ACTAS  
 
8/31/2010
3 Desafios do Mundo de Hoje
 
Dep.Carlos Coelho

Bom dia, começamos da melhor forma a Universidade de Verão: agradeço-vos a prova de pontualidade que deram esta manhã.

O nosso primeiro tema é sobre política externa. Temos connosco o prof. Miguel Monjardino. Não é a primeira vez que nos dá a honra de aceitar o convite da UV. O professor Miguel Monjardino é professor convidado da Universidade Católica, é cronista internacional do Expresso, vemo-lo muitas vezes na televisão e na rádio. É especialista residente da TSF e da SIC Notícias. Tem como hobbie andar a pé de mochila às costas, ler e reler os clássicos gregos, a comida preferida é o peixe, o animal preferido é a raposa, o livro que sugere é de Tucídides, “A história da guerra do Peloponeso”, o filme que nos sugere é “Cold Mountain”, e a qualidade que mais aprecia nas pessoas é a determinação.

Prof. Monjardino, obrigado por aceitar o nosso convite. O palco é seu.

 
Dr.Miguel Monjardino

Bom dia Selecção Nacional! Agradeço muito a oportunidade de voltar a estar aqui de novo na UV. Eu não consigo pensar em melhor maneira para começar o ano académico do que estar aqui convosco.

Agradeço muito ao Carlos Coelho por me ter convidado a voltar aqui.

Uma das razões que me leva a gostar imenso de estar aqui é o facto de vocês aqui estarem porque querem fazer a diferença! Se não quisessem fazer a diferença estavam na praia ou noutro lugar!

 

Nós estamos em grande perigo: um professor universitário com cem pessoas à frente e duas horas para gastar é a receita para o desastre! Vou tentar repartir este tempo de forma justa. Não é 50% para mim e 50% para vocês: é mais para vocês do que para mim.

Vou dividir o tempo em várias partes. A primeira coisa que vou tentar explicar é o que é que está a acontecer em termos internacionais. Para isso vamos ver um pequeno excerto de um filme.

Depois vamos entrar na segunda parte, que são os três desafios que me foram sugeridos. O 1º tem a ver com o que se passa na economia internacional, o 2º desafio tem a ver com a política internacional, e o 3º tem a ver com as consequências destes dois fenómenos nos países que têm democracias liberais.

O ponto seguinte é perguntar o que significa isto para vocês. A partir daí entramos na fase das perguntas e respostas.

 

Os professores são como os treinadores de futebol: passamos a vida a roubar ideias uns aos outros. Portanto, gostaria de reconhecer aqui uma série de dívidas intelectuais, a imensa gente, por exemplo  Neil Ferguson, William Bommel, Hamish McRae, Anatole Kaletsky, Gregg Easterbrook, Matt Ridley e Tony Judt, que morreu, penso que há duas semanas, e que escreveu um livro que todas as pessoas, sociais-democratas deviam ler. Está traduzido em português e chama-se “Pós-Guerra”.

Praticamente tudo o que vou dizer aqui deve imenso a estas pessoas e a mais algumas que provavelmente me esqueci de mencionar.

 

Se olharem bem, há um ruído de fundo a praticamente todo o discurso político nacional e internacional, nas discussões políticas, nas democracias liberais, que tem a ver com o emprego, com a actividade económica e com as expectativas da vossa geração. E o ruído que rodeia todas estas conversas mostra outras coisas como a ansiedade e a grande incerteza em relação ao futuro. O fenómeno não é novo.

 

O filme que vocês vão ver passou-se em Outubro de 1947. É um grande momento na história da aviação: um jovem, Chuck Yeager, tinha 24 anos na altura, (ainda é vivo, está com 87 anos), e era um piloto de testes absolutamente excepcional. Era o mais novo da equipa e o seu comandante escolheu-o por ser um homem colossalmente talentoso e muito corajoso perante a incerteza. Ele vai tentar passar a velocidade do som. Hoje é uma coisa quase ridícula mas na altura não. Vamos ver o filme.

 

[FILME]

 

O desafio da vossa geração é estar naquele avião. Podem não ser vocês mesmos, mas alguém vai estar por vocês, portanto o ideal é serem vocês mesmo!

Ouviram aquele “Boom”? Em 1947 toda a gente julgou que o aviador tinha morrido no “Boom”! Nunca se tinha ouvido aquele som. Mas, se Chuck Yeager tem hoje 87 anos, a não ser que tenha ressuscitado, é óbvio que não morreu. Ele ultrapassou a velocidade do som, mas nunca ninguém tinha ouvido aquele som. A conclusão natural de quem estava a ouvir foi “ele morreu”.

 

Se vocês olharem com atenção, e é por isso que estou hoje aqui, tudo aquilo que estão a ouvir à volta da política internacional e doméstica tem a ver com um “Boom”. E não é ultrapassar a velocidade do som, é uma coisa diferente. É algo que aconteceu, ou está relacionado com o que aconteceu entre 2007 e 2009.

O “Boom” que nós ouvimos e que está à volta de todo o debate político, que até já chegou a Portugal, tem a ver com o seguinte: o sistema mais dinâmico e mais produtivo, em termos da história económica mundial, é o sistema capitalista.

 

Eu sei que o nome é terrível, em Portugal uma pessoa pode ser comunista e ser extraordinariamente respeitável; pode ser de extrema-esquerda e ainda ser mais respeitável, mas um “desgraçado” como eu que venha aqui falar do capitalismo, do liberalismo, nós somos uma espécie quase em extinção neste país.

Mas, independentemente do que vocês possam pensar sobre isso, o que de facto aconteceu entre 2007 e 2009, a terceira variante do capitalismo, quase de certeza que chegou ao fim, ao contrário do que se dizia na altura, “o capitalismo não vai acabar, o que vem aí é uma nova versão”. E todo o ruído que ouvem, todo o debate, que se vai tornar muito mais intenso, isto tem a ver com o meu último ponto, tem a ver com a reinvenção de uma nova versão do capitalismo.

Eu achei piada porque ontem à noite no final do nosso jantar, se falou do quadro do Goya, o fuzilamento de civis espanhóis, que é um grande quadro, esse quadro está intimamente relacionado com a primeira fase do capitalismo moderno. Essa fase é o resultado das lutas contra Napoleão, entre 1803 e 1815. Portanto, entre 1815 e 1914, tivemos a chamada primeira fase do capitalismo.

Essa primeira fase terminou com a I Guerra Mundial, com a Revolução Russa e com a Grande Depressão nos Estados Unidos.

 

A seguir tivemos a segunda versão do capitalismo que foi basicamente feita por Franklin Roosevelt e pelo New Deal, pelo Estado-Providência Europeu, e “The Great Society” de Lyndon Johnson, nos Estados Unidos. Este segundo modelo chegou ao fim do final dos anos 60, início dos anos 70, com grande dificuldade de crescimento económico, taxa de desemprego e inflação muito elevadas.

 

Entramos então na terceira fase, liderada do ponto de vista conceptual e ideológico por pessoas como Ronald Reagen e Margaret Thatcher. Essa fase chegou ao fim em 2007 e 2009.

 

Em 2010 estamos no início de uma nova fase. O que vai ser esta fase? Ninguém sabe muito bem, mas nós já sabemos o suficiente para perceber que a fórmula de relacionamento entre governos e mercados está a mudar e isso vai ter grande impacto a nível político e económico. Acho que é muito importante num país como Portugal nós percebermos isto.

 

Primeiro porque é neste contexto que vocês vão viver, quer queiram quer não queiram.

Quando eu vos disse há pouco que iam estar dentro daquele avião, vocês vão estar mesmo dentro do avião! Sociedades como a portuguesa que vivem na Europa não têm outra alternativa a não ser que queiram regressar a um passado ainda mais pobre e injusto. Presumo que o não queiram! A única alternativa que temos é entrar naquele avião, e teremos de tentar ultrapassar a nossa barreira da velocidade do som, e tentar descobrir o que está para além dessa barreira.

 

Segundo, vocês querem fazer a diferença. É por isso que estão aqui. Mas não acredito que consigam fazer a diferença se não prestarem muita atenção ao que está acontecer na economia internacional.

Portugal é um país peculiar: todas as discussões políticas ocorrem numa espécie de “Marte”, onde a economia política Internacional não existe. Isto é um paradoxo: num país como Portugal, que é altamente dependente em relação ao que se passa no exterior, não consigo perceber por que será tão difícil termos em conta o que se passa realmente no Mundo, porque o que se passa no Mundo em termos económicos ou financeiros terá uma influência decisiva, sobretudo no que vai acontecer à vossa geração.

É muito importante que um partido como o PSD perceba isso. Se não perceberem bem os contornos do que está a acontecer, o PSD vai chegar ao governo e a vossa geração vai pensar que tem imensa margem de manobra para fazer muita coisa. Vêm aí escolhas muito difíceis e vosso papel é compreender o porquê dessas escolhas.

 

Porque alguém vai ter que explicar às pessoas pelo país fora o porquê das escolhas! Se não compreenderem isso, politicamente falharão, e além disso duvido que consigam fazer a diferença. Assim, prestem muita atenção, estejam atentos à economia internacional, e à sua evolução, e a partir daí é que a discussão política deve começar.

 

Em Portugal existe a tendência de se fazer ao contrário: os políticos falam como se o Mundo não existisse e o resultado é que estamos a dar cabeçadas na parede há já algum tempo, e já estamos a ficar com hematomas. Eu penso que a vossa geração não quer continuar assim, mas para não continuar assim é importante que percebamos que vêm aí escolhas complicadas.

Há um senhor que leio muito, Mohamed el Erian, egípcio, o pai é funcionário público egípcio, e decidiu que o melhor que podia dar aos seus filhos era uma educação de altíssimo nível. E deu! Mohamed el Erian escreve bastante para o “Financial Times”, geriu o fundo da Universidade Harvard, que há uns anos valia mais de 30 biliões de dólares, hoje em dia está nos 20 biliões de dólares, são quantias que as universidades portuguesas nem conseguem perceber, e hoje em dia co-preside ao grande fundo de investimento “Pimco”. Este senhor tem um livro que vale a pena ler: “When Markets Collide”. É, a nível financeiro e económico, uma das pessoas mais influentes no Mundo de hoje em dia.

