desafios são também os desafios da União Europeia e o Direito Comunitário tem procurado embora com resistências por partes de alguns membros, responder aos mesmos. Para nos elucidar há cerca destas questões, destes desafios e da situação actual do Direito Internacional e Comunitário, não havia pessoa mais indicada para estar connosco esta noite. Apesar da sua jovem idade, o Prof. Miguel Poiares Maduro, conta com um longo curriculum na área do Direito, leccionando actualmente em algumas das mais prestigiadas universidades europeias, queremos assim dirigir-lhe uma palavra de grande apreço e de reconhecimento e por tudo o que alcançou até hoje e por tudo o mais que virá alcançar e terminar dizendo que apesar de ter pelo menos 43 anos, avaliando o seu curriculum, é com certeza um homem muito maduro...

(palmas)

 
Dep.Carlos Coelho

Sr. Prof. Dr. Miguel Maduro, Sr. Presidente do Instituto Sá Carneiro, Sr. Presidente da JSD, Sr. Deputado Matos Rosa, Sr. Director adjunto Duarte Marques, Srs. conselheiros, Srs. avaliadores, minhas Sras. e meus Srs., como a Tânia acabou de dizer o nosso convidado de hoje é um homem maduro, é um homem com 43 anos que se doutorou aos 29 e que desde essa altura até hoje, ensina ou ensinou nas escolas como a Universidade Nova de Lisboa - faculdade de Direito, a London School of Economics, o Colégio da Europa, o Instituto Ortega y Gasset em Madrid, o Instituto dos Estudos Europeus da Universidade Católica Portuguesa, os Institutos Europeus de Macau, a Yellow School, os centros de estudos constitucionais de Madrid, a Universidade de Chicago, a European Masters and Human Rights em Veneza em Itália, foi investigador convidado na Universidade Harvard, etc... etc... etc...

Mais do que o impressionante curriculum académico do Prof. Poiares Maduro é a circunstância de ele ser respeitadíssimo em toda a área do Direito e designadamente em todos os países europeus por onde passou, onde deixou a sua marca. Eu não vos digo isto à distância pela leitura do seu curriculum, digo-vos como testemunha privilegiada, enquanto deputado europeu muitas vezes nas comissões do Parlamento Europeu eram comentadas, analisadas as teses que o Prof. Poiares Maduro enquanto Advogado Geral do Tribunal de Justiça da União Europeia desenvolveu e os pareceres que assinou e que informaram grande parte das decisões mais relevantes do Tribunal de Justiça nos últimos tempos. Como português, foi um orgulho ver um compatriota a marcar a interpretação do Direito Europeu como ele o conseguiu de forma brilhante e magistral, como amigo, foi um privilégio acompanhar o percurso do Prof. Miguel Maduro. O nosso convidado tem como hobbie o hedonismo em geral, mas em particular o cinema, cozinhar e jogar futebol, eu já disse isso uma vez numa Universidade de Verão que a respeito de ele dizer que ele cozinha muito bem, eu não o posso avaliar, porque sempre que fui a casa dele foram outros a cozinhar, a comida preferida é a que está constantemente a ser reinventada, o animal preferido é o cavalo, o livro que nos sugere são dois, aliás é um, os filmes é que são dois, "Imperfect alternatives: Choosing institutions in law, economics and politics" o filme que sugere, "Mr. Smith goes to Washington" do Fernando Capra e "Unforghiven" do Clint Eastwood e a qualidade que mais aprecia nos outros é a honestidade.

Sr. Prof., eu tenho o privilégio de lhe fazer a primeira pergunta, como uma pessoa com a sua experiência de vida, podíamos fazer perguntas sobre Direito em geral, sobre Direito Europeu em particular, sobre educação, sobre justiça, sobre cozinha, sobre tantas coisas, tenho a certeza de que as perguntas dos diversos grupos, vão cobrir estas áreas e outras ainda, portanto permita-me fazer-lhe uma pergunta diferente: O Sr. é director do Global Governance Programe do Instituto Universitário Europeu de Florença, e nesta qualidade conseguiu uma coisa fantástica que foi juntar os legisladores, policy makers e académicos, frente a frente a discutirem as grandes questões da actualidade. De certa forma sob a sua batuta houve um encontro sobre homens da política e homens da ciência e na primeira reunião, esteve aliás com muito mérito o Dr. Durão Barroso que com a sua presença e o seu empenho validou a importância do programa que o Sr. Prof. está a dirigir. Creio que para início de conversa esta circunstância é muito interessante, o mundo da política e o mundo do direito, o homem político e o homem cientista, estamos a falar de coisas diferentes? Há um homem cientista diferente de um homem político e um homem político totalmente diferente do homem cientista, o que é que distingue e o que é que une estas duas realidades?

Minhas Sras. e meus Srs. para responder à minha pergunta e às vossas perguntas, o galardoado deste ano do prémio Gulbenkien-ciência, o prof. Dr. Miguel Poiares Maduro.

 

(palmas)

 

 
Prof.Dr.Miguel Maduro

Em primeiro lugar, queria agradecer por este convite por estar na Universidade de Verão, já é a terceira ou quarta, parece que é a terceira vez que estou presente, mas é a primeira vez que me dão de jantar... (risos). Quanto à pergunta quais são semelhanças ou diferenças entre um cientista e um político, eu acho que há uma semelhança imediata que eu encontro entre um cientista e um político: é que ambos têm um ego muito grande, (risos) os cientistas e os políticos vivem do reconhecimento dos outros embora o reconhecimento que procuram, procuram-no em comunidades diferentes. Os cientistas no fundo dependem do reconhecimento das suas teses, pela validação das suas teses da comunidade científica a que pertencem, os políticos no fundo, dependem de conseguirem convencer, de conseguirem captar a comunidade política em geral, os eleitores. Embora ambos vivam na procura desse reconhecimento, na procura de conquistar os outros para as suas ideias, fazem-no através de estratégias diferentes, de linguagens diferentes, de discursos diferentes. O discurso da ciência é um discurso diferente da política, o discurso da ciência é um discurso que muitas vezes tende a ser fechado que não é necessariamente uma coisa que é hermético, fechado quer dizer, um discurso que tem determinado código que depende da prática, da arte se quiserem, dos conhecimentos daquela ciência, é um discurso que frequentemente tem que ser complexo no sentido que nós, cientistas ou que eu por exemplo, costumo designar de metológicamente completo, tem de incluir todos os dados, todos os testes, todas as formas de validação. Enquanto o discurso de um político, é um discurso que tem que ser frequentemente ao contrário, um discurso simples e metafórico. Eu costumo dizer que um bom político e digo isto do ponto de vista externo, um bom político para mim tem que ser uma mistura de um cartógrafo, de um poeta e de um Juiz. Um cartógrafo, porque tal como um mapa é uma simplificação da realidade, que falsifica a realidade mas de forma controlada, mantendo-se ao mesmo tempo fiel a essa realidade, um político deve fazer o mesmo com as suas ideias, deve no fundo simplificar a discussão dos problemas sem simplificar os problemas, simplificar através das suas ideias as questões que tem de resolver mas sem as falsificar, essa é a diferença aliás entre um bom político e de um populista, essa simplificação se traduz ou não numa forma de falsificação da realidade, em segundo lugar, como vos dizia, um bom político tem que ser um bom poeta porque tem que ser capaz de no fundo criar metáforas que sejam representativas das suas ideias, consigam traduzir de forma simbólica para as pessoas as suas ideias, por um lado e por outro lado também tem de criar uma narrativa, ou seja tem de conseguir que essas diferentes ideias componham uma narrativa quanto a uma proposta para o país. Aliás se me permitem esse à - parte agora, eu acho que um dos grandes problemas com a actual discussão sobre a revisão constitucional no PSD, é que o PSD não conseguiu criar uma narrativa relativamente às propostas que fez quanto a essa matéria.