Ele diz que entrámos numa era a que chama de “The New Normal”, a nova normalidade. Segundo ele, o que vem aí são muitos anos de taxas de crescimento muito baixas, de níveis de desemprego muito elevados e de lucros empresariais baixos. E quando se fala em lucros empresariais baixos o país inteiro dá saltos de contentamento: “os malandros dos empresários vão ganhar menos dinheiro”… O problema – e especialmente se vocês acreditam na social-democracia – é que se não há riqueza exagerada, não há riqueza para distribuir. Portanto, qualquer social-democrata inteligente deve querer que o país tenha muitas empresas e que essas empresas ganhem muito dinheiro, porque só assim haverá riqueza para distribuir.

 

Se Mohamed el Erian estiver correcto, as consequências para o capitalismo liberal e sociais-democracias europeias serão severas. O meu ponto de partida, aqui convosco, é que ele provavelmente não está correcto: acho que os anos seguintes serão melhores do que aquilo que ele sugere, mas eu não tenho a certeza.

Vamos partir do pressuposto que Mohamed el Erian não está correcto, se isso for verdade vem aí uma época extraordinária em termos de liderança, criatividade e experimentação a nível político. Será uma época muito interessante e portanto aquilo que vos quero dizer é que isto não é um exercício académico, não devem prestar atenção à economia internacional visto ser uma coisa académica. Devem, isso sim, prestar atenção ao que está a acontecer, porque isto terá consequências muito importantes em termos sociais e para os projectos de vida que possam vir a ter.

Aqueles que quiserem entrar no avião como Chuck Yeager fez para testar os limites, é altamente provável que tenham uma vida fascinante em termos intelectuais ou políticos. Não significa difícil: será fascinante porque isso tem muito a ver com a nova fase.

 

Passando aos três desafios ao nível da economia política internacional, nacional e doméstica.

 

O primeiro desafio tem a ver com os desequilíbrios da economia internacional, e agora gostava de os levar a uma cidade absolutamente extraordinária, que é sem dúvida a cidade de Zhanjiang no sul da China, que podemos ver no Google Earth.

 

[VISUALIZAÇÃO DE IMAGENS]

 

O que é muito interessante nesta cidade, é que a mesma não existia há 30 anos, não havia nada ali, hoje em dia a cidade tem 9 milhões de pessoas: a população de Portugal. É o 4º maior porto do Mundo. Foram precisos séculos para Hamburgo e Roterdão se afirmarem na economia internacional. Em 30 anos Zhanjiang afirmou-se na economia internacional. Nunca vimos nada igual a isto, nunca vimos uma cidade desta dimensão crescer a este ritmo e afirmar-se na economia internacional com tanta rapidez.

Zhanjiang mostra uma tendência de longa duração. Isso que tem a ver com a rapidez a que o crescimento económico tem vindo a acontecer e essa rapidez está associada à reestruturação da economia internacional a que tem assistido. Tenho lido, e tenho tremido com o que tenho lido, sobre a crise de 2007/2009. Há coisas decisivas e que ninguém sabe sobre o País ou então já se esqueceram. Dou-vos três números. Em 1977 a economia norte-americana valia 5.1 trilião de dólares, a economia Chinesa valia 500 biliões. Hoje, 30 anos depois, a economia norte-americana vale quase 15 triliões de dólares e a Chinesa 5.2 triliões de dólares, conseguem fazer a comparação com estes números?

 

Eu vim para Lisboa em 1979, da Ilha Terceira nos Açores. Tinha 17 anos, vim para estudar e há aquela frase do Harlan Ullman que é “choque e pavor” que foi aplicada na guerra do Iraque. Foi isso que senti quando cheguei a Lisboa. Eu achei que Lisboa era a “parvónia”. Uma catástrofe! Eu não estava preparado para aquilo.

Como todos os açorianos, os meus pais mandaram-me primeiro para América aos quinze anos para lavar pratos, trabalhar num complexo desportivo no Verão e de manhã tinha aulas.

Isto foi em 1977, quando a economia americana valia 5.1 triliões de dólares. Cheguei a Lisboa em 79 e fiquei chocado porque vinha de uma ilha muito pequena mas onde havia uma base aérea americana e havia coisas que hoje em dia são óbvias, como Coca-colas, hambúrgueres, batatas fritas, calças de ganga, cigarros Marlboro, televisão a cores, etc. E quando cheguei a Lisboa não havia nada.

 

Pensei que tinha chegado, sem ofender, a um país muito pobre. Foi horrível, fartei-me de ganhar dinheiro. Toda a gente queria calças de ganga, Johnnie Walker, etc…

Vocês hoje em dia não conseguem perceber o que era esse país, mas era Portugal em 1979: era uma economia muito fechada, pobre, virada para dentro.

 

Nós não pertencíamos à Europa. O Carlos Coelho está aqui, nós dizíamos “vamos à Europa”. A Europa era uma coisa que começava para lá dos Pirinéus. Eu conto isto porque quando ouvimos falar da fase três do capitalismo é só desgraças: não aconteceu nada, as pessoas empobreceram. Empobreceram o tanas! Nos últimos 30 anos a economia internacional cresceu como nunca cresceu na história. Se lerem a história económica, nunca se cresceu tanto em termos de economia mundial como nos últimos 30 anos.

 

E mais: crescemos e nasceram 2,5 biliões de pessoas. E fazer crescer uma economia não é fácil, fazer crescer uma economia mundial que nasçam 2.5 biliões de pessoas é ainda menos fácil! Comecem a fazer contas! E sempre que vos vierem com essa conversa que o capitalismo não consegue gerar riqueza, ou que acabou em 2007, que foi uma fase negra e terrível da evolução da história, etc, tenham dó de mim! Peçam às pessoas para vos mostrarem números.

 

A propósito, vêm aí mais 2 biliões para a vossa geração. Já nasceram. E desses 2 biliões que nasceram, mais de 1 bilião vem para a nova classe média mundial. E essa gente vai querer ter o mesmo que vocês: computadores, telemóveis, t-shirts, tudo o que vocês têm. Isto significa que vai haver mercados muito maiores, vai haver muitas hipóteses para que empresas bem posicionadas e que trabalhem bem ganhem dinheiro. E empresas que ganhem dinheiro significa riqueza que pode ser distribuída. É aí que nós estamos.

 

Os últimos 30 anos foram anos fantásticos a esse nível, mas prefiro viver mil vezes num sistema como nós vivemos, com todos estes problemas em que é possível gerar riqueza, que voltar ao passado.

Então qual é o problema que nós temos? É que a economia internacional está desequilibrada. Há um enorme desequilíbrio a favor dos países que exportam muito, China, Alemanha, Japão e Coreia do Sul, e dos países que importam imensa coisa, como os EUA.

Se não arranjarmos maneira de reequilibrar isto nos próximos anos vêm aí tendências proteccionistas muito fortes, o primeiro ciclo para vocês começarem a ver, é claramente o Congresso dos EUA. A coligação que elegeu Barack Obama inclui os democratas mais à esquerda e tendem a ser muitíssimo mais proteccionistas do que os republicanos. E como imagino que o Presidente queira ser reeleito, e como a sociedade americana está furiosa com uma série de acontecimentos, ou os EUA e a China chegam a um entendimento sobre como é que este reequilíbrio deve ser feito, ou então nós vamos ter problemas complicados.

Também na Alemanha, que é um país que sobretudo exporta, em que sua economia está virada para a exportação, as coisas serão complicadas na gestão na zona Euro, se não houver mudanças internas nas estruturas das economias Europeias. 

 

O segundo desafio são questões de políticas internacionais. Acho que a questão decisiva é o que vai acontecer nos EUA? Não vejo que a China seja, em termos de política mundial, uma alternativa aos EUA. Não vejo o país com o apetite e meios para conseguir chegar lá. Não estou a ver a Europa com capacidade de ir por esse caminho. A pergunta decisiva é o que vai acontecer nos EUA?

Acima de tudo o que devem procurar perceber é se a América terá capacidade para se reinventar, é por isso que a eleição de Barack Obama foi tão interessante. E é por isso que os problemas que está a ter estão a ser severos e devem ser seguidos com atenção.

 

Nós na Europa pensamos “ah o Barack Obama foi eleito, a América vai ficar mais parecida connosco, e não precisamos de pensar mais no assunto”. Não é verdade! É curioso saber a resposta à pergunta pois está relacionado com qual vai ser o modelo de capitalismo dominante no futuro. Será um sistema modelado por nós, em que temos valores democráticos e prioridades económicas? Ou será uma variante do sistema chinês, que é obviamente muito mais autocrático, que tem um Capitalismo de Estado virado acima de tudo para a preservação do poder político, e não tanto para a satisfação das suas necessidades, das necessidades das empresas e da ambição dos seus indivíduos? Qual dos dois será dominante no futuro? Penso que a resposta não vai ser dada especificamente pelos países europeus, pois não vejo nenhum país da Europa a querer seguir o modelo chinês. Mas se olharem para evolução da economia internacional, onde vai haver imenso crescimento económico será nas chamadas economias emergentes, que saíram do Terceiro Mundo.

Dois terços do crescimento das próximas décadas terá lugar na África do Sul, Brasil, América Latina, Índia, certas zonas de África.

 

Esses países, que terão um grande crescimento económico, é que vão decidir qual o modelo de capitalismo a seguir. Será o modelo do capitalismo das democracias liberais Europeias, EUA, Japão, Austrália, ou será um modelo muito mais influenciado pela visão chinesa?

Um exemplo: na eleição presidencial no Brasil, o candidato que está atrás (José Serra), é muito mais partidário de um capitalismo à nossa maneira. Já a fogosa candidata do Presidente Lula é muito mais partidária duma outra visão. Claro que não basta a visão duma pessoa, o país inteiro tem que negociar, mas estas coisas não são indiferentes. Portanto a resposta da evolução do modelo capitalista vai depender muito das economias emergentes, e do que esses países conseguirem produzir. 

 

A nível de política nacional é altamente provável que em termos de práticas politicas, direitos humanos e prioridades políticas e económicas, nós venhamos a ter nos próximos anos cada vez mais dificuldade em gerir ou a interagir com o modelo chinês. Não digo que haverá guerra, estou a dizer que vai ser mais difícil. Teremos choques cada vez mais visíveis entre as prioridades do governo chinês, que quer claramente manter-se no poder a qualquer custo – e portanto necessita de ter a sua sociedade estruturada e virada para um certo tipo de actividade económica – e as nossas necessidades, que serão diferentes. Preparem-se porque a retórica vai endurecer de parte a parte nos próximos anos.

 

 

O terceiro desafio tem a ver com política doméstica. Se perceberam os dois pontos anteriores e o tal “boom”, compreendem melhor o que está a acontecer em Portugal. Cá, se olharem para os títulos dos jornais, para os telejornais, há muito ruído. Isto é típico da actividade política. Mas vocês não estão aqui para perceber o ruído, vocês devem ler as notícias sobre o ruído e terem um quadro conceptual que vos ajude a perceber o que o ruído mostra. O grande problema que temos em Portugal é que o debate (imaginem um armário com gavetas), o debate político em Portugal centra-se nas gavetas, mas ninguém vos dá a estrutura do armário: não sabem se o armário é pequeno ou é grande, se vai ficar mais pequeno ou maior.

Enquanto não souberem a verdadeira estrutura do armário, será difícil entender o que está a acontecer. O último debate entre o PM e o líder do PSD é um excelente exemplo da evolução do capitalismo na sua versão quatro. Porém, não sei se isso vos está a ser explicado.

Tentarei explicar o que está acontecer. O que vem aí, independentemente do que qualquer líder político vos diga, são duas coisas: um debate sobre prioridades e um debate sobre sacrifícios.

Quem não vos falar em linguagem que aponte para prioridades e sacrifícios, das duas uma, ou não sabe do que fala, ou sabe muito bem do que está a falar mas não quer explicar bem.

 

Prioridades e sacrifícios é o que vem aí. É o “avião” que nos vai levar ao lado de lá da velocidade do som. Vamos ter que passar pelo momento em que há o “Boom”. Teremos de passar pelo “Buum”.

 

O que é que o Capitalismo na sua versão nova implica em termos de politicas domésticas para todos os países da Europa, nos EUA, Japão, etc? Implica duas coisas paradoxais, a primeira é o maior papel do governo na gestão macroeconómica do país. É isso que a Esquerda voz diz. Mas, o que não nos está a ser dito (nem cá nem em lado nenhum) é que por causa dos números orçamentais de dívida externa e pública, o tamanho do governo vai ter que ser menor.

E uma das razões por que não nos é dito, é porque não sabemos como vamos fazer isto. Tal como Chuck Yeager, nós nunca tivemos lá. Quer dizer que eu e eles sabemos tanto como vocês, entrámos numa zona nova e ninguém sabe muito bem (eu não sei) como é que isto vai evoluir. O que sei é que, partindo do pressuposto que nós não queremos voltar atrás e sermos mais pobres, se quisermos avançar para o nosso futuro, o governo terá de ser menor mas com mais influência em termos macroeconómicos. Isto vai envolver escolhas muito complicadas e difíceis.

 

Nós estamos a entrar na fase da maior reavaliação das prioridades políticas em termos domésticos do nosso país dos últimos 30 anos.

Se vocês olharem com atenção, em praticamente todas as propostas que o Dr. Pedro Passos Coelho tem feito aparece logo a terrível palavra: “liberal”. Ou então “neo-liberal”. Eu não sei o que é o neo-liberalismo. Em Portugal é uma palavra usada para evitar discutir o inevitável. “Perigoso liberal”, “neo-liberal”, “é uma proposta neo-liberal”. Nos dias de hoje quando se diz proposta neo-liberal é como se se dissesse em 1977 “comunista”.

Perguntem a vocês mesmos o que é o neo-liberalismo. Confesso que ainda não percebi, mas a melhor maneira de matar uma discussão em Portugal é dizer-se que é uma proposta liberal, ou neo-liberal.

Isto é dito por pessoas que provavelmente nunca leram uma linha sobre o liberalismo, como é costume em Portugal. As pessoas falam de coisas de que não têm a menor ideia.

 

Isto faz parte da tensão. Como estamos a entrar num novo terreno político está toda a gente a reposicionar-se. E parte da nossa dificuldade em nos reposicionarmos tem a ver com o uso destes chavões. O chavão visa proteger as pessoas de discutirem o inevitável. Esta reavaliação que vai ser feita a nível de política interna gira à volta de duas questões e eu dou o exemplo do debate da saúde entre o PM e o líder do PSD (que tem a ver com a primeira pergunta)

 

A primeira questão é: até onde os governos devem dominar ou controlar o fornecimento de cuidados de saúde, pensões e educação numa sociedade?

A segunda questão é: qual é a estrutura de impostos que uma sociedade deve ter?

 

Se vos dizer que os EUA é um país mais justo fiscalmente do que a maioria dos países europeus vocês atiram-se certamente para o ar. Mas é! Nos EUA, os impostos que o governo federal arrecada são, acima de tudo, rendimentos pessoais e de capital das pessoas mais ricas do país. 10% dos americanos mais ricos contribuem com 48% das receitas fiscais do país. Em Inglaterra também funciona assim, mas nos países da Europa continental não é assim: a classe média paga, e o IVA faz o resto.

Vocês diriam que a França ou a Suécia são países muito mais justos em termos fiscais que os Estados Unidos, é ou não é? Toda a gente pensa isto aqui, mas não é. 10% dos suecos mais ricos contribuem com 28% das receitas fiscais, na América são 48%. Portanto, a maneira como a estrutura dos impostos é desenhada não é indiferente para a maneira como a sociedade vai evoluir.

Vocês vão começar a ver imensa discussão política à volta destas duas questões.

 

Recapitulando: até onde o Governo deve controlar ou monopolizar o fornecimento de cuidados de saúde, educação, pensões, isto é a primeira pergunta. Se estiveram com atenção ao recente debate entre o líder da oposição Dr. Pedro Passos Coelho e o PM, já começaram a ver isto. E podem ver isso muito claramente à volta do sistema nacional de saúde, em que o Primeiro-Ministro diz “tem que ser gratuito e que toda a gente tem que ter acesso”, mas se vocês olharem para os números e para aquilo que realmente está a ser feito, e que vai ter que continuar a ser feito, não é por aí que vamos.

 

Se calhar gostaríamos de ir, mas duvido que seja possível. O país não tem recursos para isso, por isso vem aí um debate muito difícil. Vocês terão várias opções. Se quiserem garantir cuidados de saúde a toda a gente, universal e gratuito, têm que prescindir de gastos públicos em muitas outras áreas, não é possível continuar a ter tudo, como aconteceu durante muitos anos. Portanto vem aí um enorme debate e as eleições, provavelmente em todos os países europeus, vão girar à volta destas perguntas.

 

Isto leva-nos às prioridades e aos sacrifícios. Isto tem a ver com a reforma do Estado que é inevitável.

O que significa isto para vocês? Isto significa o seguinte: o vosso mundo será muito mais complexo que aquele que existiu até 2007/2009. E têm que se habituar a gerir e viver essa complexidade, e têm que se habituar a fazer uma coisa que nós normalmente não fazemos, ou melhor, as mulheres fazem melhor que os homens: o pensamento lateral, em vez do pensamento vertical. Dou um exemplo: eu quero discutir política de saúde e há uma pessoa que se especializa no mesmo, analisando o problema até cá abaixo. Da maneira como as coisas estão a evoluir, nós temos todos que nos tornar muito melhor em pensamentos laterais, ou seja, sermos capazes de associar coisas que estão a acontecer em várias áreas, para tirar conclusões sobre a forma como as coisas estão a evoluir.

 

A vossa geração terá que fazer isso, muito melhor do que a minha foi capaz de fazer. Isso implica que leiam muito. Muitos de vós quererão ter uma actividade política. Há aqui gente envolvida numa actividade política a sério. Eu não vos quero desiludir, mas no governo não há tempo para pensar muito. E tempo para ler é mentira. Um governo tenta sobreviver até ao sábado, de semana a semana.

Se julgam que vão para o Governo para complementar a vossa formação intelectual, esqueçam. Vão para um governo para trabalhar muito, dormir pouco e passarem horas agarrados aos vossos “Blackberry” e telemóveis, e vão sair de lá cheios de nódoas negras e coisas afins. É uma actividade que vale a pena fazer, é gratificante, mas a vossa formação intelectual tem de ser feita antes. Leiam tudo o que puderem. Não interessa o quê, mas leiam, leiam muito.

 

Também vão ter que viver com uma ambiguidade muito maior, e isso tem a ver com a incerteza que nos rodeia. Aquilo que vos disse há pouco, eu não sei muito bem o que vai acontecer, acho que ninguém sabe, mas sei que esta ambiguidade é algo que vos vai acompanhar durante muitos anos. E têm que se habituar a viver com isso

 

Hoje é o Dia da Aviação. John Boyd morreu há poucos anos e foi o piloto de caças norte-americano, provavelmente o mais brilhante piloto de aviação que tiveram desde o final dos anos 50 até ao início dos anos 70. Foi um inovador mas foi um homem que acima de tudo entrou em guerra aberta com a Força Aérea, de tal maneira que quando morre – apesar de ter sido colossalmente influente em termos de estratégia militar norte-americana - quando morre não havia ninguém da Força Aérea americana presente no funeral. Podem ver o amor que a FA americana tinha pelo John Boyd.

Havia, todavia, um ramo das forças armadas mais espartano e aberto à inovação e à aprendizagem: os fuzileiros. Portanto todos os papéis do John Boyd estão com os fuzileiros. Mas a vida dá muitas voltas e em Abril de 2008 Robert Gates, foi Secretário da Defesa de George W. Bush, agora é Secretário da Defesa de Barack Obama, vai à base de Maxwell Gunter, coração do poder aéreo norte-americano em 2008, e quando chega a meio do seu discurso, diz isto perante a força aérea que tinha ostracizado John Boyd; “nós precisamos de mais homens como John Boyd”, homens que experimentem e que desafiem o senso comum, que sejam inovadores e a vossa geração vai precisar de muita gente assim. Mas quando vocês começarem a tentar inovar e a tentar fazer coisas, vão ser confrontados com uma coisa que o John Boyd dizia: “um dia vocês vão chegar a um cruzamento e aí terão de tomar uma decisão sobre que caminho querem seguir”, ele chamava a esta estrada o “to be our to do” - ser alguém ou fazer algo. E ele dizia “se você for por aquele caminho, você poderá ser alguém, você terá que fazer compromissos, terá provavelmente que abandonar alguns dos seus amigos, mas você será promovido e será um membro do clube” depois levantava a outra mão e dizia “se você quiser fazer alguma coisa, se não quiser ser ninguém, mas se quiser fazer alguma coisa pelo seu país, pela Força Aérea, por si, você nunca vai ser promovido”.

Pois ele nunca foi promovido mas vocês vão realmente conseguir fazer coisas. E quando começarem a tentar fazer coisas, enfrentarão o inevitável problema identificado por John Boyd: vai haver um momento em que vão ter que escolher se querem ser alguém ou se querem fazer algo. Não existe nenhuma censura na escolha, são opções, mas é muito difícil fazer coisas e ser alguém ao mesmo tempo, sem haver muitos compromissos pelo caminho.