Por último como vos dizia em relação aos políticos, o político também tem que ser um juiz, não no sentido de um juiz como em direito, mas no sentido em que tem que partilhar uma competência ou uma capacidade que os juízes devem ter. Quando eu estive num tribunal, aquilo que mais me impressionou relativamente à vida como académico, foi a obrigação de ter de decidir, correr o risco de ter que decidir, e um político tem que ter essa capacidade também e tem que ter uma outra capacidade que resulta do fundo da ideia dessa associação que eu faço a um juiz que é um político não tem que saber tudo, (aliás eu acho que muitas vezes é um erro acharmos que os intelectuais dão necessariamente os melhores políticos). Um político tem que ter a capacidade é de ajuizar, aquilo que em inglês se diz de judgement, que é conseguir ouvir, saber onde ouvir e depois ter a capacidade de avaliar e de escolher as propostas certas. Mas existindo estas diferenças, no fundo há algo na procura das ideias que eu acho que tem que ser comum e é comum àquilo que faz um bom cientista e que faz um bom político e que no fundo é para..., corresponde para mim a um dos grandes problemas, quanto há natureza do discurso, quer científico quer político em Portugal. Eu costumo dizer que em Portugal há muitas respostas e muito poucas perguntas, a maior parte das pessoas tem respostas prontas para tudo mas muitas vezes não pensaram nas perguntas. E eu acho que aquilo que faz um bom cientista e que na realidade os políticos deviam procurar mais fazer também é saber colocar perguntas. Costumo aos meus estudantes de doutoramento dizer que há cinco perguntas chave e que eles têm sempre que fazer, a primeira é uma pergunta muito básica que é, PORQUÊ? Eu aliás este ano, nos meus seminários de doutoramento, no Instituto Universitário Europeu de Florença, este ano, no segundo semestre vou oferecer um seminário que se chama só "The Why Seminar", O Seminário do Porquê, e a ideia é desafiar, colocar em causa toda uma série de pré-compreensões que nós temos: porque é que os direitos fundamentais são bons? Porque é que a eficiência é boa? Porque é que necessitamos de justiça social? E pedi a pessoas que viessem desafiar essas ideias, isso não quer dizer necessariamente que eu me oponha a essas ideias, mas o que eu acho e é aquilo que eu costumo dizer aos meus alunos de doutoramento é, forçar-vos a justificar aquilo que vocês dão por assente, obriga-vos a articular as razões e portanto mesmo que cheguem à conclusão que era a conclusão de partida, cheguem a essa conclusão muito mais informados, muito mais capazes de argumentar e saber quais são as conclusões que deverão retirar desse pressuposto inicial, e eu acho que essa é a primeira pergunta...PORQUÊ?   Tudo deve passar por esse ponto de vista. A segunda é PORQUE NÃO?

E tem a ver com outro problema que eu encontro muito em Portugal, tem a ver com a incapacidade de tomar riscos. Eu acho que é muito importante correr riscos, só assim, e criar uma cultura do risco. Eu costumo dizer e aliás escrevi isso uma vez na altura em que escrevia no “Diário de Notícias”, escrevi até uma crónica que era só sobre isso, sobre a dramatização do erro, que em Portugal se dramatiza demasiado o erro. Acho que quem erra deve sofrer as consequências, mas isso deve implicar um juízo sobre o erro e não sobre a pessoa em si, porque aquilo que nós temos muitas vezes é um excesso de prudência em Portugal. Se alguém toma a iniciativa e as coisas correm mal é penalizada, se não faz nada não lhe acontece absolutamente nada, portanto isso é um incentivo para a inércia, um sentido para a falta de inovação, para a falta da capacidade de tomar riscos e daí que eu diga que na ciência é a mesma coisa. As ideias mais importantes partiram porque alguém perguntou PORQUÊ? e PORQUE NÃO?, partiram desses pressupostos muito simples. A terceira pergunta que eu acho fundamental sempre é, e que eu faço muitas vezes é, COM BASE EM QUÊ? Qual é a formação, quais são os dados que estão por detrás dessa questão, e isso faz toda a diferença. É o que faz a diferença entre as pessoas darem palpites ou darem opiniões. Eu acho que em Portugal, eu costumo dizer a brincar, nós somos um país de palpiteiros, há muitos palpites e poucas opiniões, dou-vos um exemplo de algo que até se traduziu numa mudança de legislação em Portugal e em que toda a discussão teve lugar sem que ninguém tivesse perguntado, COM BASE EM QUÊ sem que ninguém tivesse avaliado os dados de base, foi a questão da prisão preventiva, como sabem levou há alteração de legislação. Em Portugal as pessoas vivem ainda hoje, muitos estão convencidos que realmente Portugal é um dos países da Europa que tinha uma das maiores taxas de prisão preventiva, e eu uma vez por curiosidade, lembrei-me de ir ver os dados, realmente, ver os dados ao Conselho da Europa, ao site, está lá o relatório sobre a comparação e depois realmente olhando os dados estatísticos puros, se olhassem só poderia dizer que Portugal era, mas depois vocês têm dados que vos explicam de onde é que aquelas percentagens resultam e a explicação era muito simples, é que em Portugal, alguém que é condenado em primeira instância e recorre, é considerado como estando ainda em prisão preventiva e na maior parte dos outros Estados europeus isso não é assim. Ora é óbvio que isso ia multiplicar a percentagem de portugueses que eram considerados como estando em prisão preventiva e no entanto ninguém disse isso, ninguém estudou essa questão e estivemos nós a discutir sempre com o debate completamente dominado por uma informação de base que no fundo determinou a resposta que foi dada, a um problema que se calhar nem sequer existia, portanto, aquilo que eu vos digo é, perguntem sempre isso, COM BASE EM QUÊ? de onde é que vem a informação? qual é a informação? quais são os dados?.

 A quarta questão, que nos obriga a questionar a nós próprios, é aquilo que eu digo que é como bater na nossa preguiça mental, que é questionar as próprias questões que nós colocamos, isso implica no fundo muitas vezes inverter a própria pergunta aquilo que nos... Eu ontem vinha de Oslo, vinha no avião e vinha a ler um artigo que era sobre uma questão de justiça, nesse caso segurança até, sobre a videovigilância, era sobre a videovigilância e o artigo terminava dizendo bem... "Não podemos, não se podem tirar conclusões de que a videovigilância"… eu aliás, não tenho nenhuma posição definida a esse respeito, mas dizia “…não se podem tirar conclusões que a videovigilância na realidade ajuda a aumentar a segurança porque não foram muitos os casos que foram resolvidos no Reino Unido, que é o que tem o sistema mais, com base na videovigilância”. A questão imediata que me ocorreu é, basta essa, essa é única pergunta que fazem? Então se calhar houve poucos casos resolvidos com ajuda da videovigilância precisamente porque havia videovigilância e portanto não há crimes que ocorrem em primeiro lugar, mas atenção isso também não é suficiente porque nós até podemos com base nisso chegar à conclusão que a videovigilância até previne a ocorrência de crimes, e é por isso que eles depois não existem. Mas depois ainda temos que fazer mais perguntas porque se calhar isso também indica que a videovigilância pode criar é uma transferência, se calhar não ocorrem crimes nas zonas onde são videovigiadas mas noutras zonas. Estou-vos a dar apenas um exemplo de como nós não nos podemos satisfazer com perguntas e que criem vícios lógicos deste tipo, aliás estavam a falar de futebol, eu dou muito esse exemplo de uma questão de futebol que se vê sempre, que é de um vício lógico desse tipo relativamente como há forma como a questão é colocada, que é sempre o exemplo do Porto que é dado, que é, o Porto é a equipa que venceu mais títulos e é a equipa que tem mais estabilidade em termos de treinadores, logo a estabilidade de treinadores promove a conquista de títulos, basta inverter a pergunta, se quiserem, se calhar o Porto tem mais estabilidade de treinadores porque ganha mais títulos, não é?

Para nós estudarmos essa questão por exemplo, temos é de ver nos períodos em que o Porto não ganha títulos, tem ou não, mais estabilidade de treinadores do que as outras equipas, isso sim é que nos pode responder a essa questão, mas isto é apenas para vos dar um exemplo do como é a importância que é de colocarmos as questões correctas, se não contaminamos todo o debate.