 

Isto leva-me ao fim, que é uma canção que eu trouxe no ano passado. É de uma grande cantora, Fiona Apple, uma canção de 2005, a letra está nos papéis que vos foram distribuídos, penso que deve ser a última, e a canção é “Extraordinary machine”.

 

[MÚSICA]

 

PALMAS

 

Ela diz “But I'm good at being uncomfortable, so i can´t stop changing all the time” e para a vossa geração, a capacidade de se sentirem pouco confortáveis mas mesmo assim sentirem-se bem, é importante. Não peço que sejam extraordinary machine”, mas espero que sejam “extraordinary people” OK? muito obrigado.

 

PALMAS

 
Dr.Pedro Rodrigues

Muito obrigado Sr. Professor Miguel Monjardino, vamos passar à fase das perguntas dos grupos. João Tiago Valente, Grupo Rosa.

 
João Tiago Valente

Professor Miguel Monjardino, muito obrigado pela sua presença e pela palestra. A nossa pergunta é a seguinte: Em que medida as alterações ao nível geopolítico e da integração económica, poderão abalar os fundamentos da “global economics” que referiu? Obrigado.

 
Dr.Miguel Monjardino

João, como é que você foi parar a um grupo rosa? Tem inimigos aqui? [RISOS]

Se olharem para a história verão que a criação de riqueza tem sempre consequências políticas. Sempre! Quem gere riqueza, quem cria a riqueza, tende a ter sempre mais poder. O poder pode ser usado de muitas maneiras. Por exemplo: o que é que torna os Estados Unidos nas últimas décadas um actor tão importante na política internacional? Duas coisas: a sua riqueza e a vontade de o usar. Uma das grandes diferenças entre os Estados Unidos e os países europeus tem a ver com o segundo ponto. Nós somos muito ricos na Europa – nós portugueses infelizmente somos os mais pobres dos mais ricos, mas é melhor ser o mais pobre dos mais ricos, do que o mais rico dos mais pobres – porém nós, europeus, praticamente abdicamos de exercer o poder em certas áreas, não estamos interessados nisto, tem a ver com a nossa História. E o preço que pagámos por certas coisas. A América não! Ela está disposta a pagar o preço da liderança, este é o ponto 1.

 

O ponto 2: estamos a assistir a uma alteração da distribuição do poder económico e financeiro em termos internacionais, e vai continuar a acontecer. É inevitável que esta alteração da distribuição de poder tenha consequências em termos políticos internacionais, quais serão essas consequências, em termos de violência e coisas afins, ninguém sabe, todavia se nós europeus quisermos continuar a ter influência em termos internacionais, especialmente no desenho das regras, que é uma coisa que nós somos muito bons a fazer. Nós, os norte-americanos e mais alguns países democráticos, estou a pensar na Austrália, Japão, nós temos que chegar a um consenso sobre a melhor maneira para nos posicionarmos em termos internacionais. Respondendo à pergunta do João, se Europeus e Americanos não forem capazes de se entenderem em relação a certas coisas básicas, eu suspeito que as consequências para a Europa serão severas.

  

 
Dr.Pedro Rodrigues

Ana Rita Vasconcelos, do Grupo Verde.

 
Ana Rita Vasconcelos

Muito bom dia a todos os presentes, muito obrigada ao Dr. Miguel Monjardino. Em nome do grupo verde, queria perguntar-lhe se a dimensão demográfica de um país será um factor que limite o seu crescimento económico no novo conceito de capitalismo? Obrigada.

 
Dr.Miguel Monjardino

Obrigado, não necessariamente, mas terá consequências. Nós, europeus, nos próximos anos, vamos ver duas coisas: a Sul da Europa vamos assistir a um enorme crescimento demográfico, principalmente em África.

 

Ponto número dois, a pressão demográfica sobre a fronteira sul-europeia será imensa. Isto não é novo, se olharem para a História do Império Romano a pressão nas fronteiras do Império foi brutal, porque toda a gente queria vir para o Império Romano, porque era um espaço de prosperidade e de alguma paz.

Portanto a sul da Europa vai haver um grande crescimento demográfico, levará a que muita gente queira vir para Norte.

 

Ponto número três, o crescimento enorme da esperança de vida a que estamos a assistir é uma das razões pelas quais os sistemas de pensões e de saúde são insustentáveis. Se virem como está concentrada a riqueza numa sociedade, vêem que é normalmente nas pessoas mais velhas. Portanto vêm aí novos sectores da actividade económica para satisfazer as necessidades duma população bastante mais idosa. Isso implica que a discussão em volta das idades da reforma seja surrealista…

 

Quando o Chanceler Bismarck inventou o protótipo de um sistema de segurança social, a reforma era aos 65 anos. A probabilidade de um homem chegar a essa idade na Alemanha no final do século XIX era quase nula. Se quiséssemos actualizar essa idade dos 65 anos para os dias de hoje, a idade da reforma deveria estar quase nos 90 anos.

Toda esta conversa dos 61, 62, 63, é para começo de conversa e para continuar a subir! É numa questão de fazer contas.

Quando a esperança média de vida de um homem ou mulher está quase nos 80 anos, será que uma pessoa se pode reformar aos 50, 55, 60? E quem é que paga?! Se eu e o meu amigo Carlos Coelho viermos dizer: “nós trabalhámos imenso, estamos com 48 anos, queremos chegar aos 55, 60 anos e reformarmo-nos!” Quem é que nos vai pagar a reforma? São vocês! O que vem aí é um choque político entre gerações, porque a vossa geração – com toda a razão – não vai querer hipotecar o seu futuro para que eu e os outros, possamos não fazer nada. E vão-se preparando porque aqueles que já descontaram querem obviamente ter uma reforma. Mas os interesses da vossa geração são diferentes, vocês também querem ter alguma coisa quando chegar a vossa vez.

Estes são alguns dos problemas inevitáveis que vêm aí.

Esqueçam os números, vão ver a esperança de vida, vão ver os números do orçamento, a actividade económica e cheguem às vossas conclusões.

 

 
Dr.Pedro Rodrigues

Rafael Saque do Grupo Azul.

 
Rafael Saque

Bom dia a todos, queria agradecer ao professor Miguel Monjardino pela sua apresentação. Acha que faz sentido um país como Portugal investir em equipamento militar? Em que contexto um país pequeno deve investir em equipamento militar? Obrigado.

 
Dr.Miguel Monjardino

Quando eu digo na ficha que preenchi que “A história da guerra do Peloponeso” é um dos meus livros preferidos… bem, a escolha do livo preferido é sempre difícil…

Já agora, reparei que a maioria das mulheres aqui presente lê livros muito melhores do que a maioria dos homens. Aprendam alguma coisa com elas! Há alguns rapazes que lêem livros fascinantes mas se eu tiver de comparar os livros que as mulheres dizem que leram e de que gostaram, com os livros que os homens dizem que leram e gostaram, fiquei muito decepcionado com os homens aqui presentes.

Têm de fazer muito melhor do que têm feito, mas muito melhor! Aproveitem a UV, eduquem-se, têm de fazer muito, mas muito melhor do que têm feito.

 

A propósito da pergunta do Rafael, “A história da guerra do Peloponeso” não é um livro fácil de ler. Tem a ver com as condições duríssimas que se pagam por ignorar-se certas coisas básicas da política internacional e, da maneira como as coisas estão a evoluir, um país como Portugal – que está altamente pressionado pela sua sociedade para gastar em saúde e educação e coisas afins – obviamente terá muitíssimos menos meios militares, no futuro.

 

Se olharem para todos os países Europeus, o corte nas despesas militares está a ser brutal, isto tem a ver com aquilo que tentei explicar há pouco, que é a linguagem da prioridade dos sacrifícios. A prioridade da maioria das sociedades europeias não são armas: são saúde, educação, escolas, estradas, essas coisas que hoje em dia todos queremos ter. Mas chamo a vossa atenção que há um limite a partir do qual uma sociedade que não tenha capacidade para se defender de certos tipos de problemas corre sérios riscos. Reparem: vocês dão por adquirido um certo nível de segurança nas vossas vidas, e dão por adquirido que Portugal faz parte duma série de alianças que têm meios para defender um certo modo de vida. Damos isso por adquirido, e isso faz-nos sentir que vivemos em civilização, mas o que torna Tucídides muito interessante é que o resvalar da civilização para a barbárie é muito rápido, e quem tiver dúvidas só precisa de ler Tucídides, o livro segundo “A peste em Atenas”, uma sociedade altamente sofisticada, e comparar com Nova Orleães há cinco anos. Passou-se da civilização à barbárie no espaço de uma noite. E é muito curioso verem o que é que os mais vulneráveis fizeram, para onde foram, e acima de tudo quando as mulheres perceberam o jogo que estava a ser jogado o que é que elas fizeram? Logo, inevitável.

Rafael, vai assistir a um corte substancial de despesas militares, num país como Portugal, que tem uma geografia peculiar, que tem ilhas, tem um espaço Atlântico muito grande, isto envolve escolhas ainda mais difíceis, estamos a falar de plataformas militares muito caras.

   

 
Dr.Pedro Rodrigues

Muito obrigado, Gisela Sousa do grupo laranja. Obrigado

 
Gisela Sousa

Bom dia a todos. Agradeço a presença do Professor Miguel Monjardino aqui na nossa UV. Em nome do Grupo Laranja pergunto: no que concerne à política doméstica, quais são para si as grandes prioridades de um futuro governo social-democrata? Obrigada.

 

 
Dr.Miguel Monjardino

A resposta mais curta da UV: a prioridade de um governo social-democrata é criar a riqueza. Precisamos de ser um país mais rico.

Como já perceberam, eu pertenço à minoria/seita dos liberais em Portugal. Somos uma espécie quase em via de extinção. No outro dia estava a ler um livro coordenado pelo Prof. Rui Ramos sobre a História de Portugal e o que é perturbante quando nós lemos o livro é que não há uma única personagem liberal na História de Portugal.

Por isso não tenho a menor ilusão no sucesso político das minhas ideias. Se vocês forem liberais, a resposta é criar riqueza. Mas especialmente se forem socais-democratas a prioridade de um governo é criar riqueza, e para criar riqueza nós precisamos de mais gente a trabalhar em empresas, e de muito mais empresas.

Deixem-me dar-vos um livro que deviam ler. É o livro do professor António Câmara, professor de engenharia na Universidade Nova, foi prémio Pessoa e é de uma empresa chamada YDreams. O nome do livro é “O Futuro Inventa-se”.