A última coisa que eu costumo dizer aos meus alunos do doutoramento, já vos disse, é PORQUÊ? PORQUE NÃO? COM BASE EM QUÊ? Questionem as vossas perguntas e a última é sempre QUAL É A ALTERNATIVA? E isso eu dizia muito quando estava no Tribunal e aos meus assessores, e eu discutia muito a solução jurídica de um caso com eles, muitas vezes depois eu fazia uma proposta e pedia a dois ou três que criticassem a minha própria proposta para ver qual eram os problemas, mas muitas vezes mantinha a posição inicial, outras vezes não, eles convenciam-me e uma das coisas que para mim era fundamental não basta que me digam quais são os problemas da minha proposta, eu quero saber qual é a melhor alternativa existente porque como diz aliás o titulo do livro que eu sugeri e que é de um professor com quem trabalho e que é no fundo, uma matéria em que eu tenho trabalhado muito, nós vivemos num mundo de alternativas imperfeitas e qualquer decisão tem sempre custos de oportunidade. Fazer A implica não fazer B, defender a tese A implica evidentemente consequências de outro tipo, se nós achamos que a melhor decisão é uma, eventualmente isso implica os custos de não tomar outra decisão e a maior parte das vezes essas decisões são entre alternativas ou como eu costumo dizer, entre instituições imperfeitas. Aliás têm aí um exemplo, relativamente nos textos que eu enviei esta tarde sobre a confusão ideológica, em que eu digo precisamente isso, no que concerne o debate muito tradicional relativamente ao Estado e ao mercado, não basta dizer que o mercado falha, para defender que é necessário o Estado intervir, porque a intervenção do Estado pode sofrer uma falha ainda maior do que aquela do mercado, mas também não basta dizer que o Estado falha para defender que essa questão deve ser de certa forma devolvida ou delegada no mercado. Esta para mim é uma das questões mais importantes, porque nós não damos conta, é uma questão óbvia, muito simples que dita assim parece, e na realidade se vocês reconstruírem a maior parte dos debates que têm lugar na ciência como na política, vão ver que a maior parte das pessoas funcionam sem terem conta as alternativas, funcionam sempre de um ponto de vista de mera crítica, de uma determinada política ou de uma determinada opção e isso traduz-se no fundo numa espécie de ciclo permanente em que a uma má alternativa ou a uma alternativa que não nos satisfaz, vai haver um pêndulo que nos vai levar para outra que não nos satisfaz igualmente e daí que para mim é sempre muito importante essa quinta pergunta que é, QUAL É A ALTERNATIVA?

Eu acho que é muito importante, é no fundo dei-vos aqui cinco perguntas que para mim são fundamentais no processo científico, naquilo que faz um bom cientista, mas eu acho que era muito importante que fossem fundamentais também na prática, do que faz o conhecimento político e o discurso político, muitas vezes há um certo cinismo na relação entre os políticos e os cientistas, eu acho que por um lado, os cientistas, os académicos os intelectuais tendem a conceber os políticos de uma forma muito instrumental, quando encontram um político pensam logo como é que eu posso de certa forma conseguir cativar este político para todas as ideias que eu pensei, as óptimas, fantásticas, construções que eu desenvolvi ao longo de anos serem finalmente transferidas, transpostas para a realidade e os políticos têm a ideia exactamente contrária, que é que os académicos fazem propostas, ideias, sugestões que não servem para nada, eu costumo dizer a políticos, quando falo com alguns políticos, não esperem de mim propostas políticas, esperem ideias, é vossa a responsabilidade de as transformar em propostas políticas, espero que muitos de vós consigam fazer isso.

 

(palmas)

 

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, vamos entrar na fase das perguntas, vamos ter primeiro do grupo encarnado Isabel Pinho e depois do grupo cinzento o Édi Gama.

 
Isabel Pinho

Muito boa noite a todos, gostaria em nome do grupo encarnado saudar a mesa e em especial o nosso convidado Dr. Miguel Poiares Maduro, com quem é uma honra poder estar a partilhar este jantar. Em primeiro lugar já que tenho a oportunidade de lhe dirigir esta pergunta pessoalmente, não posso perder a oportunidade de felicitá-lo com o prémio com que foi distinguido no dia 20 de Julho e seguidamente a pergunta que gostava de lhe dirigir, prende-se com a sua situação de Professor Universitário e simultaneamente de distinto constitucionalista, é uma pergunta sobre acesso à profissão e sobre política educativa. O que lhe gostaria de perguntar era, relativamente aos licenciados após a introdução do Processo de Bolonha existem algumas Ordens profissionais, nomeadamente na Ordem dos Advogados relativamente aos licenciados em Direito, mas existem outros exemplos, como por exemplo a Ordem dos Psicólogos, que colocam verdadeiros entraves ao acesso à profissão por parte dos licenciados Pós-Bolonha. Não diria que são impedimentos totais, mas são barreiras que demoram muito tempo e exigem alguns sacrifícios que muitas vezes não podem ser feitos por quem é um recém-licenciado e o que eu gostaria de lhe perguntar era, se na sua opinião, tais impedimentos ou tais barreiras poderão ainda ser consideradas restrições inconstitucionais ao direito fundamental de livre acesso à profissão? Obrigado.

 

(palmas)

 

 
Edi Lemos Gama

Muito boa noite, gostava em nome do grupo cinzento cumprimentar a mesa e em especial o Dr. Miguel Poiares Maduro, a pergunta que faço é acerca da União Europeia, tendo em conta a evolução da União Europeia desde a sua criação que vai no sentido de concentrar em órgãos europeus e institutos europeus, em instituições, poderes que são próprios de cada Estado-Membro, se num futuro médio-longo prazo não podemos caminhar para uma, um estado-federal e isto ainda tendo em conta as simetrias de países do norte da Europa e países do sul da Europa, como o caso de Portugal? Muito obrigado.

 

(palmas)

 
Prof.Dr.Miguel Maduro

Quanto a Bolonha, ponto prévio, sou favorável a Bolonha, sou favorável ao Processo de Bolonha por uma razão fundamental, porque eu acho que é instrumental criar um mercado europeu de educação, e que esse mercado de educação europeu é muito positivo em termos de mobilidade dos estudantes. Acho que a mobilidade europeia e internacional dos estudantes é muito importante e não é uma modalidade que deve ser restrita às questões do Erasmus e de passar 6 meses, mas deve ser uma mobilidade mesmo em termos de aquisição de títulos de conhecimento, de tirar as licenciaturas ou bacharelatos num outro Estado-Membro e essa mesma mobilidade é depois instrumental no meu ponto de vista a uma concorrência crescente entre faculdades e universidades europeias e é isso que pode finalmente reformar a nossa cultura universitária e melhorar a qualidade do ensino e da nossa cultura universitária na Europa. Sou muito favorável a Bolonha, não tanto por dividir os cursos, eu acho que o importante de Bolonha não é a questão de o curso ser cinco anos ou quatro anos ou seis anos, o fundamental é a harmonização e isso permitir a criação desse mercado de educação a nível europeu e o impacto que isso pode ter em termos de revolução da nossa cultura científica e da nossa cultura universitária na Europa. Dito isto, quanto à questão da avaliação, da qualidade, das dificuldades às pessoas que têm licenciaturas mais pequenas neste momento, as licenciaturas de Bolonha, a Ordem dos Advogados é uma das instituições que cria isso, eu não me vou pronunciar sobre a questão concreta de compatibilidade com a Constituição ou não. Depende dos regimes concretos ou até com o direito da União Europeia, também pode suscitar questões a esse nível, mas teria de haver a questão concreta, mas vou fazer dois comentários, o primeiro é o seguinte: Eu vi por exemplo o Bastonário da Ordem dos Advogados dizer que os cursos mais pequenos significam que as pessoas têm menos qualidade. Eu lamento que a qualidade do ensino universitário esteja a ser reduzida a uma questão de duração dos cursos, enquanto Advogado Geral no Tribunal de Justiça, eu tive acesso a ver juristas, advogados provenientes de 27 Estado-Membros, posso-lhes dizer que aqueles que em média apresentavam maior qualidade são provenientes do Reino Unido, onde os cursos em Direito têm três anos e onde nalguns casos há pessoas que acedem à profissão jurídica de Direito tendo uma licenciatura em História e fazendo um curso “de transferência” que eles chamam, de um ano a um ano e meio. A qualidade do ensino universitário não se avalia nem pelo número de anos nem sequer pelo grau de chumbos que as pessoas têm, avalia-se pela exigência do dia-a-dia ao longo da qualidade metodológica de concepção, de organização, de exigência dos professores nas salas de aulas. Por exemplo em Yale, onde eu dou aulas, são os melhores alunos que eu já tive, não há ninguém que chumbe, mas porquê? Eles têm de ler 150 páginas todos os dias, aqui quando eu fiz a faculdade de Direito, li 150 páginas no final do ano, não é? O resto do ano podia estar na Universidade como podia não estar na faculdade. Aí, é que se faz a exigência, ao longo do ano, é na qualidade do ensino, não é dando aulas como nós damos em Direito, como se dava e se continua a dar em Direito, duas horas com o professor basicamente a repetir o mesmo que nós podíamos ler do livro na maior parte das vezes, mas é assim com a interacção, com os alunos, com a preparação das aulas, obrigando os alunos a ler aquilo que é a informação básica para se poder discutir nas aulas aquilo que corresponde a um verdadeiro valor acrescentado, isso sim, é que é importante, e de forma é que esse é o meu primeiro ponto e a primeira crítica que eu faria nessas matérias, não se pode reduzir a qualidade e a ideia de que estamos a ser exigentes porque não aceitamos cursos de 3 anos, as coisas não são tão simples assim! Segundo ponto, eu tenho sempre grande suspeita em relação a organizações ou entidades de se servirem em causa própria, eu aí, apesar de compreender historicamente as existência das ordens profissionais e compreender algumas das funções das ordens profissionais, tenho alguma resistência à ideia de uma ordem profissional estar a determinar o acesso a essa mesma profissão. No fundo é contraditória, é a mesma coisa, estávamos aqui há pouco a falar disso, é nós podermos decidir quem vai concorrer connosco! Isto é único hoje em dia, eu é que vou decidir aqueles que vêm concorrer connosco e de forma que eu tenho grande resistência em termos de princípio a algo desse tipo.

Segunda questão, a questão relativa ao Estado-federal, se a União Europeia pode ser um Estado-federal. A resposta ortodoxa normal é dizer que a União Europeia é uma entidade sui generis. Também não diz nada porque Estado-federal, eu também não sei bem o que é que quer dizer Estado-federal, porque há tantas concepções do que é Estado-federal, e há na realidade tantos Estados-federais que não quer dizer muito. Dizer que não é sui generis é uma forma de escapar ao problema também. O que eu lhe posso dizer é o seguinte, ou a resposta era uma resposta muito longa e estaríamos aqui até amanha ou poderia vir seguir o meu seminário em Florença se quisesse, ou então para dar uma resposta mais pequena e talvez mais provocadora eu diria o seguinte, alguns aspectos em que eu gostava que a União fosse mais federal: um deles em termos orçamentais financeiros, eu lembro-me de uma discussão que tive uma vez com um Juiz do Supremo Tribunal de Justiça norte-americano, o Breyer, em que ele me dizia “…ah, mas se eu olho...” ele estava-se a referir ao Tratado Constitucional, no fundo em grande parte é como o Tratado de Lisboa, sobretudo em matéria de competências seguramente e ele dizia “…se eu olho a este tratado, eu se fosse falar com os cidadãos do Texas, com os residentes do Texas, ficavam furiosos porque isto dá mais competências à União Europeia do que o Estado-federal, o governo federal tem nos Estados Unidos da América…”, e eu disse-lhe “mas a grande diferença na União Europeia não é as competências legislativas é sobretudo aquilo que os Estados Unidos da América chamam "The Carrot", é o poder de gastar, é que no fundo há duas formas que um poder federal ou um poder supranacional têm de influenciar políticas nos Estados, uma é regulando - legislando, e aí a União Europeia já tem uma competência muito larga, a outra é através do dinheiro, dando dinheiro, fazendo... criando direitos, fazendo programas para os Estados. É aí que a União Europeia, do meu ponto de vista, tem ainda um poder muito reduzido e do meu ponto de vista, excessivamente reduzido e eu acho que isso é particularmente preocupante porque à medida que a União Europeia está cada vez mais a ser uma entidade tipo, que funciona de acordo com uma lógica maioritária e que está a entrar em certas áreas do poder do Estado como para mim será inevitável com base nesta crise financeira de governo económico, eu não imagino um governo económico que pode ser apenas um governo que dita condições, em termos financeiros. Tem que estar associada caracteres de redistribuição e de justiça distributiva e isso só pode acontecer se a União Europeia tiver dinheiro para gastar e o orçamento da União ainda é muito pequeno aí. O segundo aspecto em que eu achava que a União devia ser mais federal é precisamente quanto aos processos de decisão, paradoxalmente e não posso dizer desenvolver isso, a União Europeia hoje tem uma representação mais pequena, ou melhor, está sujeita a um princípio de representatividade proporcional superior aquele dos Estados Unidos da América, ou seja, os Estados americanos, devido à igualdade de representação no Senado embora a comparação é difícil de se fazer porque os Estados Unidos da América na realidade já funcionam como uma verdadeira comunidade política unida, mas isso só é uma razão ulterior para defender que nós não devíamos ter uma representatividade proporcional, ou seja, em que conta mais no fundo o peso populacional dos Estados do que o peso individual dos Estados, do que os Estados Unidos da América, e paradoxalmente precisamente porque não se quis na Europa adoptar um sistema clássico federal com um Senado por um lado mais uma... um parlamento em termos de representatividade puro ou muito próximo da proporcionalidade mais pura por outro lado, acabamos com um sistema que é menos protector da posição dos Estados pequenos e médios, do que aqueles que teríamos num sistema institucional tipo federal mais clássico, esse é que é o paradoxo, e por isso é que eu acho que essa questão não pode ser uma questão, não pode ser uma questão a ser decidida apenas a nível da retórica, da palavra federalismo ou não federalismo.

 

(palmas)

 

 
Dep.Carlos Coelho
Bem, vamos para o segundo bloco de questões primeiro pelo grupo roxo, Rui Costa Pinto e depois pelo grupo bege, Ana Ferreira.
 
Rui Costa Pinto

Boa noite a todos, antes de mais em representação do grupo roxo gostaria de cumprimentar o Dr. Miguel Maduro pelas palavras que nos endereçou e agradecer a sua presença que muito nos honra. Falou no desenvolvimento científico e o desenvolvimento científico faz-se por tentativa e erro, e na exploração de caminhos alternativos. Julga que as instituições e a sociedade nomeadamente a portuguesa, são “suspectivas” dessa experimentação no seu desenvolvimento e seguindo o repto que lança aos seus alunos, Why?

 

(palmas)

 

 
Ana Ferreira

Boa noite a todos, em especial ao nosso convidado desta noite, a questão que o grupo bege lhe coloca é a seguinte, com a ratificação do Tratado de Lisboa considera que a ironização de Henry Kissinger que afirmou que “para quem telefono se quiser falar com a Europa?” continua actual? Digo isto porque agora para além do Presidente da Comissão temos o Alto Representante e temos o Presidente do Conselho Europeu, continuando assim haver uma Europa a várias vozes e não a uma como se pretendia, e deste modo como poderá a Europa se evidenciar diante da comunidade internacional.

 

(palmas)

 
Prof.Dr.Miguel Maduro

Quanto há primeira questão, exploração de caminhos alternativos, isso tem a ver com o que disse na minha primeira intervenção, que é promover o risco, desdramatizar o erro, eu costumo dizer, aliás, foi algo que eu disse quando recebi o prémio da Gulbenkian, que é algo que eu cito aos meus alunos precisamente para promover que eles não tenham medo de correr riscos, serem ambiciosos, de escolher caminhos alternativos que é uma citação do Churchill de que eu gosto muito que é "o sucesso é ir de fracasso em fracasso sempre com o mesmo entusiasmo" e eu acho que isso é muito importante sobretudo na ciência, para se procurar novos caminhos, é não ter medo do erro mas sim aprender com o erro e só se tem sucesso na realidade se errarmos. Pergunta-me se acho se Portugal promove ou não? Eu acho que não, pelas razões até que já referi em parte, acho que não e uma das razões tem a ver com a circunstância de nós... do meu ponto de vista, darmos muita importância à autoridade formal. Portugal é o único sítio, ou melhor, não é o único mas é um dos sítios onde eu vou a conferências científicas e mais que alguém me defender uma ideia a primeira coisa que me atira à cara é que houve 20 pessoas famosas que defenderam a mesma ideia, a ideia vale pela autoridade formal institucional das pessoas a quem apelamos para suportar a ideia e não pelo valor que a ideia tem em si, e de forma que uma das primeiras coisas que nós temos é de ter uma comunidade científica menos hierarquizada, menos formal, menos respeitadora desse tipo de autoridade. Mas para isso também é necessária uma segunda condição, para mim é outro dos grandes problemas da nossa comunidade científica que impede isso, que é uma comunidade científica muito menos endogâmica. Nas faculdades portuguesas houve alguém que me fez uma pergunta que era daquelas que eu respondi por papel, uma delas era se eu tinha medo da fuga dos cérebros de Portugal e eu respondi que não, porque o que me preocupa é não ter cérebros em Portugal, mas eu acho que os nossos cérebros devem ter mobilidade como nós devemos ser capazes de atrair os cérebros estrangeiros, aliás, nós só conseguimos ter bons cérebros se tivermos uma política que seja capaz de atrair bons cérebros estrangeiros e os nossos cérebros só são bons se eles forem internacionalizados, se estiverem sujeitos a esse tipo de critica, se estiverem sujeitos a esse tipo de concorrência. Isso implica quebrar com a lógica endogâmica das pessoas que fazem os seus estudos numa instituição, depois tornam-se assistentes do professor na instituição, mantêm-se ali, fazem ali a sua tese e acabam por se tornar professores na mesma instituição, porque isso em que é que se traduz? Em pessoas que reproduzam sempre as mesmas ideias, que não inovam, não trazem nada de novo e nós temos que substituir uma lógica endogâmica por uma lógica meditocrática nas nossas instituições científicas. Se tomarmos esses passos, eu acho que poderemos começar a ter mais pessoas que seguem caminhos alternativos.