Um dos argumentos do professor António Câmara é que Portugal precisa de criar uma geração de exploradores. Nós passamos a vida a glorificar o “Padrão dos Descobrimentos”, Portugal precisa de uma geração de exploradores. É preciso muito mais gente a criar empresas, a criar riqueza, e é preciso um governo que não seja hostil à criação desta riqueza. A meu ver esta é a principal prioridade de um governo social-democrata. Sem riqueza todos os vossos sonhos são ficções, ilusões, se não houver riqueza, aí estamos a falar de outras coisas, mas tem que haver riqueza. Obrigado.

 

 
Dr.Pedro Rodrigues

Grupo Castanho, João Paulo Abreu.   

 

Muito bom dia. O nosso grupo gostaria saber que impacto terá na segurança e ordem internacional o choque de mercados que referiu?

 
Dr.Miguel Monjardino

Tudo depende da maneira como os principais actores da economia internacional forem ou não capazes de se entenderem. Nos anos 30 do século passado não foi possível um entendimento e o resultado foi péssimo, pobreza generalizada, o nascimento de uma série de ditaduras. Fala-se muito do Dr. Salazar como se fosse uma aberração na História política europeia. Se forem ver a História nos anos 30 na Europa, eram raras as democracias liberais. A regra eram as ditaduras, ditaduras com o apoio popular, porque o caos gerado foi de tal maneira grande que a maioria das populações preferiram confiar os seus destinos a estes chamados homens fortes, que poderiam eventualmente pôr o país na ordem. Portugal sempre teve uma certa tradição em procurar homens e mulheres fortes capazes de gerir os seus destinos e portanto apostou no Dr. Salazar.

Vocês não conseguem perceber a ascensão do Dr. Salazar se não perceberem o caos que foi a I República. Vem aí o Centenário e talvez não fosse má ideia relembrar, pelo menos em determinadas alturas, o que foi a I República em Portugal. Não foi um regime nada agradável, e não foi de certeza um regime democrático.

 

Até agora o que temos tido, penso que isto explica a prosperidade das últimas décadas, apesar de todos os problemas, tem havido um entendimento entre os principais actores da política internacional, se não houver entendimento e caminharem para formas mais proteccionistas, aí poderemos ter problemas complicados.

Vocês estão dispostos a prescindir da política agrícola comum? Não sei, os franceses não estão de certeza. Acho graça que na França fazem-se manifestações contra a fome em África e depois sejam a favor da política agrícola comum que é a coisa mais proteccionista que existe. E faz-me confusão que na América existam manifestações contra a fome em África, e depois os políticos se recusam a acabar com os subsídios ao cultivo de algodão. Isto são exemplos, nós vamos ser um bocadinho confrontados com isso.

 

 
Dr.Pedro Rodrigues

Grupo Encarnado, Vasco Fernandes.

 
Vasco Fernandes

Bom dia a todos. Como explicar o raciocínio do equilíbrio entre importações e exportações à realidade Portuguesa? Como podemos passar mais e o quê? Obrigado.

 
Dr.Miguel Monjardino

Boa pergunta! Um dos problemas que vamos ter, e isto está relacionado com a pergunta do grupo castanho, é a reorientação da estrutura produtiva de praticamente todas as economias desenvolvidas. Da mesma maneira que vai ser pedido ou exigido a economias como os Estados Unidos ou Portugal que passem a exportar mais. E não é só exportar mais, têm que criar novos produtos que tenham um alto valor acrescentado, isso só é possível com uma população altamente educada. Problema número um.

Hoje em dia ir à escola em Portugal não é sinónimo de educação. Já foi. Hoje pode sair-se da escola com alguma educação mas eu suspeito que a maioria das pessoas sai de lá pouco educada. Não estamos a correr para cima, estamos a correr para baixo, isto é algo que vai ter que ser gerido e resolvido porque há coisas que as escolas já não conseguem fazer mais.

Um dos problemas que vamos ter é o seguinte, precisamos de uma população muito mais educada, mas precisamos de criar ou que existam empresas para empregar essa população educada, não nos serve de nada investir em educação, criar gente altamente qualificada, e depois o país não tem criadas empresas para absorver essa mão-de-obra qualificada que vai para o estrangeiro.

 

Portugal deve investir. Devo confessar que não sei, mas como o Dr. António Carrapatoso vem aí, ele é um homem muito bem sucedido e sabe ganhar dinheiro. Perguntem também ao Dr. Jorge Guimarães, que se doutorou em medicina na América e que um dia teve um sonho e criou uma empresa. Se virem os anúncios dele nos cadernos de emprego no Expresso, são empregos altamente qualificados, é um excelente exemplo de uma pessoa que criou algo com base numa formação de grande nível. Só que mudou de área, isto também tem a ver com a ambiguidade que vos falava há pouco. O Dr. Jorge Guimarães doutorou-se em medicina e hoje em dia tem uma empresa de software clínico. Software para a medicina é um salto grande, eu por exemplo, estudei direito, a única coisa boa no curso foi ter conhecido a minha mulher, odiei exercer, fugi o mais depressa possível para o estrangeiro para trabalhar na área que eu queria. É altamente provável que a vossa geração venha a ter várias carreiras, por isso quando eu digo têm que ler e estudar muito, tem a ver com isso, é preciso uma boa formação de base.

Quando falo em boa formação de base, estou a falar de matemática de base, português bom, e convém ter uma ideia onde é que estamos em termos históricos. Se quiserem ser politicamente bem sucedidos, convêm que conheçam muito bem a História do país, e para isso leiam o livro coordenado pelo Professor Barreiros porque ficam com uma ideia das várias oscilações. Ou leiam só a idade contemporânea do livro, porque nos últimos duzentos anos vêem as fases das oscilação e o que é possível ou não, o limite do possível daquilo que é politicamente possível, a resposta tinha a ver com empresas e eu fui para a um sítio diferente.

 

 
Dr.Pedro Rodrigues

Nuno Martins do grupo cinzento.

 
Nuno Martins

Bom dia a todos. Se tivéssemos de definir três blocos a nível mundial, escolheríamos os Estados Unidos, União Europeia e a China.

Apesar de tudo os EUA têm melhores perspectivas a nível económico, demográfico, em termos de inovação e de captação de cérebros.

Na Europa, estamos a enfrentar duas tendências: passamos do velho continente para o continente dos velhos, e estamos a assistir à transferência progressiva do centro económico do Atlântico para o Pacifico. Como é que a União Europeia se poderá reinventar? Terá ela necessidade de aprofundar os laços com o Mundo Ocidental, criar um bloco com Estados Unidos, Canadá, Austrália e outros países que tenham esta matriz ocidental? Obrigada

 
Dr.Miguel Monjardino

É muito interessante verem o seguinte: se recuarem cinco anos e se lerem qual era o ambiente intelectual na União Europeia nas principais capitais, e os livros que foram publicados, era um ambiente extraordinariamente optimista em relação à Europa, foram publicados livros como “Porque é que a Europa dominará o século XXI?” e “The United States of Europe”, claramente a dizer vem aí uma nova potência, “nós Americanos temos que prestar atenção, porque esta potência é o futuro”. O livro até começa com a Comissão Europeia a ganhar uma guerra política ou burocrática a uma das maiores empresas mundiais, a “General Electric”.

Se recuarem cinco anos o ambiente era de grande optimismo, como a pergunta mostra agora, é que é de grande pessimismo. E parte do trabalho que a vossa geração tem que fazer é, e quando digo para lerem livros, a sociedade democrática tem que ter jornais, mas essa sociedade tem que ter pessoas que leiam livros porque os livros é que vos dão a linha da história, e se conhecerem a história conseguem perceber em que fase estão.

 

Vou-me desviar agora. A vossa geração é a do mundo digital, tende a ler pouco. Vocês consultam umas coisas, vão à Internet e já está! Para uma pessoa normal isso já não é bom, para vocês que querem fazer diferença, é catastrófico, porquê? Porque vocês não tem pilares conceptuais, portanto vocês são bombardeados com títulos de jornais, e as noticias que os jornalistas obviamente tem que colocar, é o trabalho deles, eu também faço isso, mas se vocês não tiverem os pilares conceptuais em termos de história de economia, vocês não sabem onde é que estão, estão a ver, agora vocês, e o futuro da União Europeia, o debate em 2010, o pessimismo é muito grande. O que é que isto sugere? Sugere, que nós precisamos ter uma ideia para que serve a UE, a pergunta parece simples, mas a resposta não é nada óbvia, do meu ponto de vista, a UE serve acima de tudo para gerir a nossa influência na globalização, e garantir que nós tenhamos um modo de vida muito bom. Mas há muita gente que discorda, porque isto implica uma União Europeia aberta ao Mundo.

 

Vocês têm que perceber qual a União Europeia que querem. Estou a passar-vos a bola. Perceberem que na época em que estamos, 2007/2009, da mesma maneira que é o final de uma fase do capitalismo, é a primeira grande crise do Euro e da União Europeia.

O que é interessante é que quando a crise aparece, principalmente, em 2008 a sério, a maior parte dos políticos europeus pensam que isto é um problema da América, “nós gerimos bem as nossas economias, mas veio uma avalanche que nos ia levando a todos”.

 

Portanto, nós estamos na fase em que ninguém sabe muito bem para onde é que isto vai, mas a resposta será dada acima de tudo por vocês. O que é que a vossa geração quer? Provavelmente quererão lideranças políticas diferentes e novas, estamos a chegar a uma fase, em que o único líder político popular é o David Cameron, e que está no governo há 130 dias. Não sei se daqui a um ano estará lá, se a coligação persistirá, porque estão a fazer cortes brutal em termos orçamentais; todas as outras lideranças europeias tendem a sair muito impopulares e isso tem a ver com a incerteza em relação ao futuro, tem a ver com as escolhas que os eleitorados começam a pressentir que serão muito difíceis.

Nós, europeus, estivemos sempre ao volante ou no lugar ao lado do volante nos últimos séculos/décadas, agora estamos a começar a perceber que ou evoluímos ou vamos parar ao lugar de trás ou ao porta bagagens. É para aí que vamos se não fizermos nada.

 
Dr.Pedro Rodrigues

Grupo Roxo, José Francisco Castela.

 
José Francisco Castela

Bom dia a todos, o grupo roxo pergunta: caso a velha Europa seja posta de lado na alteração do rumo do capitalismo mundial, que principalmente no último ano se tem desenvolvido no eixo EUA/China, e tendo em conta que as economias emergentes é que decidirão o rumo deste mesmo capitalismo num futuro próximo, até que ponto Portugal poderá aproveitar a relação privilegiada que tem com o Brasil, para não ficar à margem do “boom” que se avizinha?