Quanto há pergunta da Ana que era, para quem telefonar, eu fui alguém que viu com grande cepticismo a introdução de mais uma figura institucional da figura do Presidente do Conselho, por uma razão simples, porque eu acho que o problema na Europa não é falta de figuras institucionais é falta de capital político do ponto de vista dessas figuras institucionais. Ou seja, há já muitas pessoas, há já muito presidente, eles não têm é capital político, não têm poder e capacidade e legitimidade política para desenvolver uma determinada agenda política e no fundo o que estamos é a criar mais uma pessoa para dividir ou reduzir o capital político que já existe na União. Eu acho que o Presidente do Conselho que praticamente não tem poderes nenhuns, que são expressamente atribuídos, só pode ir buscar poder a duas das figuras que já existem, por um lado em matéria política externa ao Alto Representante e agora Vice-Presidente da Comissão e por outro lado em matéria de quê? De construção e definição da agenda política da União e aí onde é que pode ir comer poder? Se quiserem, “comer” entre aspas, ao Presidente da Comissão que no fundo corre até o risco de poder vir a ser transformado numa espécie de Secretário-Geral mas que perde a faceta política do cargo e essa é a concorrência... a concorrência que pode vir a existir, eu acho que o sistema pode ter uma evolução positiva e uma evolução negativa. A evolução negativa é a transferência da liderança política do Presidente da Comissão para o Presidente do Conselho e portanto da Comissão para o Conselho, do pilar comunitário para o pilar intergovernamental. Outra hipótese igualmente negativa mas talvez não tão negativa, um conflito permanente a nível institucional através das mesmas figuras. A evolução positiva é aquilo que eu chamo de um semipresidencialismo tipo União Europeia que é, o Presidente da Comissão e o Presidente do Conselho terem duas legitimidades diferenciadas que correspondem a que depois nós conseguimos funcionalizar em papéis diferentes. Do meu ponto de vista, uma das coisas mais positivas que aconteceu nas últimas eleições europeias, foi o facto de pela primeira vez termos tido um candidato que expressamente se assumiu como tal a Presidente da Comissão Europeia antes das eleições europeias e nesse sentido o Dr. Durão Barroso tem uma legitimidade enquanto Presidente da Comissão Europeia que nenhum outro presidente da Comissão Europeia teve. É o primeiro que tem uma certa legitimidade popular resultante de umas eleições parlamentárias. Se ele souber utilizar isso e se ele souber reivindicar essa legitimidade, o que implica do meu ponto de vista que ele tenha de aproximar a sua função muito mais do Parlamento Europeu do que do Conselho, ele tem aí um poder e uma legitimidade que pode opor ao Presidente do Conselho e essa seria para mim a evolução positiva, seria o presidente da comissão no fundo ser como acontece nos regimes presidenciais, o líder político, o líder executivo com uma legitimidade que decorre das eleições parlamentares e o Presidente do Conselho ser a força mediadora dos Estados Membros e que no fundo controlava o poder da Comissão do ponto de vista dos Estados Membros. Isso tinha que ter uma vantagem relativamente à função tradicional do Presidente da Comissão, é que o Presidente da Comissão seria libertado de algo que tem de certa forma até inibido o exercício das suas funções nos últimos anos que é ter de, ao mesmo tempo, ser alguém que fornece liderança, promove certas políticas na União Europeia até de ruptura, de avanço mas ao mesmo tempo tem de obter consenso entre os Estados Membros, essa para mim seria a evolução positiva do sistema se ela for possível como espero que seja.

 
Dep.Carlos Coelho
Terceira ronda de perguntas, grupo amarelo, Nelson Nascimento, grupo rosa, Vilma Rocha.
 
Nelson Marques Nascimento

Muito boa noite, em nome do grupo amarelo gostaria de agradecer a presença do Sr. Professor Dr. Miguel Maduro, passando já à questão, Sr. Professor actualmente há uma série de questões desde políticas de emigração ao ambiente passando pela regulação dos mercados financeiros que necessitam de um acordo na acção supranacional se não mesmo global, esta coordenação deverá alicerçar-se em normas jurídicas necessariamente diante do Direito Internacional Público e se sim, qual a forma de legitimar essas mesmas normas? Muito obrigado.

 

(palmas)

 
Vilma Cunha Rocha

Boa noite a todos, em especial a si Prof. Dr. Miguel Maduro, em nome do grupo rosa, coloco a seguinte questão: Na qualidade de especialista em direito da União Europeia que opinião tem no que concerne à integração da Turquia na União Europeia? Muito obrigada.

 

(palmas)

 
Prof.Dr.Miguel Maduro

Posso começar pela segunda pergunta talvez seja mais rápida a resposta, talvez seja, mas se calhar depois não é... mas... Quanto à questão da Turquia, eu acho que a questão das fronteiras da União é uma das questões mais difíceis que a União Europeia enfrenta hoje em dia. Por um lado porque faz parte do código genético da União Europeia uma, filosofia de inclusividade, de abertura permanente e de integração dos outros, essa é uma lógica inerente ao processo de integração europeia, mas ao mesmo tempo é cada vez mais difícil para a União funcionar numa lógica, num espaço tão grande. É difícil por duas razões, o S. Tomás de Aquino dizia uma coisa interessante que era “se todos forem meus amigos, eu não tenho amigos”, ter amigos significa diferenciar, tratar uns melhores do que outros e no fundo, as comunidades políticas dependem disso, dependem de criar um espaço político, aquilo que Ana Arden chamava de  “uma agora”, um espaço político deliberativo, em que nós conseguimos decidir em comum, discutir em comum, mas a criação desse espaço político também depende de uma certa identidade externa e a União está à procura dessas duas condições, no fundo, saber como consegue criar esse espaço político e onde é que consegue e onde é que deve ficar essa delimitação externa. O problema de um alargamento, ainda para mim não tem a ver com a questão religiosa, ou a questão da Turquia, aliás já acho que a maior parte da oposição não tem a ver com isso, tem a ver sobretudo com a questão da escala, com a questão da Turquia ser tão grande, e eu estou a deixar de lado a questão dos direitos humanos e com o cumprimento com os princípios e tudo, o que estou a dar por assente que só procederemos à adesão da Turquia se a Turquia cumprir com esses requisitos, portanto a questão fundamental que se coloca é, se a Turquia chegar ao ponto em que cumpre com todos os requisitos necessários, Estado de regulação democrática, protecção dos direitos fundamentais, Estado de direito, a Turquia deve ou não ser admitida na União Europeia, e se sim de que forma. A dificuldade como vos dizia é o próprio impacto que pode ter nos mecanismos de funcionamento da União. A União hoje em dia depois do último alargamento já vive essa dificuldade que é uma tensão permanente entre por um lado esse alargamento ter trazido maior assimetria à União quer dizer, maior diversidade em termos políticos, económicos e sociais, o que reduz se quiserem as condições empíricas, as condições sociológicas que suportam o processo de integração. Quanto mais diversidade existir mais difícil é ter políticas comuns em certos domínios, mas por outro lado essa diversidade também cria para a União poder continuar a funcionar e ser efectiva, uma necessidade de aprofundamento. Na realidade o alargamento implica, exige aprofundamento. A adesão da Turquia seria um passo ainda ulterior nesse sentido, tal como a Ucrânia se isso vier a acontecer, como também se menciona. O que eu acho é o seguinte, eu acho que ao mesmo tempo, por outro lado a União já tem um compromisso com a Turquia. Eu acho que a União tem de enfrentar o problema do alargamento da sua escala, até que ponto é que pode funcionar, no fundo quais são as fronteiras que pode ter para funcionar, ou de que forma é que deve funcionar. E eu sou alguém que estou à vontade porque durante muito tempo se opôs há existência de diferentes níveis de integração e hoje em dia com os alargamentos e os alargamentos futuros, acho que é inevitável, e portanto é aí que nós vamos discutir na realidade o problema: que diferentes Uniões Europeias é que vamos ter dentro da União Europeia mas acho que é inevitável cumprirmos com a obrigação que temos perante a Turquia.