 
Dr.Miguel Monjardino

O Brasil é um excelente exemplo do que se está a passar nos chamados mercados emergentes, aliás o Brasil já não é emergente: é uma das maiores economias mundiais, e aquilo que tem sido feito no Brasil é muito curioso. Se relembrarem quando o Presidente do Brasil foi eleito, houve imensas dúvidas nos mercados internacionais, porque a sua retórica era muito à esquerda. Mas tal como tem acontecido nas últimas décadas, há governos que são eleitos e falam muito à esquerda, e batem no peito e dizem que fazem e acontecem, mas as forças que estão no coração da globalização são de tal maneira fortes que acabam por disciplinar mesmo os governos mais indisciplinados, como por exemplo tem sido o nosso.

E quando digo o nosso não estou a falar do actual governo, estamos claramente com um problema grave em Portugal há muitos anos, e este é um problema que tanto atingiu o PS como o PSD, e tem a ver com a dificuldade que o País tem em se reinventar, e tem a ver com o preço que inevitavelmente vamos ter de pagar.

Mas voltando ao Brasil o que vocês vêem é algo curioso, se olharem para a América Latina toda, fico sempre deprimido com o tempo que se gasta neste país a falar do Hugo Chavez, que não vai a lado nenhum. Aliás, a Venezuela está cada vez pior, e pior vai ficar, não consigo perceber por exemplo, porque é que um país que foi governado por pessoas claramente de esquerda como o Chile, e por uma mulher médica, Michelle Bachelet, praticamente ninguém lhe presta atenção. Não percebo como é que outros países governados por governos de esquerda democrática são completamente ignorados por cá. Em Portugal sempre que o “fóssil” Fidel Castro fala, o país fica em transe; quando o Hugo Chavez fala é a mesma coisa. Hugo Chavez chamou um nome feio a Obama, isso é “ fogo de artifício” não interessa nada, o que interessa é o que está a acontecer no Brasil e em muito países da América Latina, que hoje em dia têm empresas de nível Mundial, a nível multinacional, isso é o que interessa.

 

E respondendo à pergunta do grupo roxo, na busca por novos mercados eu suspeito que Portugal tem claramente que ir à procura desses mercados, aliás, se li bem a última entrevista do Ministro do Negócios Estrangeiros, o Dr. Luís Amado ao “Expresso, ele diz claramente isso, há mercados novos que nós temos de ir à procura. Penso que disse isto numa outra conferência, que gerou alguma discussão, a geração mais nova com algum espírito de aventura podem pensar ir para Sul, mas devem prestar atenção, todavia em algumas coisas, direitos de propriedade, nunca invistam num País onde os direitos de propriedade não são claros, o sistema judicial funcione, eu aqui tenho vou-me calar porque senão vou ter começar a falar de Portugal e eu não quero ir por aí.

Mas pensem no Sul, e em mercados que vem claramente aí, em que vão ter muita gente, e em que as necessidades vão ser muito, muito grandes, reparem, o que vem aí em termos de construção de infra-estruturas, portos, aeroportos, estradas e tudo o que possam pensar de infra-estruturas associadas a actividade económica, vai ser brutal, vai haver imensa actividade económica, parte do vosso trabalho, aqueles que gostam de trabalhar em empresas, tem a ver com o perceber onde essa actividade económica está a ocorrer, e se há ou não lugar para vocês, aí nesta nova fase da globalização, vem aí uma nova fase que papel é que vocês querem ter? Em Portugal toda a gente quer trabalhar em Lisboa, ou Porto, isto depois vai ter efeitos muito nefastos na geografia económica do país, eu vivo numa ilha pequena, mas a minha actividade é puramente intelectual, portanto eu não sou exemplo para ninguém.

 
Dr.Pedro Rodrigues

Muito obrigado Sr. Professor, Gonçalo Camarinhas do grupo bege.

 
Gonçalo Camarinhas

Bom Dia a todos, a nossa pergunta é sobre a China.

A China e o seu comunismo serão uma emergência de valores de esquerda? E qual será a influência nos países Asiáticos, e de que forma poderá ter proveito Portugal nessa relação com a China?

 
Dr.Miguel Monjardino

Valores de esquerda… coitado do Mao Zedong. Se voltasse ao Mundo eu acho que fuzilava a actual liderança chinesa. Para perceberem a China têm que saber que a História chinesa é o resultado de uma tensão entre as províncias na Costa do Pacifico e o interior.

Mao Zedong, representa o triunfo da visão introvertida da China, da facção continental da China, fechada ao exterior, totalitária, altamente violenta, penso que nunca se matou tanto na História como com Mao Zedong. Penso que nem Estaline conseguiu matar tanta gente, nem o Adolf Hitler, e isso tem a ver com o preço das utopias, criar uma sociedade nova, coisas revolucionárias que aparecem de vez enquanto, aqueles sonhos que curiosamente depois são aplaudidas nas universidades euro-atlânticas, depois morrem milhões de pessoas, com base na ideia de reinventar uma sociedade a partir do nada.

Nos últimos trinta anos, que curiosamente coincide cronologicamente com a terceira fase do capitalismo, do que vos falei, é a abertura ao Mundo 1978, por Deng Xiaoping, abertura ao investimento estrangeiro, isto representa o triunfo da faixa costeira da China.

Problema número um, valores de esquerda, a grande ambição politica do partido comunista chinês é manter-se no poder. Ponto número dois, como? O partido comunista chinês tem que garantir que a sociedade chinesa cria milhões de empregos todos os anos, e não estamos a falar de cem mil empregos, estamos a falar de milhões de empregos todos os anos, isto vai continuar ou não? Não sei! Porquê? Porque à medida que a sociedade chinesa for reinventando o seu modelo económico, para menos exportações e mais consumo, a transição implica menos actividade económica, o que significa um risco político elevado para o poder político chinês. Vai ser muito interessante ver como é que isto vai acontecer.

Prestem atenção à evolução da sociedade chinesa e à tensão entre a parte continental da china, que é a parte mais pobre, e a parte da faixa marítima, o que eu mostrei Zhanjiang, é um exemplo típico da faixa costeira, essa faixa costeira os seus interesses têm dominado a politica chinesa nos últimos 30 anos, não é liquido que vá continuar a ser num futuro assim, é algo a que vocês e eu, temos que prestar muita atenção.

 

 
Dr.Pedro Rodrigues

Miguel Gaspar do grupo amarelo.

 
Miguel Gaspar

Antes de mais, bom dia a todos os presentes. Dr. Miguel Monjardino muito obrigado pela sua presença no primeiro dia aqui na UV. Actualmente vivemos numa Europa em que não existem política de natalidade, existe uma diminuição cada vez mais acentuada de jovens, o que leva à diminuição da mão-de-obra, especialmente no sector primário e terciário. Uma solução fácil passa por uma abertura das fronteiras, políticas de emigração sustentadas. De que modo podem serem uma solução sustentada nesta nova fase, a quarta fase do capitalismo, principalmente quando temos países como a França, Itália, a convidar os seus emigrantes a voltarem aos seus países?

 

 
Dr.Miguel Monjardino

Ok, muito obrigado. Há pouco disse que nós a sul vamos assistir a uma grande explosão demográfica nos próximos 20/30 anos. O que acontecerá na Europa e sobretudo na Ásia será uma coisa diferente, vamos assistir a um dos mais rápidos envelhecimentos da história.

A China vai ser a sociedade que provavelmente envelhecerá mais rapidamente na História. Em 2006 a maioria das vossas perguntas foi sobre o Médio Oriente e hoje as perguntas têm a ver com algo completamente diferente, algo que vos preocupa. Isso mostra que estão bem sintonizados com o que está a acontecer. Quando disse que a economia chinesa valia 5.2 triliões de dólares, que é um valor muito grande, é mais que o Japão, que a Alemanha, etc., não vos disse uma coisa muito importante: a sociedade chinesa é muito pobre, o “PIB per capita” anda a volta dos 3600 dólares. A China provavelmente estará entre o 97º e 90º lugar a nível mundial em termos de “PIB per capita”. É um país muito pobre. O drama da China é que vai envelhecer em vez de enriquecer, isto vai criar enorme tensão e pressão política. Na Europa vamos ter um problema diferente, nós comparados com os outros, como continente somos muito ricos, mas estamos a perder muita gente. Em Portugal não há gente suficiente para manter a social-democracia que tanto gostam, e isto tem a ver com as escolhas sociais que nós fazemos.

Se quiserem ter uma social-democracia pujante no futuro, lamento informar que já não vão a tempo, porque as crianças mesmo concebidas na UV do PSD já não vão a tempo de adiar as escolhas muito difíceis que vem aí. Não é possível ter modelos sociais muito generosos se não houver crianças, não é possível.

 

Indo ao encontro da pergunta do Miguel Gaspar, nós temos várias alternativas: a 1ª é aceitar muito mais emigração do leste, coisa que temos feito. É gente altamente educada, é gente que se integra bem.

A 2ª é muito mais controversa mas também inevitável, tem a ver com a pressão demográfica a sul: vamos ter um défice de gente a norte, um excesso de gente a sul, e parece-me inevitável termos que decidir o que queremos, queremos ou não ter mais emigração de África, porque são pessoas que trabalham, pagam impostos, vivem uma vida honesta, e contribuem para a nossa sociedade.

Ou então não queremos, a resposta será dada por todos nós, agora vocês e eu não podemos querer continuar a ser uma sociedade a nível europeu decente, com um nível de gastos públicos elevados, com a taxa de natalidade que temos… isto não é possível. Quando vos falo em prioridades e sacrifícios tem muito a ver com isto.

 

Precisamos também de manter todos os bons que temos, e há muita gente boa nova que está a sair do país, e está a sair, porque entende que o seu futuro não passa por aqui. Perder essas pessoas, que tem melhor educação, e acima de tudo mais energia criativa, é uma tragédia para este país. Se olharem para onde estão a ir, é terrível, estão a ir para o Norte da Europa ou para América. A grande virtude da América, continua a ser, apesar de todos os seus problemas, uma sociedade farol. Alguém já viveu na América aqui? Não?! Vão! O que estão a fazer aqui? Vão dar uma volta! Vão-se embora, um ano, dois anos, desapareçam. Portugal é um país onde nós ainda saímos muito pouco, e o futuro do país seria muito melhor se vocês todos saíssem um ou três anos para países com economias desenvolvidas, aquilo que podem trazer de volta será fantástico para o País. Obrigado.      