Quanto à primeira questão, que é a questão da legitimação e da ocorrência de uma crescente interdependência a nível, já se fala até de bens públicos globais como o ambiente por exemplo, eu não sei se a questão me é colocada ao nível global em si ou a nível da União Europeia. Eu costumo dizer que aquilo que legitima a União Europeia é a forma como ela interfere e até limita o poder dos Estados e no fundo é a legitimidade democrática da União Europeia decorre do facto de a União corrigir problemas democráticos dos Estados. E porquê? Porque os Estados cada vez mais decidem questões por exemplo que afectam cidadãos de outros Estados e a União Europeia uma das coisas que faz, no fundo é obrigar os Estados numa série de matérias, (as liberdades de circulação, é isso) a atender ao impacto que as suas decisões têm nos cidadãos de outros Estados, essa é uma forma de legitimidade democrática, é aquilo que eu designo por corrigir externalidades democráticas, mas a União também tem uma função por exemplo em termos de reposição de controle por parte dos Estados, mas actuando em coligação na União Europeia sob processos de poder transnacionais que os Estados já não controlam, pensem nos fluxos financeiros internacionais. A única forma de controlar isso é através de mecanismos supranacionais ou de mecanismos internacionais, o combate a certas formas de crime a única forma é a nível internacional. A questão que é one million dollar question é qual é o mecanismo institucional apropriado a nível internacional para regular de forma global esse tipo de questões, e essa é a dificuldade com que nos estamos concentrados neste momento, porquê? Porque nós na União Europeia já conseguimos criar de certa forma uma certa identidade política e um grau de coesão política que permite legitimar algumas formas de exercício de poder e portanto, é no fundo essa transferência de certas funções de governação do Estado para a União Europeia. A nível global isso ainda não existe, não existe nem sequer um embrião de comunidade política global, existe, eu diria até uma comunidade política europeia que suporta o exercício de poder a nível da Europa, mas não existe a nível global, é por isso por exemplo, que há quem defenda que há certas funções do Estado, incluindo funções sociais do Estado Social que têm que ser transferidas para a União Europeia, mas não podem ser transferidas a nível global, porquê? Porque o exercício de função de governação, o exercício de poder tem sempre de ser legitimado de forma popular por referência a uma determinada comunidade política e nós temos essa comunidade política talvez já a nível europeu mas não temos a nível supranacional, essa vai ser a grande dificuldade que nós vamos ter, é que crescentemente vemos que certas questões já nem sequer podem ser só reguladas a nível europeu têm de ser a nível global, mas não temos aí sequer os mecanismos ainda imperfeitos que sejam, que já temos na União Europeia.

 

(palmas)

 

 
Dep.Carlos Coelho

Penúltima ronda de perguntas, do grupo verde o Luís Monteiro Gonçalves e do grupo azul o Luís Ângelo Oliveira.

 
Luís Monteiro Gonçalves

Boa noite, em nome do grupo verde gostaria de saudar o Prof. Miguel Maduro pela sua presença nesta oitava edição de Universidade de Verão. Professor, o Euro barómetro publicado na semana passada mostra que apenas 49% dos cidadãos europeus consideram que a adesão dos seus países à União Europeia foi algo positivo para o país e este foi o valor mais baixo dos últimos 7 anos. Durão Barroso culpa as capitais de não defenderem o projecto europeu durante a crise económica. Professor, tendo em conta que está profundamente envolvido nos assuntos europeus, pois já ocupou o cargo de Advogado Geral do Tribunal da Justiça da União Europeia, gostaria de saber se concorda com as declarações do Presidente Durão Barroso? Obrigado.

 

(palmas)

 
Luís Ângelo Oliveira

Muito boa noite, antes de tudo passo a cumprimentar a mesa e a saudar o Professor Miguel Maduro, eu represento o grupo azul e acho que o Professor é a pessoa mais indicada para responder à minha questão, desde já pelo reconhecimento internacional que tem e porque nós hoje, todos temos o conhecimento que o mundo corre muito mais rápido ou seja, precisamos que o Direito acompanhe esta rapidez de um crime internacional e dos negócios internacionais. O Professor falou de um Direito supranacional, pergunto eu, se vier a existir será um pouco a long time ago, pergunto eu, será o Direito anglo-saxónico que responderá melhor, ou será o direito romano-germânico que responderá melhor a estas soluções? É só Professor.

 

(palmas)

 
Prof.Dr.Miguel Maduro

À primeira questão, eu concordo com o Dr. Durão Barroso, acho que os governos nacionais têm uma boa cota parte da culpa, porquê? Porque muitas vezes os governos nacionais utilizam a União Europeia no fundo para transferir custos políticos, não é até desconhecido que nalguns casos os governos nacionais não querendo adoptar certas posições, certas políticas a nível nacional que sabem que são necessárias mas que envolvem elevados custos políticos, no fundo coordenam a adopção dessas políticas a nível europeu e depois dizem às suas opiniões públicas nacional, não somos nós, é Bruxelas que está a impor isto!, e nessa medida a União sofre muito desse fenómeno de transferência dos custos políticos. Muitas vezes os governos nacionais fazem suas as políticas que são populares perante os cidadãos e que na realidade até podem ser provenientes da União Europeia e transferem para a União Europeia a responsabilidade de certas decisões que no fundo até é o produto sobretudo da vontade dos governos nacionais. Isso de certa forma é inevitável até e é isso que pode explicar alguma dessa impopularidade que mencionava, disse que 49% dos cidadãos acham que a adesão não trouxe vantagens, isso também está relacionado com a actual crise financeira e de novo, é um daqueles casos em que eu fazia a pergunta, faltam perguntas a essa pergunta, porquê? Vá ver o que indicam as estatísticas, eu fiz isso porque numa conferência eu tive que comentar um texto de alguém precisamente sobre, que era relacionado com as estatísticas sobre a confiança nas instituições europeias, que era um texto sobre o défice democrático europeu, que indicava que em muitos Estados era inferior a 50% a confiança que os cidadãos demonstrava nas instituições políticas europeias e eu fiz uma coisa muito simples, que é ver os estudos que existem sobre as confianças ou confiança que os cidadãos tem nas instituições políticas nacionais, é muito mais baixa, em média. A confiança que os cidadãos têm nas instituições políticas nacionais é inferior à confiança que têm nas instituições políticas europeias, portanto deduzir daí um défice democrático europeu é falso. Isso tem a ver com a relação difícil que os cidadãos têm com a política em geral ou com os políticos em geral, e daí que eu não deduziria muito e que no fundo para mim isso não me preocupa, o que me preocupa é não existir suficiente discussão política sobre a Europa, o que me preocupa é nas eleições para o Parlamento Europeu, as eleições não serem tanto sobre a Europa mas mais sobre questões nacionais, isso é que me preocupa, não me preocupa as pessoas dizerem, criticarem a União Europeia, porque isso leva a algo, que aliás, alguém citava também numa das perguntas que é uma das piadas que eu costumo utilizar e pedir emprestadas ao Woody Allen para reflectir a situação dos cidadãos europeus com a União Europeia que é, não sei se vocês viram o Annie Hall, que é um dos filmes do Woody Allen, em que no final do filme ele conta a anedota de duas pessoas que vão a um restaurante em Nova Iorque e passam o tempo todo a queixar-se da comida, “a comida é péssima, é intragável, não se pode comer” e depois concluem “e para além disso as doses são tão pequenas” (risos) e frequentemente a forma como as pessoas falam da União Europeia é exactamente essa, não é? E a mim o que me preocupa, como aliás dizia na resposta a essa pergunta, não é as pessoas acharem que as doses são pequenas, não gostarem da comida, é a qualidade do debate político europeu e o reduzido nível desse debate político, tem de haver mais politização da União Europeia, da Europa. Por isso é que eu achei tão positiva a existência de um candidato a Presidente da Comissão Europeia antes das eleições europeias. Eu acho que a existência, aliás, e estou convencido que nas próximas eleições já será um novo candidato que terá que ser escolhido, isso vai acontecer, vai provavelmente existir um candidato do PPE, um candidato dos liberais democratas, um candidato do partido socialista europeu e se isso acontecer, talvez nós venhamos a ter pela primeira vez umas eleições europeias sobre a Europa, umas eleições europeias em que o que se vai discutir é os candidatos a presidente da comissão europeia e os programas de acção que eles vão ter, isso para mim é o mais importante. A segunda questão, é uma questão de jurista, se existir um Direito supranacional, um Direito internacional o que é que vai acontecer mais, vai ser um Direito mais de matriz anglo-saxónica ou um Direito de matriz mais Romano-germano. É difícil, a minha primeira resposta é a seguinte, não devem ser os juristas a decidir isso, e de novo tem a ver com a legitimidade. O Direito decorre sempre de uma legitimidade popular e portanto, depende da comunidade política que estiver na base a esse direito. Mas se eu tivesse de, em termos técnicos, dizer como é que acho que esse sistema eventual num Direito supranacional ou internacional vai evoluir, eu direi que ele vai ter provavelmente características mistas, isso é de novo uma resposta fácil, mas com uma tendência talvez superior para um direito mais anglo-saxónico por uma razão simples, porque eu acho que num contexto como o contexto internacional e aliás seguindo uma evolução que também assistimos das comunidades políticas nacionais, os tribunais vão ser cada vez mais centrais na criação do Direito. O Direito vai ser cada vez menos legislado e vai ser cada vez mais um produto da prática jurisprudencial das decisões dos tribunais, porquê? Porque nós vivemos em sociedade cada vez mais complexas, cada vez mais massificadas em que o legislador não consegue prever tudo e em que a única forma de as regras jurídicas serem eficazes e cumprirem os seus objectivos, é elas serem interpretadas e a sua interpretação evoluir de acordo com o seu contexto económico, social e político, e vai ser ainda mais assim um domínio internacional porque a dificuldade muitas vezes de gerar consensos relativamente a certas questões e de novo nós assistimos isso a nível nacional, leva a delegar certas questões nos tribunais. Quando o processo político está paralisado devido a certas formas, se quiserem, de pluralismo extremo, que é não consegue decidir, a questão mais simples muitas vezes é delegar a questão nos tribunais, e nós estamos a assistir a isso, porque esta crescente mediatização da sociedade, essa complexidade da sociedade, um carácter cada vez mais radical do pluralismo político, vai fazer com que os tribunais sejam cada vez mais centrais e se os tribunais forem cada vez mais centrais, o Direito vai ser cada vez mais um produto de jurisprudência dos tribunais e daí uma matriz muito mais anglo-saxónica.