 

PALMAS

 
Dr.Pedro Rodrigues

Vamos entrar na fase de “catch the eye“, ou seja, a das perguntas espontâneas para colocar ao Sr. Professor.

Temos já três inscrições, muito bem.

 

 
José Antunes

Bom dia a todos. A minha questão prende-se com a migração dentro do espaço comunitário europeu. Nos últimos dias assistimos a várias notícias sobre a actual medida do governo francês em extraditar os indivíduos de nacionalidade romena de etnia cigana. Ontem lemos uma notícia que dizia que a Itália se prepara para fazer o mesmo. Estaremos nesta Europa social e comunitária perante o efeito dominó, em que vários países tomarão esta medida extraditando pessoas que são ilegais e têm antecedentes criminais?

 

 
Miguel Gaspar

Há pouco falou dos cortes na Defesa. Esta está associada ao poderio económico de cada país. Hoje assiste-se a uma quebra dos EUA na defesa mas ao inverso do lado da China. Enquanto a América corta na defesa, a China aposta, aumentando mais o seu exército e poderio militar. Estamos perante uma mudança a nível mundial?

 
Ricardo Lima

Eu sempre tive como uma das mais importantes características do Poder a população. Já dizia Napoleão Bonaparte qualquer coisa como “quando a China acordar vai dominar o Mundo”. Efectivamente está a dominar a nível de população, mas o que não entendo é porque é que as pessoas se concentram tanto na China em detrimento da Índia, que além de estar em grande crescimento populacional e industrial, tem um potencial académico que ainda não consigo ver na China.

 
Dr.Miguel Monjardino

José Antunes, sobre as migrações vão começar a assistir muito a isto. Vejam a legislação que o Estado do Arizona adoptou, independentemente do que o Governo Federal e os tribunais pensam, aquilo que está a acontecer em França, na Itália… e vem aí mais! Tudo isto está associado à enorme pressão demográfica junto de espaços económicos bem sucedidos numa época de crise.

Vejam a maneira como no México os Estados Unidos são vistos: são vistos como uma vida melhor. E a maneira como certos países da Europa dentro do espaço comunitário são vistos, ou como são vistos em África ou na Ásia Central.

O que estamos a assistir resulta do sucesso político e económico desses espaços. Tenhamos isto presente, ponto número um.

Ponto número dois, eu pessoalmente não vejo problema nenhum que pessoas que cometeram crimes sejam deportadas. Não estou a ver porque é que estrangeiros que cometeram crimes no nosso país têm que ficar cá. Aliás, penso que em todos os países, ou praticamente todos os países, em que um emigrante ilegal cometa um crime é deportado. Isto não tem nada de novo.

Agora uma coisa completamente diferente é o problema na América: têm 12 milhões de ilegais. Sejamos claros, esses emigrantes não voltam a casa, e como a sociedade americana não chega a consenso sobre o que fazer com eles, estão no actual impasse em que o governo federal diz uma coisa, ou seja, “nós não vamos resolver este problema agora”, e as populações que estão na fronteira dizem, “não, vocês vão resolver, e se não resolverem nós resolvemos”.

Grande parte do problema que vamos ter na Europa tem a ver com isto, tem a ver com a pressão demográfica nas nossas fronteiras, com as pessoas a quererem viver melhor e que emigram ilegalmente, como nós emigrámos ilegalmente para França, América, Canadá.

Éramos uns tesos, uns desgraçados. Portugal perdeu imensa gente porque não havia futuro neste país, nós estamos a assistir a uma inversão, agora não somos nós a ir ter com eles, são eles que vem ter connosco, é sinal de progresso do país. Não tenho a solução para este problema mas acho importante que percebam o contexto.

 

Jorge Oliveira, é inevitável que a China vá investir mais no poder militar, o país está mais rico. Eu não acho que os EUA e a China estejam a caminho de uma guerra, mas nós vamos começar a ter problemas no mar do sul da China e no Mar Amarelo. As linhas de comunicação chinesas são altamente dependentes do Pacifico e do Índico, e que os três grandes estreitos por onde todo o tráfico passa são dominados pela Marinha norte-americana e seus aliados. Vem aí um problema. O orçamento de defesa dos EUA ronda os 700 biliões de dólares: uma quantia que nem conseguimos perceber. O da China estará nos 100 biliões, uma diferença muito substancial. Mas atenção, a América é um inimigo terrível, porque combate! O regime Chinês e os Estados Unidos, vão ter que gerir isto com muito cuidado no futuro e os seus aliados regionais, se quiserem perceber como as coisas estão a evoluir, prestem atenção a quem anda a fazer manobras navais no Pacífico, e vão ver que nas últimas semanas, ui… tem havido grande agitação, mas vejam quem pagou o quartel-general em Timor, foram os Chineses, prestem a atenção: quem é que anda a fazer o quê, e quem é que anda a pagar o quê.

 

China e a Índia. Em relação à Índia, concordo absolutamente. É um país notável, muito mais equilibrado em termos de estrutura, não vive sobretudo de exportações, vive acima de tudo do seu mercado interno, tem muita gente, é um país a que devemos prestar muito mais atenção, vai ser um país muito, muito interessante, e tem uma tradição democrática, que é curioso.

 

 
Luís Bacalhau

O Mundo está melhor hoje. Ainda assim, pergunto o que acha que deve ser feito ao nível do capitalismo para evitar a desigualdade na distribuição da riqueza?

 
Artur Miler

Ao longo da história nós sabemos que os Estados Unidos conseguiram captar alguns cérebros para se conseguir desenvolver. Será que Portugal no futuro conseguirá oferecer algumas condições para que os nossos fiquem por cá? Obrigado.

 

 
Luís Ângelo Oliveira

Começo por dizer que sou um dos seus: para mim Adam Smith não é de todo um bicho que se diz. Temos que voltar a pensar nele.

O debate actual sobre a Revisão Constitucional tem assustado muita gente, a mim não mas por exemplo ao meu pai assusta. Temos muitas discussões ao almoço e ao jantar acerca do controlo do Estado no sistema da saúde, educação etc. Gostava de saber a opinião do Professor: vamos seguir uma corrente mais liberal quanto à saúde e educação ou vamos continuar a prosseguir com esta mescla que ninguém percebe entre público e privado?

 
Dr.Miguel Monjardino

Vou simplificar e exagerar, depois se quiserem falamos no final.

Vamos assistir a uma coisa muito curiosa. Como vos disse a população mundial vai aumentar mais de dois biliões de pessoas até 2050. Vamos chegar aos nove biliões de pessoas, a distribuição vai ser um bocadinho diferente do que tem sido até agora, mas isso quer dizer que vai haver muito mais necessidades alimentares. Não é só as pessoas que já nasceram e que estão a crescer, são as pessoas que ascenderam à classe média que eventualmente não devem querer passar o dia a comer arroz. Querem comer bifes com batatas fritas como nós comemos, querem comer melhor.

Aumento de população, mudança de hábitos alimentares. Como é que isto vai ser feito? Suspeito que teremos de assistir a grandes investimentos na investigação agrícola, como aconteceu no passado, para poderem melhorar drasticamente a produtividade agrícola. Isto tem consequências para um país como Portugal, nós somos altamente deficitários em produção agrícola, e se olharmos para o nosso país vemos que parte dele arde todos os anos por razões que ninguém consegue perceber.

 

Só é possível diminuir as desigualdades numa sociedade se houver riqueza para distribuir. O grande problema do discurso português é que assume que a riqueza existe. Mais, assume que o bolo é muito grande, mas digo-vos que o bolo é mais pequeno do que se diz, e ainda vai ficar mais pequeno. Portanto isso tem a ver com o debate político, serve de captação de talentos e actividade científica.

Eu diria que em Portugal estamos muitíssimo melhor servidos a esse nível, já há equipas muito boas a trabalhar cá numa série de áreas.

Portugal fez um enorme esforço em termos de bolsas de estudo, financiamento da actividade científica, há imensa coisa a ser feita, há cientistas portugueses que já ganharam imensos prémios.

Estamos a falar de investigação de ponta a nível mundial, há imensa gente a fazer isto em Portugal. É evidente que podermos fazer mais, melhor ainda, mas já existe muita gente a fazer isto, imensas mulheres a trabalhar nestas áreas, portanto eu devolvo a pergunta, quer para o Dr. Jorge Guimarães quer para a Dra. Elvira Fortunato que estarão cá e são as pessoas indicadas para vos responderem.

 

Luís Oliveira, há coisas muito interessantes sobre Adam Smith. Há uma biografia muito curiosa, que ainda não li mas tenciono ler. Toda a gente fala da mão invisível, obviamente ninguém leu a Riqueza das Nações, e a maior parte das pessoas nem imaginam os problemas que abordou e a tentativa que fez para contabilizar a actividade económica de uma forma diferente.

E obviamente que ninguém leu a Teoria dos Sentimentos Morais, portanto Adam Smith é apresentado como o capitalismo desenfreado. Coitado, o homem se viesse hoje à terra tinha um ataque cardíaco, porque não foi nada disso que escreveu.

Em relação às discussões com o seu pai dou-lhe os parabéns porque um filho consegue falar e discutir com o pai à mesa hoje em dia é fantástico, hoje em dia, muita gente passa a vida à mesa a ver televisão, aquelas telenovelas que dão cabo da nossa cabeça etc.

Eu acho que Portugal é um país intelectualmente de esquerda, aliás basta ver a terminologia portuguesa, o partido mais à direita é o Centro Democrático Social…

Portugal estruturalmente é um país de esquerda, todo o discurso político que está a ser feito pressupõe que o Estado vai continuar a controlar determinadas áreas. Aquilo que eu vim aqui dizer hoje a vocês é: não acredito que seja possível. Uma das consequências do capitalismo na sua fase quatro é que o Estado vai ter mais influência na regulação, e deve ter, mas vai ter mais dificuldade em controlar o que se passa em determinadas áreas.

Penso que é inevitável, aliás foi muito interessante ouvir o Dr. Passos Coelho a responder ao PM na questão da saúde, que vai haver cada vez mais actividade privada, quer na saúde, quer na educação.

Estamos num país ainda muito virado à esquerda, pelo que isto vai ser muito difícil de vender politicamente. De certa maneira é uma bênção o Partido Socialista estar no Governo…

Se o PSD tivesse a fazer as coisas que este Governo fez, tinha caído o Carmo e a Trindade neste país. Há coisas que são mais fáceis de serem feitas se forem feitas por um governo teoricamente mais à esquerda, do que serem feitas por um governo ao centro. O desafio para o PSD quando se tornar poder, é continuar a fazer este caminho num cenário que me parece que vai ser bastante mais difícil, porque a margem de manobra vai ser bastante mais estreita, portanto continue as conversas com o seu pai, porque isto vai ser muito interessante de seguir.