 

(palmas)

 

 
Dep.Carlos Coelho

Sr. Professor Poiares Maduro, nós temos uma tradição na Universidade de Verão que é deixar a última palavra ao nosso convidado, portanto a última pessoa a usar este microfone será o senhor, pelo que eu tenho que abusar deste momento em que tenho o microfone à minha frente para dizer três coisas. A primeira para dizer ao Dr. Carlos Carreiras que estamos a fazer esta Universidade de Verão/Francisco Sá Carneiro com muito rigor e muita qualidade com a participação dos cem alunos que tem há sua frente, estão a fazer um trabalho notável em termos de intervenção quer ao nível das participações individuais, quer ao nível das participações colectivas, mas também com gestos dos nossos convidados. O Professor Poiares Maduro foi convidado para um jantar conferência, com a sua costela de académico sabe bem que as palavras são efémeras, que os textos são mais sólidos quando são agarrados há realidade das páginas e fez questão de nos enviar alguns textos que foram distribuídos, que são textos dele, intitulados “Confusão Ideológica” e um texto ainda interno sobre o sistema da justiça, e agradeço-lhe o facto de ele nos ter confiado esses textos. Em segundo lugar, eu falei com o Professor Poiares Maduro por telefone no Domingo, não estava em Portugal, a seguir ele foi para a Noruega onde tinha um compromisso em Oslo, donde acabou de regressar, fez o sacrifício de vir até aqui a Castelo de Vide e tem que já de seguida regressar a Lisboa porque amanhã parte para Nova Iorque, é a consideração pela Universidade de Verão que leva o Professor Poiares Maduro a fazer este sacrifício e uma prova de amizade que eu não posso deixar de lhe agradecer. Em segundo lugar para dizer aos grupos que têm amanhã que entregar os vossos textos como governo até à hora do almoço, portanto recordo-vos o prazo para entrega dos vossos documentos escritos e em último lugar, porque os últimos são os primeiros, para agradecer ao Professor Poiares Maduro o sacrifício que fez, a brilhante intervenção que nos dedicou, as respostas que deu até ao momento e as duas últimas que vai dar de seguida e para a última ronda de perguntas, dou a palavra primeiro ao grupo laranja a quem agradeço o convívio simpático que tivemos aqui durante o jantar na mesa em que nos acolheram, será o Mateus Leite de Campos a falar e a última pergunta será a Mafalda do grupo castanho.

(aplausos)

 
Mateus Leite de Campos

Obrigado, bem Professor, deixou-me aqui numa posição complicada que eu tinha duas perguntas preparadas, o Professor entretanto respondeu e eu tive que recorrer aqui aos seus textos. Reparei aqui num memorando da Fundação Manuel do Santos, que tem uma frase muito célebre que aqui diz " Justice delayed, is Justice denied”. A minha pergunta era, Portugal como país integrante da Comunidade Europeia tem muito a aprender nas várias áreas, principalmente no Direito no que toca aos tribunais, a minha pergunta seria, não só Portugal aprendendo o que tem a aprender, seria possível criar-se um Direito comunitário de forma a resolver os vários problemas de atraso de, vários tipos de atraso, nos tribunais para se tornarem mais eficientes a todos os níveis? Obrigado.

 
Mafalda Cambeta

Boa noite, os meus cumprimentos à mesa e em especial ao nosso convidado o Prof. Dr. Miguel Poiares Maduro, a pergunta do grupo castanho é: Como podemos definir de forma clara a diferença entre os conceitos que é a concertação social para esquerda e a concertação social para a direita ou seja, se existe uma forma de qualificar essa diferença? Obrigado.

 

(palmas)

 
Prof.Dr.Miguel Maduro

O que é que quer dizer exactamente com concertação social de esquerda e com concertação social de direita?

 
Mafalda Cambeta

A minha pergunta, o meu pedido é para fazer dois ou três pontos simples tentando explicar aqui um pouco essa diferença, eu estive a ler o seu texto a tentar-nos explicar um pouco essa diferença, é sempre importante esta questão da esquerda e da direita, e se o Professor nos conseguia definir isto de uma forma simples...

 
Prof.Dr.Miguel Maduro

A diferença entre esquerda e direita, OK. A concertação social nesse contexto é que me confundiu. São duas perguntas que exigiriam respostas muito longas, mas vou tentar ser breve. Esse memorando que eu enviei é um memorando em que eu tento ser fiel no fundo à prática de que vos falei no início que é, não pensar que eu tenho todas as respostas nem sequer muitas respostas relativamente à reforma do sistema de justiça, mas sim pensarem em primeiro lugar em quais são as perguntas certas a colocar para podermos reformar bem o nosso sistema de justiça. Eu sou membro do Conselho Científico dessa Fundação e a Fundação está a preparar um programa, não sei se sabem, a Fundação é conhecida por ser a Fundação que é dirigida pelo Dr. António Barreto e que faz estudos sobre Portugal, está a preparar um programa de intervenções e de estudos sobre a área da justiça e esse memorando foi pensado nessa ideia e no fundo um dos aspectos que eu digo aí, é que não há soluções fáceis relativamente ao nosso sistema de justiça mas nós podemos pensar numa estratégia sobre o como pensar a reforma desse sistema de justiça. Há questões do nosso sistema de justiça que exigem a intervenção, que podíamos designar de micro, quer dizer, que têm a ver com a reforma de certas legislações específicas em certas áreas, por exemplo na corrupção ou noutras matérias e há outras questões para mim que são macro, que são transversais a todo o nosso sistema de justiça e são essas três que eu podia aqui identificar.

Uma é a questão da gestão dos recursos judiciais, tem a ver com os mecanismos de filtro, com os mecanismos de funcionamento dos tribunais, com a prática decisória dos tribunais e com a prática também legislativa, com a qualidade da legislação mas também com os conflitos de interesse no processo legislativo, tudo questões desse género, com os recursos, com a gestão dos nossos recursos judiciais.

A segunda tem a ver com a circunstância de nós termos de assumir que não temos recursos judiciais nem temos recursos em termos de possibilidade de fornecimento de justiça pelo Estado, para satisfazer toda a procura de justiça. Como eu disse antes, hoje em dia vivemos numa sociedade tremendamente complexa e com um grau de litigiosidade enorme. Temos de assumir isso, temos recursos limitados, nem todos os litígios da sociedade podem ser decididos através de mecanismos estaduais, isso exige nalguns casos, aceitarmos que há nalgumas matérias uma excessiva socialização do risco, ou seja, há riscos que nós estamos a socializar porque no fundo é o Estado que depois vai intervir para tentar corrigir esses riscos ou cobrir esses riscos e o Estado não o pode fazer, um exemplo que eu costumava dar sempre, embora hoje em dia a questão já esteja parcialmente resolvida era a dos cheques. Era possível o sistema judicial resolver o problema dos cheques? A questão mais simples ao ver o sistema dos cheques, era devolver a questão ao mercado, devolvê-lo como? Responsabilizando os bancos pelos cheques, se responsabilizássemos os bancos pelos cheques, os bancos teriam um incentivo enorme para criar mecanismos de controle, rapidamente teríamos um sistema informático que controlava os cheques se tinham provisão se não tinham provisão e nós temos de pensar nalgumas matérias dessa forma, e a mesma coisa no processo penal, o princípio da oportunidade tem de ser estabelecido no nosso processo penal, porque ele já existe na prática, no fundo nem todos os processos penais, nem todos os processos são investigados da mesma forma, a questão é se nós queremos que isso suceda de acordo com critérios objectivos, que nós possamos controlar ou se queremos que isso suceda de forma opaca, oculta, ou de forma arbitrária, ou ainda pior, com critérios pouco claros, pouco sérios mas dos quais nós nem sequer temos conhecimento nem pelos quais podemos pedir responsabilidade. Essa é a segunda questão fundamental que nós devemos ter no nosso sistema de justiça, que é saber os poucos recursos que temos, onde é que eles devem ser prioritariamente empregues e como é que nós vamos filtrar o acesso ao nosso sistema de justiça.

A terceira questão, é uma questão que para mim também é transversal ao nosso sistema, tem a ver com a nossa cultura jurídica, nós temos uma cultura jurídica tremendamente formalista, que impede precisamente os tribunais de fazerem aquela função, que eu dizia antes, que é de interpretar uma norma, atendendo ao seu contexto económico, social, político, só isso é que permite fazer com que aquela norma tenha correspondência na realidade social, eu vi algumas das decisões recentes, por exemplo, dos tribunais em matéria de corrupção em que seguem de forma quase atávica o texto das normas, isso tem a ver com o nosso formalismo jurídico e esse formalismo jurídico que existe não é por acaso, existe por uma razão de cultura jurídica mas existe também porque é uma forma de desresponsabilização porque interpretar uma norma, de forma não formal mas atendendo ao seu contexto económico e social de aplicação, implica que há um certo juízo de valor, há uma certa autonomia no processo de interpretação que é atribuído ao juiz, isso responsabiliza o juiz, isso responsabiliza o interprete do direito! O formalismo da nossa administração, dos nossos tribunais é frequentemente uma forma de desresponsabilização e daí que eu acho que outro dos aspectos em que nós temos de actuar e que é transversal ao nosso sistema de justiça e que é fundamental para uma reforma do funcionamento da nossa justiça, tem a ver com a mudança da cultura jurídica que é dominante.

A questão da esquerda e da direita e do texto que menciona: no fundo o texto é uma proposta de alteração dos dados do discurso político. O texto foi escrito há vários anos, praticamente há 5 anos, mas já nessa altura todos diziam que a visão tradicional de esquerda e de direita está ultrapassada e fundamentalmente o que eu dizia é que isso não implica que as divisões ideológicas não continuem a existir, o que eu defendo nesse texto e que é errado é fazer uma divisão ideológica na base “Estado e mercado”. Isso sim é que está a ser ultrapassado, porquê? Porque essa divisão ideológica tradicional tende a associar o Estado com interesse público e o mercado com a liberdade, mas aquilo que nós fomos descobrindo ao longo dos anos é, primeiro que o Estado nem sempre prossegue o interesse público, porquê? Porque o processo político devido aos seus mecanismos de funcionamento é frequentemente capturado por alguns interesses, é desviado ou a informação que tem é apenas aquela que é dada por alguns interesses concentrados e muitas vezes a ideia de que de alguma forma o Estado consegue agregar os interesses todos dos cidadãos, reproduzindo esses interesses numa certa noção de bem público é falsa, da mesma forma que é falsa a ideia de que de alguma forma o Estado pode de uma maneira causal determinar a sociedade. É isso que hoje em dia é pacificamente aceite, e daí que essa associação, “Estado – interesse público” foi colocada em causa, mas também está colocada em causa já há muito tempo a associação entre mercado e liberdade.

Há um texto económico dos anos 30 em que se diz que no fundo as primeiras formas de hierarquia são aquelas que existem no “mercado – empresa”. Uma empresa é uma forma hierárquica, um mercado no seu estado puro seria um sítio de liberdade, porquê? Porque tal como um Estado é uma forma de agregação de interesses individuais traduzindo-os depois numa decisão social, qual é a forma de agregação? Ao contrário do Estado, que é o sistema político a forma de agregação são as transacções do mercado que determinam o preço, que determinam os contratos, que são no fundo as decisões sociais que resultam do mercado. Mas o mercado está cheio de formas hierárquicas e nessa medida um mercado hoje é claro também, também corresponde a formas de poder, o que leva por sua vez a reivindicação de intervenções do Estado precisamente para controlar essas formas de poder, o direito da concorrência por exemplo. Estes textos são a reprodução de algum do meu trabalho científico que tenho feito, que é uma ideia de tentativa de superação dessa dicotomia pura de “Estado e de mercado”. O nosso ponto, é que fundamentalmente, aquilo que nós temos que admitir é que Estado e mercado são dois mecanismos alternativos de decisão. Ambos representam uma forma de agregação dos interesses individuais transformando-os em decisões sociais, os mecanismos através de que isso opera são diferentes, qual funciona melhor em diferentes circunstâncias? Depende de qual consegue agregar melhor esses interesses, em qual é que há menos concentração de poder? Em qual é que há uma representação mais inclusiva de todos os interesses? Portanto não há que ter nenhum preconceito nem relação ao Estado nem em relação ao mercado. Há que ter de novo uma ideia de que estamos sempre a fazer escolhas e que essas escolhas são alternativas imperfeitas e que essas escolhas dependem do contexto específico em que ocorrem, portanto não há em abstracto para mim, eu não tenho nenhuma preferência abstracta pelo Estado ou mercado, essa é a primeira parte desse texto, a segunda no fundo é uma tentativa de definição de quais podem ser então se nós deixarmos de construir o discurso ideológico sobretudo na oposição Estado e mercado, em que base pode ser construído esse discurso ideológico e é isso que eu procuro dizer. Para mim é muito mais de uma lógica de oposição entre teorias liberais ou teorias comunitárias, por exemplo da sociedade, mas não vou entrar nisso até porque daqui a pouco isto é suposto ser um diálogo mas eu já estou a transformar isto quase numa aula académica e não quero tornar o discurso demasiado científico, até porque o primeiro ponto, que eu falei, foi de que os cientistas poderiam de alguma forma os académicos ser capazes de comunicar com os políticos e daqui a pouco se continuo vou provar o contrário, ( palmas ) de forma que limito-me a agradecer e até para o ano, espero!

(palmas)

 

 

 

 

10.00 - Avaliação da UNIV 2010
12.00 - Sessão de Encerramento da UNIV
13.00 - Almoço com participantes de anteriores UNIVs