 
Bruno da Silva

Bom dia. É um orgulho estar aqui presente hoje e agradeço imenso a intervenção do Professor Miguel Monjardino. Peço desculpa pelo meu sotaque, penso que sou um caso prático de um português que nasceu em França e depois de estudar vem cá trazer algo diferente.

A minha pergunta também não tem a ver com a China, Índia e Estados Unidos, mas com África e a nova demografia e Magreb. Como podemos combater hoje em dia a Espanha que tem um poder económico mais forte que nós no Magreb? Argélia, Marrocos, Tunísia são os limites da Europa e nos temos dificuldades em enfrentar os problemas que nos dão os espanhóis nesse plano. Pergunto, devemos aproveitar os problemas políticos entre os Marrocos e Espanha?

 
Nuno Carrasqueira

Com o esgotamento desta fase três do capitalismo e com a necessidade de reinventar e de criar uma fase quatro, muitas têm sido as acusações de fracasso ao capitalismo, nomeadamente por parte do Bloco de Esquerda que tem um discurso muito anti-capitalista e que tem atraído muito os jovens. Como é que nós sociais-democratas vamos poder inverter esta tendência e mostrar aos jovens que não é no fim do capitalismo nem nesse tipo de discurso que está a saída da crise mas sim no inventar novas soluções para o capitalismo e para a social-democracia em particular?

 
Helena Dias

A minha pergunta é mais teórica, sobre a quarta fase do capitalismo. Parece que estamos numa zona cinzenta, não conseguimos prever a crise que ainda estamos a viver. Até o Presidente Lula ironicamente perguntou onde é que estavam os economistas e os teóricos do ocidente para não a preverem. Será normal ou devemo-nos assustar com esta tendência?

 
Dr.Miguel Monjardino

Obrigado Helena, começo por si. Zona cinzenta, é claro que estamos na zona cinzenta, estamos no “boom” do filme. E comecei com o filme para tentar mostrar onde nós estamos. Nós somos as pessoas que estão na pista, e ouviram o “boom”. E nós pensamos que o piloto morreu e que a tentativa de ultrapassar a velocidade do som falhou. Se vos mostrasse o filme agora, víamos que ele ultrapassou, foi um tipo bem sucedido! De tal maneira que uns anos depois já não era Mach 1, ou seja ultrapassar a velocidade do som, era Mach 2, e o que veio a seguir foi absolutamente extraordinário. Em 1947 isso seria considerado impossível.

Há uma coisa muito curiosa, quando nós olhamos para a história o passado parece sempre melhor que o futuro, sempre, porque o passado nós conhecemos, e o futuro é uma incógnita.

Na sua pergunta está implícita uma outra: “haverá uma maneira de nos livrarmos desta ansiedade?” e a minha resposta é “não!”.

Não acreditem nas pessoas que vos vão dizer o oposto!

As sociedades vão pedir aos líderes políticos para os protegerem e libertarem desta ansiedade. Isto no passado foi possível, mas acho que não vai ser possível no futuro. A velocidade e o ritmo em que as coisas vão evoluir serão de tal maneira elevadas que as sociedades vão estar debaixo de pressão durante algum tempo por causa desta da ansiedade e desta situação nova.

E quando vos peço para lerem e para se informarem é para ganharem algumas “âncoras”, para resistirem ao balanço e tentarem explicar o que está a acontecer.

Quanto tempo isto vai durar? Ninguém sabe! Se não houver uma dupla recessão na Europa e nos Estados Unidos, (se houver as coisas ficarão muito más) mas se não houver a dupla recessão, eu gostaria de sugerir que as coisas poderão começar a melhorar. Quando não sei, mas mesmo que comecem a melhorar a ansiedade estará sempre lá, porque o Mundo está muitíssimo mais ligado e haverá muito mais gente a participar neste jogo, as oportunidades para a vossa geração serão imensas, embora o contexto seja diferente.

 

Em relação à pergunta do grupo roxo, eu acho sempre piada quando o Bloco de Esquerda, partidário de uma concepção filosófica ou política que falhou completamente e foi completamente rejeitada pela história, vem falar do falhanço do capitalismo. Acho imensa piada, porque partimos do pressuposto que a ideologia e a proposta política económica do Bloco de Esquerda foi um grande sucesso na história, mas foi um fracasso completo, mas quem é que quer viver no mundo do Bloco de Esquerda. Muito pouca gente, ponto número um.

Ponto número dois: a fase três do capitalismo chegou ao fim porque houve graves problemas. Tem sido sempre assim ao longo da evolução do capitalismo. O que o distingue da ideologia e das propostas do Bloco de Esquerda não é o problema do falhanço, é a flexibilidade que o sistema tem para se reinventar, esta é a grande diferença entre o capitalismo democrático do Adam Smith, que aqui está na minha preciosa gravata, e aquilo que o Bloco de Esquerda propõe ou propôs, tem a ver com a flexibilidade do sistema para gerir as suas contradições e para se reinventar, é nesta fase que nós estamos, e vocês vão ver que o capitalismo está associado a coisas boas e coisas más.

Está associado à liberdade, à responsabilidade individual, ao desejo que vocês têm em de ter uma vida melhor, mas também está associado à ganância e ambição. Ou seja, o sistema está longe de ser perfeito, é altamente imperfeito, mas tem uma coisa muito boa a seu favor, não há nenhum sistema nos últimos duzentos anos capaz de gerar tanta riqueza como este sistema.

Ponham o BE a governar o país e imaginem o que iria acontecer…

 

Bruno: a Argélia, e a competição por influência entre empresas Portuguesas e empresas Espanholas. A Argélia é um bom exemplo no sistema que pratica de uma forma híbrida de capitalismo histórico, não é uma economia aberta e portanto a concessão de contratos está muito dependente de influência política. O Magreb tem sido uma prioridade da política externa portuguesa, já conseguimos ganhar alguns contratos lá, antigamente não conseguíamos ganhar nada, mas é um sistema de capitalismo de Estado que não tem nada a ver com o sistema que eu e a maior parte das pessoas defende: uma economia aberta, pluralista etc. a competição por influência neste tipo de sistemas vai ser muito intensa e portanto isto tem a ver com a diplomacia económica.

 
Diogo Rodrigues

Diogo Rodrigues do grupo bege. Actualmente estamos na União Europeia e vivemos uma paz duradoura. Porém, devido à crise económica e à instabilidade, até que ponto nos países europeus podemos correr o risco de regressar a um sistema mais proteccionista, mais fechado? Obrigado.

 
Mateus Leite de Campos

Bom dia, qual seria a pedra basilar da reforma do Estado?

 
Bento Aires

Já falámos dos Estados Unidos, China, Índia, economias emergentes, falta o Médio Oriente, quais as perspectivas e o papel do Médio Oriente contexto actual e futuro? Obrigado

 
Dr.Miguel Monjardino

Começando pelo Bento Aires e pela pergunta sobre o Médio Oriente, é muito curioso vermos o que está a acontecer no Médio Oriente. Se recordarem o 11 de Setembro vemos que grande foi o falhanço dos arquitectos dessa operação. É que o nível da actividade económica no Médio Oriente e a ligação das economias do médio oriente àquilo a que nós chamamos a globalização, é enorme. Isto tem a ver com as necessidades energéticas da Ásia, o médio oriente neste momento exporta mais petróleo para a Ásia do que por exemplo para os Estados Unidos. Tem a ver com o tráfego comercial que está a ser feito pelo Índico, e tem a ver com a evolução da economia internacional. O médio oriente está cada vez mais interligado à economia internacional, isto obviamente é uma coisa boa.

 

Demograficamente vocês vêm que há imensos países que estão sobre grande pressão, tem populações muito jovens, que obviamente querem viver melhor.

Há uma arma secreta aqui na UV que se chama “Blackberry”. A controvérsia sobre esta arma secreta por exemplo na Arábida Saudita tem a ver com muitas das coisas que estamos a falar aqui. Imaginem que o Ângelo pega no grupo castanho, arranja o capital e diz “vamos criar a empresa para o Dubai”, mas vocês querem comunicar de uma forma segura, não querem que ninguém possa saber o que estão a combinar uns com os outros, alguns governos do médio oriente têm terror, pavor que vocês façam isso. A sociedade da Arábida Saudita, onde as mulheres ainda não podem conduzir, tem horror que pessoas da vossa geração comuniquem livremente. Vai haver aqui uma pressão grande a esse nível, mas eu diria que o grande problema no Médio Oriente/Golfe Pérsico, é como é que o Irão vai evoluir. Essa para mim é a grande questão.

 

1979 assinalou o aparecimento de uma nova fase do capitalismo, mas é também o ano da revolução no Irão, que é uma das grandes revoluções do séc. XX. E as contradições internas do sistema parece-me que são muito grandes. Vocês vejam por exemplo a maneira furiosa como o regime está a reagir à condenação à morte por lapidação – ouçam, é preciso ir à Bíblia, ou à Ilíada, para vermos uma condenação à morte por lapidação – e vejam como está o regime está a reagir furiosamente a isso. É um país muito grande com lugar histórico na região, eu diria que a evolução do futuro da região, dependerá muito da evolução do Irão.

 

A reforma do Estado, boa pergunta, vai haver uma sessão sobre reforma do Estado, passo a pergunta para essa sessão.

A pergunta do Diogo Rodrigues do grupo bege sobre União Europeia. Paz duradoura. Leiam o “Pós Guerra” do Tony Judt. O livro está publicado em Portugal pelas “Edições Setenta”, é um livro que mostra muito bem como desde de 1945, ou seja, desde o colapso total, moral e político das sociedades europeias em 1945, foi possível em cinquenta anos construir uma coisa extraordinária chamada UE, que é algo que nós nos devemos orgulhar.

A paz duradoura, eu não sei se essa paz duradoura continuará ou não, mas espero bem que sim.

Não há grandes ameaças à segurança europeia hoje em dia, mas obviamente tudo vai depender um bocado de como a Rússia evoluir, em termos internos, e das suas ambições externas.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito obrigado a todos.

Em nome de toda a UV, queria agradecer ao Professor Miguel Monjardino a intervenção e o esclarecimento que aqui nos trouxe.

 

(Palmas)

 

 

 

10.00 - Avaliação da UNIV 2010
12.00 - Sessão de Encerramento da UNIV
13.00 - Almoço com participantes de anteriores UNIVs